sábado, 28 de dezembro de 2019

Potencial de dano


Texto: Mateus 18: 1-9
Tema: Potencial de Dano

Introdução 1:
Em uma segunda-feira, 6 de agosto de 1945, às 8 horas e 15 minutos da manhã, a bomba atômica "Little Boy" foi lançada sobre Hiroshima por um bombardeiro B-29 americano, o Enola Gay, matando instantaneamente por volta de 80 mil pessoas. A bomba lançada sobre a cidade de Hiroshima era uma bomba nuclear de urânio-235 com uma potência estimada de 16 quilotons (1 quiloton = 1000 toneladas de TNT). Ela explodiu a uma altura de aproximadamente 570 metros do chão e provocou uma nuvem de fumaça que alcançou 18 km de altura. Sua explosão gerou uma bola de fogo com uma temperatura de aproximadamente 300.000 °C, atingindo um raio de 2 km de destruição, além de espalhar uma nuvem radioativa. Estima-se que houve mais de 140 mil mortes em decorrência das queimaduras e dos ferimentos causados pela explosão e dos danos causados pela exposição à radiação. O potencial destrutivo da bomba atômica era de causar espanto, mas nem mesmo seus criadores esperavam tanto.
Música ROSA DE HIROSHIMA: Pensem nas crianças/ Mudas, Telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas, inexatas/ Pensem nas mulheres/ Rotas, Alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas/ Mas oh! Não se esqueçam/Da rosa, da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/ Estúpida e inválida/A rosa com cirrose /A anti-rosa atômica/ Sem cor, sem perfume/ Sem rosa, sem nada. Essa música, em tom melancólico, expressa com poesia a força destrutiva da bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de rosa, por conta do formato de botão em flor, ou de cogumelo, da enorme nuvem de fumaça que se formou após a explosão. O ataque ao Japão não parou por aí, três dias depois outra bomba (de plutônio) foi jogada sobre a cidade de Nagasaki, os efeitos geraram milhares de mortes instantâneas e outras devido ao efeito radioativo. A bomba apelidada de Little boy, que significa "garotinho" em português, não tinha nada de diminutivo na sua capacidade devastadora.
Introdução 2: E por falar em potencial danoso, não podemos jamais esquecer que a Bíblia nos adverte que o pecado jaz à porta, mas cumpre a nós dominá-lo. Já em Gênesis o potencial de dano do pecado nos serve de alerta. O livro de Provérbio está repleto de princípios para evitarmos seguir pelo caminho da insensatez, conhecendo o potencial de danos que é próprio deste caminho. Os danos decorrentes de ações intempestivas são recorrentes na Bíblia, por exemplo quando Saul resolveu por conta própria ofertar bois e ovelhas ao Senhor em Gilgal (usurpando o papel exclusivo do sacerdote Samuel). O potencial danoso desta atitude de Saul custou-lhe a reprovação imediata do profeta (agiste nesciamente e não guardaste o mandamento que o Senhor) e ainda chancelou a perda do reino (agora, não subsistirá o teu reino).
No texto em epígrafe, temos mais uma advertência do Senhor Jesus aos discípulos que o seguiam. Esta dura advertência ressalta o potencial danoso que algumas atitudes trazem para dentro das relações humanas, e que acabam minando a vitalidade e o progresso dos redimidos. Jesus está sendo bastante direto, não deixando margem para interpretações ambíguas. Ele claramente alerta sobre o potencial de dano, sobre a insensatez que deve ser considerada nestas atitudes para não incorremos também nelas. Conhecendo as condutas que possuem um potencial danoso/lesivo, podemos fazer um diagnóstico se estamos incorrendo nelas. Buscar o arrependimento e clamar por perdão é o primeiro passo para não sermos veículos com tamanho potencial de causar danos. Em razão disso, afirmo o seguinte:

 “Neste texto, somos advertidos sobre inclinações cujo potencial de dano não deve ser ignorado”


