sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Relevância para a vitalidade da igreja

Texto: Tito 3: 8-11


Não é de hoje que o povo de Deus tem sido enfraquecido por conta de desperdício de energia em atividades irrelevantes. Tais atividades demandam tempo, esforço, recurso e estratégias, que no final nada resultam de efetivo. Jesus sabia reconhecer o que era relevante no seu ministério e em que deveria concentrar seus esforços nos três anos do seu ministério. Quando confrontado pelos fariseus, Jesus tinha uma resposta adequada e relevante para cada ocasião. Enquanto os discípulos dormiam, Jesus reconhecia a relevância da oração. No momento em que foi traído com o beijo por Judas, Jesus não viu como relevante a reação de Pedro. Ao se encontrar com a mulher samaritana Jesus não se concentrou em assuntos superficiais, mas viu a carência da alma daquela mulher e a confrontou com o que era relevante. A mulher falava da água do poço, Jesus falava da água que jorra para a vida eterna, que mata a sede espiritual. A mulher falava de uma adoração superficial, Jesus falava sobre uma adoração superior, feita em espírito e em verdade. E em virtude do testemunho desta mulher, muitos samaritanos daquela cidade creram em Jesus. É impressionante como Jesus se concentrava no que era relevante, sem perder as oportunidades!

Muitas vezes, por força do hábito, somos levados a agir nos concentrando em assuntos periféricos e deixamos de lado o que é relevante e indispensável. Não raro insistimos em trilhar atalhos no cristianismo e esquecemos a corrida que nos foi proposta. Perdemos tempo em projetos que não estão na agenda do Senhor, e assim a vida segue e continuamos correndo atrás do vento. A relevância do que fazemos deve ser medida pela relevância que à Bíblia atribui a estas coisas. Não somos nós que definimos o que é ou não relevante para nossas vidas ou para a igreja. A igreja é do Senhor e nossas vidas pertencem ao Senhor e, portanto, quem define o que é relevante é Ele e mais ninguém. Certamente é um anelo honroso querer e realizar o que o Senhor considera relevante. A nossa prioridade como servos (doulos) de Cristo deve ser fazer o que lhe é agradável, e isto passa necessariamente por aquilo que o Mestre considera relevante, para não haja desperdício de tempo e energia em futilidades. Deus abomina o desperdício de energia em assuntos e atividades periféricas, que em nada podem acrescentar ao avanço do reino de Cristo.

E por falar em relevância, as instruções que Paulo dirige ao pastor Tito no final desta carta são extremamente relevantes. Paulo não queria que Tito desperdiçasse esforços em vão e sem propósitos, pois o alvo deveria ser trazer crescimento à igreja do Senhor que se reunia na ilha de Creta. Assim, Paulo delimita neste texto alguns aspectos de grande relevância para o sucesso e progresso do ministério de Tito. Após abordar a bondade de Deus, a renovação efetuada pelo Espírito Santo, a beleza da justificação exclusivamente pela graça de Cristo, no versículo 8 Paulo deixa claro que Tito deveria ser ousado e insistente nesta tarefa de lembrar o que era relevante para a igreja. “Faças afirmação, confiadamente”, ou seja, Tito não deveria ser tímido ou se sentir reprimido em abordar tais assuntos, visto que o objetivo era fortalecimento da fé dos crentes na ilha de Creta.

“A vitalidade da igreja está atrelada à delimitação precisa do que é de fato relevante”

Mas em que ASPECTOS a vitalidade da igreja está atrelada à delimitação precisa do que é de fato relevante?

1) No que diz respeito às evidências da fé salvífica (vs. 8)
A ideia básica neste versículo é a conformidade entre o que pensamos a respeito do Evangelho e as evidências deste modo de pensar. A palavra que foi traduzida como solícito expressa a necessidade de diligência e cuidado na prática da vida cristã. Paulo já tinha abordado sobre a benignidade de Deus e sua mui grande misericórdia, que nos salvou mediante o lavar regenerador do Espírito Santo. Isto nos tornou herdeiros de uma nova e viva esperança. Portanto, seguindo este argumento de Paulo, o fato de alguém crer em Deus só pode ser autenticado por meio de obras condizentes, que espelham na prática a fé uma vez professada. Os que têm crido em Deus devem mostrar sem titubear as evidências desta fé.

