quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Convicções Marcantes

Texto bíblico: 2 Samuel 12: 15-25

No famoso livro de John Bunyan, O Peregrino, observamos a jornada de Cristão desde a sua conversão a Cristo até chegar à cidade celestial. Em vários momentos da narrativa, podemos notar que a convicção sobre as verdades da Palavra de Deus foram fundamentais na jornada do peregrino. Na ocasião em que ele teve que atravessar o Vale da Sombra da Morte, vários outros homens desistiram afirmando que a travessia era perigosa demais, por isso aconselharam Cristão a não prosseguir. Mas a convicção deste peregrino era firmada na Palavra de Deus: “Pelo que dizeis, cada vez me persuado mais de que é este caminho que devo seguir, para chegar ao porto desejado” (Salmos 44:18).
Em meio às lutas e dores alguém pode desistir facilmente da caminhada com Deus porque não cultivou convicções fortes o suficiente para manter-se de pé. O cristão não irá crescer e amadurecer se não tiver convicções espirituais firmes. Não existem atalhos na vida cristã que nos levem à maturidade espiritual. Observando a história descrita neste texto bíblico e percebendo as atitudes de Davi ao passar por aquela disciplina do Senhor, passei a refletir sobre a importância de termos convicções sólidas. Nossas convicções devem se transformar em atitudes que honram e glorificam a Deus, como fez Davi neste texto. Diante dos fatos relatados nos versículos lidos, eu gostaria de afirmar o seguinte:

O comportamento de Davi diante da disciplina do Senhor evidencia algumas convicções marcantes

Que convicções marcantes são evidenciadas no comportamento de Davi diante da disciplina do Senhor? Creio que estas convicções também devem fazer parte do nosso viver. Sem estas convicções arraigadas no coração não conseguiremos alcançar maturidade espiritual ao passarmos por um processo disciplinar. Convicções devem ser transformadas em ações. E uma vez que nossas atitudes se originam nas convicções internas, estas devem estar baseadas na verdade da Palavra de Deus para sermos agradáveis a Ele. Na vida do crente, estas convicções precisam ser evidenciadas mesmo em meio à disciplina do Senhor. Veremos neste estudo bíblico três convicções que nós também devemos evidenciar com o nosso comportamento.

1ª convicção: Deus continua sendo misericordioso (vs. 22)
Apesar de estar no início de um processo de disciplina que ainda traria trágicas consequências, Davi reconhece que Deus ainda usa de misericórdia. As orações em favor da criança foram dirigidas a Deus porque Davi confiava na compaixão do Senhor. Ele tinha esta convicção bem arraigada em seu coração – a convicção de que as misericórdias do Senhor são imensuráveis. O profeta Natã deixou bem claro que a criança iria morrer (vs. 14), mas Davi não negligenciou a oportunidade de clamar pela misericórdia do Senhor. Ele se humilhou, jejuou e se derramou diante do Senhor porque sabia que Deus é um Deus clemente. A palavra “compadecer” utilizada no versículo 22 denota o “favor gracioso e misericordioso” do Senhor, no qual Davi confiou profundamente.
Em outra ocasião, quando Davi pecou ao ter feito um recenseamento em Israel, a punição do Senhor foi colocada em três alternativas. Davi poderia escolher entre sete anos de fome, três meses de perseguição dos inimigos de Israel ou três dias de peste. As palavras de Davi em II Samuel 24:14 mostram que ele confiava na misericórdia do Senhor: “Estou em grande angústia; porém caiamos nas mãos do Senhor, porque muitas são as suas misericórdias; mas nas mãos dos homens não caia eu.” Naqueles três dias morreram setenta mil homens pela peste, mas Davi mostrou-se dependente da grande compaixão de Deus.
O cativeiro babilônico foi uma dura disciplina do Senhor sobre o seu povo. A calamidade se instaurou em Judá conforme a advertência dos profetas. Jeremias escreveu vários lamentos nos quais destaca a grande desolação sofrida pelo povo. Porém, diante de toda aquela disciplina ele não podia deixar de confiar na misericórdia do Senhor, por isso ele escreveu: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim, renovam-se cada manhã” (Lm. 3: 22). Mais adiante o profeta deixa claro que “o Senhor não rejeitará para sempre; pois ainda que entristeça alguém usará de compaixão, segundo a grandeza das suas misericórdias” (Lm. 3: 31 e 32).
Quando nós estamos sob a vara da disciplina do Senhor nossa primeira reação é achar que Deus mudou. Pensamos que Ele retirou de nós a sua misericórdia amorosa e tiramos conclusões baseadas unicamente na dor que estamos enfrentando. A disciplina que vem de Deus nos leva a duvidar de sua misericórdia e bondade sobre as nossas vidas. Começamos a racionalizar e concluímos que Deus não é mais compassivo por causa de tamanha angústia em nosso coração. Este é pensamento da grande maioria dos crentes que estão sendo disciplinados.
Como você avalia a sua convicção a respeito da misericórdia de Deus quando está sob disciplina? Como crentes, devemos ter convicções bem fundamentadas quanto à misericórdia do Senhor, para que não sejamos enganados em meio à dor. Precisamos confiar plenamente que Deus não retirou de nós a sua compaixão. Se Ele assim o fizesse estaríamos totalmente perdidos e destruídos. Mas esta convicção não aparece de repente na vida do cristão. É necessário aprender a enxergar a misericórdia do Senhor em cada circunstância da vida, seja ela boa ou ruim. Já fomos alvos da misericórdia do Senhor ao nos resgatar por meio de Cristo Jesus e nunca é demais lembrar que Deus continuará sendo misericordioso mesmo quanto tiver que disciplinar os seus filhos.