Ilustração: Uma propaganda em outdoors de uma empresa de produtos agropecuários afirmava o seguinte: “melhor enraizamento, maior produtividade”. O produto químico promete fortalecer as raízes da planta, e assim haverá mais frutos. Uma raiz enfraquecida não possui vitalidade suficiente para nutrir a planta, por isso é importante cuidar da raiz. Temos boas raízes, porque confiamos na graça salvadora de Deus. Temos bom ensino bíblico que fortalecem a nossa fé em Cristo. Onde estão os frutos? Primeiro a raiz (fé), depois o fruto (as obras). As obras são consequência natural de uma fé saudável e robusta. Na carta aos hebreus lemos que “sem fé é impossível agradar a Deus”, o contexto fala da fé para o dia a dia, que se concretiza em ações para a glória de Deus, como visto na vida de Abraão, Moisés e tantos outros.
As obras de salvação devem acompanhar necessariamente uma profissão de fé em Cristo. Não podemos alegar que a graça nos alcançou se permanecemos em atitudes que contradizem o evangelho de Cristo. Fomos salvos para as boas obras, aquele procedimento exemplar que dá autenticidade a nossa confissão. É triste ver uma igreja que se transformou-se num clube social, cujos membros já não têm mais zelo pela prática cristã. A vitalidade de um corpo de crentes é ao mesmo tempo causa e consequência de práticas condizentes com o discipulado requerido por Cristo. Obviamente, estas obras nada têm a ver com mero ativismo. A vida do crente deve ser uma manifestação do poder transformador da graça de Deus. Em que a maravilhosa graça de Deus tem transformado você?
“A diferença entre o fruto espiritual e o ativismo carnal e humano é que o fruto glorifica a Jesus Cristo. Sempre que alguém faz algo pelas próprias forças, há a tendência de vangloriar-se. O verdadeiro fruto espiritual é tão belo e maravilhoso que ninguém é capaz de assumir o crédito; a glória deve ser dada somente a Deus.” (Warren Wiersbe)
Neste ano que se inicia cada membro da igreja deve fazer uma autocrítica e analisar se sua vida tem correspondido ao lavar regenerador operado pelo Espírito Santo na salvação. Onde estão os frutos em nós, ramos da videira, já que professamos publicamente nossa união com Cristo? Podemos até ser bons alunos de teologia, regularmente matrícula na Escola Dominical, mas se a teologia que temos aprendido não tem transformado nossas vidas, estamos acumulando maior juízo sobre nós. Grande parte do esforço de muitos crentes tem sido direcionado para aprofundar o conhecimento sobre doutrinas e estudos teológicos, mas onde estão os efeitos práticos disto? Não podemos nos contentar em encher nossas mentes com o bom ensino bíblico, e parar por aí. A relevância do cristianismo está na evidência de frutos condizentes com o ensino recebido. “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.” Tiago 1:22
Devemos conhecer os princípios bíblicos sobre os perigos e os malefícios da ira ou sobre a maldade da fofoca, mas não terá relevância nenhuma se não formos diligentes com relação ao domínio próprio, quando algo não sai de acordo com o nosso modo de pensar. Devemos conhecer os princípios relacionados com a cordialidade, mas qual será a relevância se continuamos agindo com aspereza e rispidez? A fé sem obras está morta.