2ª convicção: Deus continua sendo digno de adoração (vs. 20)
Davi nos mostra com sua atitude que Deus continuava merecedor de total adoração, por isso ele se levantou, lavou-se, ungiu-se, mudou de roupa e entrou na casa do Senhor. Ele estava disposto a render adoração a Deus mesmo enfrentando a dor da disciplina. Todos que estavam ao redor ficaram admirados com esta atitude do Rei e o reprovaram. Porém Davi sabia que o tempo de clamar pelo filho tinha chegado ao fim e que a morte da criança não era motivo para deixar de adorar ao Senhor. Em meio à dor e ao luto ele ergue-se e adora ao Senhor, porque a sua convicção sobre a excelência do Senhor Deus não diminuiu por conta da dura disciplina. Ele foi ao lugar de culto público apresentar sua adoração ao Senhor com o coração contrito e desejoso de admirar a beleza do Senhor. A palavra que foi traduzida como “adorou” reflete uma profunda reverência e temor por parte do rei Davi: é a ação de prostrar-se ante a majestade do Senhor. Ele estava plenamente convicto da importância de engrandecer a Deus.
O povo que habitava em Jerusalém na época do profeta Sofonias recusava-se fortemente a aproximar-se de Deus em adoração genuína. O profeta alertou aquele povo que estava passando pela dura disciplina: “Ai da cidade opressora, da rebelde e manchada! Não atende a ninguém, não aceita disciplina, não confia no Senhor, nem se aproxima do seu Deus” (Sf. 3:1-2). Esta é a atitude de pessoas não-convictas da necessidade de adoração que preferem resistir ao processo corretivo do Senhor sem a menor reverência e temor. Pessoas assim não fazem o menor esforço para buscar a Deus em adoração e ainda se acham no direito de reclamar do tratamento recebido.
Será que nós evidenciamos que Deus continua sendo digno de adoração mesmo em meio à disciplina que estamos enfrentando? Será que levantamos nossa voz em louvor e adoração ao Senhor enquanto estamos sob a vara de correção? É muito fácil e até comum ver o cristão louvando ao Senhor quando tudo vai bem em sua vida. Mas não é tão comum ver cristão apresentar uma adoração sincera a Deus quando está sendo disciplinado. Geralmente o que se ouve são murmurações e reclamações de todo tipo. E muitas destas murmurações são direcionadas diretamente a Deus, provenientes de pessoas que estão “decepcionadas” com Ele. Ao passar pela dura disciplina, muitos crentes não se reúnem mais com a igreja local porque deduzem que estão sendo maltratados por Deus.
Precisamos levar o nosso coração a adorar ao Senhor em meio à disciplina porque Ele continua sendo digno. Deus não perde sua excelência ou poder, porque n’Ele não há variação ou sombra de mudança (Tg. 1:17). Deus sempre será o mesmo em glória, honra e majestade, e nós precisamos apreciar esta glória de Deus mesmo debaixo da Sua disciplina. Um bom motivo de louvor a Deus é justamente o fato de estar passando pela disciplina, pois isto prova que é um filho legítimo e não um bastardo. Deus é digno de ser adorado e exaltado porque Ele é o único Deus que disciplina os filhos a quem ama. E também devemos confiar integralmente no Senhor, pois a confiança em Deus é a base para uma adoração autêntica.
Qual é a profundidade da nossa adoração ao Senhor quando passamos por um processo corretivo? Será que a nossa rebeldia quer prevalecer? Um escritor puritano disse que “a adoração é a submissão de todo o nosso ser a Deus.” É importante que o desejo maior do nosso coração seja de fato adorar ao Senhor na beleza da Sua santidade, com o propósito único de glorificar o Seu Nome mesmo passando por uma disciplina corretiva. Podemos pensar no que João Calvino escreveu, para solidificar este pensamento: “O homem nunca é suficientemente tocado e afetado pela consciência do seu estado até que ele contemple a majestade de Deus”.