2) No que diz respeito ao propósito da apologética  (vs. 9)
O apóstolo Paulo continua sua instrução a Tito agora utilizando o modo imperativo. A palavra que foi traduzida como evitar no original possui um significado bem abrangente, significando manter distância / afastar-se com determinação/ repelir. A influência de muitos hereges na ilha de Creta tinha se disseminado assumindo proporções alarmantes conforme Tito 1:10,11. Os judaizantes insistiam em não aceitar a transição do judaísmo para o cristianismo. Queriam acrescentar à fé cristã alguns elementos do judaísmo, inclusive a circuncisão. Acrescente-se a isso que era crescente naquele mundo grego o intelectualismo especulativo, fomentado pelas diversas correntes filosóficas em voga na época. Havia alguns infiltrados no meio da igreja que especulavam sobre a lei com base em argumentos vazios, que não traziam nenhum benefício para a igreja, pelo contrário, minavam-lhe a força e solidez. Estes debates infrutíferos causavam mais confusão do que edificação. Ser um apologeta bíblico é ser alguém que evita debates inúteis e que se concentra no que é essencial. O propósito da apologética ou do estudo bíblico-sistemático não é fomentar a curiosidade humana, mas acima de tudo ser um canal para transformação de vidas e proclamação da verdade revelada nas Escrituras, sem nenhum reducionismo ou diluição. Os ensinamentos sobre a justificação e a salvação pela graça de Deus, e sobre a ação do Espírito Santo (2.11,14 e 3.4-7) fundamentam a exortação do apóstolo para que Tito se mostre firme no governo e na edificação espiritual da igreja. A implicação imediata é que Tito devia dar um basta em assuntos que nada acrescentavam ao fortalecimento da igreja. Ele tinha que repelir com veemência qualquer ensino que trouxesse discussões vazias e não cooperasse para o progresso espiritual da igreja

Ilustração: 2 Timóteo 3:16-17
"Evita, igualmente, os falatórios inúteis e profanos, pois os que deles usam passarão a impiedade ainda maior. Além disso, a linguagem deles corrói como câncer; entre os quais se incluem Himeneu e Fileto." Cada indivíduo é um farol, ou levando outras pessoas a naufragarem nas rochas, ou ajudando-as a entrarem em segurança no porto. Himeneu e Fileto eram homens que levavam outros a naufragarem nas rochas, através de suas ideias e pensamentos equivocados.
Observe que Paulo não proíbe todo tipo de discussão. Precisamos batalhar pela fé e reprovar toda distorção da verdade. A apologética é uma necessidade urgente e real, para o correto combate de heresias e a defesa da sã doutrina. Paulo, porém, condena a discussão fútil, sem proveito, sem implicações práticas na vida espiritual. Não podemos perder o foco, desviando-nos da obra para gastarmos nossa energia com falatórios inúteis. Precisamos nos concentrar no que é essencial para nutrir a nossa fé nestes dias tão tenebrosos.
A igreja deve investir em ensino apologético e de doutrinas, mas sem esquecer que o ensino é o meio e não o fim. O ensino robusto da Palavra de Deus robustece a nossa fé e fortalece nossos músculos espirituais. Mas o ensino visando vencer debates com opositores frívolos da Bíblia, que defendem seus pontos de vista com base em achismos, é totalmente infrutífero. Mais do que nunca a igreja deve aprender a não jogar pérolas aos porcos, evitando que o tempo seja desperdiçado em contendas vazias que minam a estabilidade do povo eleito.
Um princípio basilar da fé cristã é que “todo argumento deve ser levado cativo à autoridade das Escrituras.” Se os nossos argumentos têm muito do homem e pouco ou nada de bíblico, precisam ser silenciados imediatamente. Não podemos deixar que falácias se propaguem no meio do povo de Deus, tirando a vitalidade que a igreja deve ter para ser luz e sal neste mundo em trevas. É importante que a igreja esteja engajada na luta contra os falsos ensinos que permeiam este mundo. Há muitas “fake news gospel” que se revestem com verniz cristão, mas em nada acrescentam à solidez e maturidade da igreja.