3ª convicção: Deus continua sendo justo em seus propósitos (vs. 23)
No verso 23 Davi reconhece as suas limitações e que nos propósitos de Deus o melhor que aconteceu foi a criança ter morrido. Ele não era dotado de superpoderes para reverter aquela situação, uma vez que o Doador da vida já tinha estabelecido o seu propósito. Para Davi não havia nenhuma injustiça da parte de Deus em discipliná-lo desta forma, o que nos mostra o quão arrependido ele estava do seu pecado.
O rei Davi escreveu o maior poema que exalta a Palavra de Deus. No Salmo 119, ele faz referência às transformações efetuadas em sua vida depois de ter passado por disciplina. “Antes de ser afligido andava errado, mas agora guardo a tua palavra” (Sl. 119:67), e também: “Foi-me bom ter passado pela aflição para que aprendesse os teus decretos” (Sl. 119:71). Estes versos nos mostram que o propósito corretivo foi cumprido na vida de Davi justamente por causa da disciplina que veio do Senhor.
Um dos propósitos de Deus ao disciplinar os seus filhos é conformá-los à perfeita imagem do Seu Filho Unigênito, Jesus Cristo. Deus quer que sejamos amadurecidos na fé. Ele não vai deixar de trabalhar em nosso viver para que este objetivo seja plenamente alcançado. Sua disciplina não chega em hora errada e nem está baseada nos motivos errados porque Ele é totalmente justo em todos os seus propósitos quando disciplina o crente. Se tivermos esta convicção bem fundamentada em nosso coração, veremos que há muito a ganhar atravessando a disciplina do Senhor. Deus não erra ao tratar conosco porque Ele enxerga muito mais além e sabe o que deve ser mudado em nosso viver para que haja verdadeiro amadurecimento. Precisamos crer nesta verdade que a Palavra de Deus nos assegura e submeter-nos ao tratamento justo do Senhor sobre nós. Deus não nos trata injustamente, pois n’Ele não há injustiça nenhuma.
O escritor aos Hebreus nos ensina que a disciplina sempre é acompanhada dos justos propósitos do Senhor (“não há dor que seja sem divino fim”). Em Hb. 12: 10-11 está escrito: “Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes em sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que tem sido por ela exercitados, fruto de justiça.” Deus não é um carrasco celestial que trata o crente com uma correção desproporcional.Quando Deus nos corrige, Ele o faz sem excessos; Ele o faz na medida exata da nossa necessidade e com um alvo muito claro: a nossa santificação. O cristão não deve menosprezar a disciplina, porque ao menosprezar a disciplina, estará contribuindo para atrair sobre si uma disciplina ainda mais severa, como aconteceu várias vezes com o povo de Israel. Portanto, é fundamental que confiemos plenamente que Deus está trabalhando para nos aperfeiçoar, pois Ele começou uma boa obra em nós e é fiel para completá-la (Fl. 1:6). Somos uma obra de arte que ainda não chegou ao estágio final, pois Deus está lapidando as arestas

Concluindo, é verdade que a disciplina traz dor e que não é nada confortável passar pela dura correção do Senhor. É por isso que convicções firmes são fundamentais para o cristão atravessar a disciplina de modo agradável a Deus. Somente assim um aperfeiçoamento real será visível na vida do crente. Precisamos ter convicções a respeito da misericórdia de Deus, da Sua excelência que nos leva a adorá-Lo e dos seus justos propósitos que se cumprirão em nossas vidas. Você tem estas convicções em seu coração? A Palavra de Deus nos assegura a importância de todas elas para que sejamos servos fiéis em qualquer circunstância, especialmente quando estivermos passando por um processo de disciplina.


MARCOS AURÉLIO DE MELO
ESTUDOS BÍBLICOS EM II SAMUEL

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