3) No que diz respeito à repreensão e disciplina (vs. 10,11)
O que Paulo via em Creta com preocupação era a tendência de pessoas com ideias estranhas ao evangelho formarem grupos dissidentes, dividindo, assim, o corpo de Cristo. A palavra grega hairetikos, traduzida por “faccioso”, é muito sugestiva. O verbo grego hairein significa “eleger”; e a palavra grega hairesis significa “partido, escola ou seita”. Originalmente a palavra não tinha nenhum significado negativo. Uma hairesis era apenas um partido ao qual uma pessoa desejava pertencer. O significado negativo aparece quando uma pessoa impõe sua opinião privada contra todo ensino e tradição da igreja. A pessoa facciosa é aquela que transforma as próprias ideias na prova e na medida de toda a verdade, e que resulta em partidos e divisionismo na igreja. O adjetivo faccioso está sendo neste contexto no sentido estrito de causar rupturas. Pessoas com ideias próprias não submetidas à autoridade das Escrituras são um estorvo para a igreja do Senhor. Paulo mostra que alguém que faz desta prática um estilo de vida está pervertida, isto é, corrompida ou distorcida, e sua conduta ímpia certamente trará juízo. Por isso a necessidade de admoestação consistente como ponto de partida para a disciplina da igreja. Sem confrontação bíblica e tratamento adequado, o fermento levedará a massa toda.

Ilustração: A necrose é sempre um processo patológico e desordenado de morte celular causado por fatores que levam à lesão celular irreversível e consequente inutilidade do tecido afetado.  A necrose pode ser diferenciada em vários tipos, e cada um está associado a determinado tipo de agente lesivo e determinadas características. Em alguns casos a necrose começa a afetar órgãos ou membros do corpo, irradiando-se através de uma infecção. Para evitar isso, recomenda-se a amputação da parte necrosada, pois mais vale uma parte do corpo sendo retirada do que todo o corpo ser prejudicado pela necrose. De maneira semelhante, o que se quer prevenir na disciplina bíblica é que o rebelde não-arrependido traga maiores prejuízos à saúde de toda a igreja. Quanto maior a tolerância à rebeldia dentro da igreja maior será a influência negativa causada, e certamente outros membros serão contaminados. Ao invés de vitalidade, haverá declínio e degeneração.
Muitas vezes temos a tendência de pensar que a confrontação e a disciplina bíblica devem ser aplicadas apenas em casos considerados de maior porte, que causam escândalos no meio da igreja, quando a rebeldia está relacionada por exemplo a alguma imoralidade sexual. Mas nos esquecemos que a vitalidade da igreja está relacionada com o tratamento adequado de problemas relacionados a partidarismos geralmente resultantes de caprichos pessoais. A imposição de gostos pessoais gera discórdias, enquanto a autoridade das Escrituras é colocada de lado em prol de picuinhas sem sentido. Uma igreja dividida contra si mesma nunca será forte. Este assunto é de grande relevância para a saúde espiritual e progresso da igreja.  
Quantas igrejas estão morrendo à míngua por causa de facções internas, criadas com o objetivo de minar a autoridade da liderança e do pastor? Será se de algum modo nos enquadramos no perfil de “faccioso”, enfermando a igreja do Senhor com base em nossos caprichos pessoais que em nenhum momento objetivam a glória de Deus? É muito fácil sermos enganados pelo nosso próprio coração, e em nome de um “zelo pela igreja”, sermos instrumentos de discórdia e desgaste interno. Geralmente pessoas com opiniões fortes estabelecem seus posicionamentos sem o embasamento bíblico necessário e outros acabam abraçando a ideia. E quando são confrontados não admitem que estão errados e permanecem num caminho de rebelião. A igreja não pode ficar se desgastando ao longo do tempo com este tipo de rebeldes. É necessário dar um basta através da disciplina bíblica corretamente aplicada em cada caso, após a confrontação por meio das Escrituras.
É importante que a disciplina bíblica não seja um assunto visto com espanto pela igreja do Senhor. Em nome de um amor banal e fútil, em nome de tolerância carnal, muitos assuntos são jogados para debaixo do tapete e não são tratados como deveriam. A disciplina corretamente administrada faz a igreja crescer em santidade e preserva sua vitalidade. Hebreus 12.10-12 ensina que Deus “nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça.”