1) Fomentar um conceito elevado de si próprio (Vs. 1-5)
EXPLANAÇÃO: O motivo do Senhor ter feito essa pergunta retórica acerca de quem era o maior do reino de Deus foi a constante disputa dos discípulos entre si para determinarem quem era o maior deles. É bem possível que os últimos acontecimentos tenham agravado esse problema, especialmente com referência a Pedro que andara sobre as águas com o Senhor e tenha sido aquele que representou o Senhor ao pagar o imposto do templo através de um milagre. O fato de Jesus ter compartilhado com eles acerca do seu futuro sofrimento e morte na transfiguração, não causou o devido impacto na vida deles, pois continuavam pensando em si mesmos e no cargo que ocupariam no reino de Deus. Eles estavam tão obcecados pela questão que chegaram mesmo a discutirem entre si (Lc.29.46). A condição de servos causava entre os discípulos muito mal-estar.
Os discípulos estavam pensando acerca do reino de Jesus em termos de um reino terreno e em si mesmos como os principais ministros de Estado. Essa distorção teológica dos discípulos perdurou até mesmo depois da ressurreição de Jesus (At 1.6). Percebamos que na pergunta "quem é o maior", que diz respeito a posição/relevância, está implícita outra pergunta: "quem é o melhor", que diz respeito a quem é o mais excelente para ocupar tal posição. Esta ladainha entre os discípulos não aconteceu apenas uma vez, e sempre que aconteceu recebeu a reprimenda de Jesus.
Quando Jesus fez essa pergunta, certamente eles ficaram aguardando com ansiedade que o Senhor dissesse quem era o maior, mas Jesus ignorando-os completamente chamou uma criança para junto de si, como a dizer, eis o exemplo da verdadeira grandeza. A criança é levantada como um ideal não de inocência, pureza ou fé, mas de humildade e de despreocupação por posição social. Jesus advoga a humildade de mente (v. 4), não a infantilidade de pensamento (cf. 10.16). A humildade de uma criança consiste principalmente em um estado de confiança e dependência. Notem o contraste que Jesus apresenta: por um lado havia um grupo de pretensos homens, que disputavam entre si para saber quem era o maior e do outro uma criança sem a menor preocupação com esse assunto. Essa é a atitude que Deus deseja que seus filhos adotem em relação a Ele. O estado de espírito moderno que prevalece atualmente, de autossuficiência e de sabedoria mundana e sofisticada, é inimigo de uma autêntica espiritualidade.
ILUSTRAÇÃO: Quem não se lembra da história de Hamã, aquele homem orgulhoso, descrito no livro de Ester. Ele tinha um conceito tão elevado de si mesmo que ao ser perguntado pelo rei sobre o que se deveria fazer a um homem a quem o rei quisesse honrar, pensando que se tratava dele (Hamã) disse: “Que seja vestido de trajes reais, e que desfile pelas ruas montado no cavalo do rei, sendo dito sobre ele: Esse é o homem a quem o rei deseja honrar.” A sugestão agradou ao Rei Assuero que mandou imediatamente que se fizesse o sugerido com o judeu Mordecai a quem Hamã odiava, além disso ele é quem conduziria o cavalo do rei anunciando Mordecai como o homem a quem o rei queria honrar.  Esse só foi o primeiro degrau na queda do orgulhoso Hamã, que terminou por morrer numa forca que ele preparara para Mordecai.
Vivemos num mundo onde a autoafirmação tem se tornado uma regra. As pessoas não se preocupam tanto em ser, mas em ser reconhecidos como tal. São pessoas que possuem uma necessidade íntima muito forte de impor-se à aceitação dos outros. Precisam estar sempre em destaque, como o centro das atenções, recebendo, é claro, constante aprovação dos que as cercam. A necessidade de autoafirmação, de estar sempre sendo reconhecido e elogiado pelos outros, faz com que a pessoa deixe de olhar verdadeiramente para dentro de si, o que a levaria a ter uma percepção equilibrada e realista de si mesmo. Vivendo na busca da autoafirmação, de reconhecimento externo, não sobra tempo para se trabalhar para ser. O caminho é o de se tornar um sepulcro caiado, tal como os fariseus. É obvio que essa conduta é um barril de pólvora e tem enorme potencial lesivo no Corpo de Cristo. Estamos errados ao badalar o sino a respeito de nossas qualificações, com o desejo de sermos reconhecidos. Quem tem habilidades não toca trombeta sobre si, mas simplesmente usa os seus dons como meios para a glória de Deus.
Por causa da queda, somos atraídos por visões enfatuadas, deturpadas e grandiosas de nós mesmos. Pessoas que fazem muita referência a si próprias (autoelogios) são danosas para o equilíbrio no Corpo de Cristo. O sábio Salomão já advertiu: “Seja outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios” (Pv. 27:2). Fazer comparações ministeriais sempre em proveito próprio indica um coração autocentralizado, que precisa da graça de Deus. Usando as palavras de Paulo, “não pense de si mesmo além do que convém" (Rm. 12:3). Paul Tripp escreveu: “A aclamação pública frequentemente é o viveiro para o crescimento da semente do orgulho espiritual.”
É impossível alguém se humilhar diante do Senhor se, ao mesmo tempo, estiver procurando se exaltar em relação aos outros. Tudo em nosso viver deve ser projetado para produzir maior humildade em nós. Devemos enxergar os irmãos não como oportunidades para trazer glória a nós mesmo, mas como pessoas a que podemos servir para trazer glória a Cristo. João Batista, a respeito de Cristo, proferiu um dos desafios mais importantes para todos nós: “Convém que Ele cresça e que eu diminua”. Até porque ao pé da cruz o terreno é plano, portanto, não deve existir espaço para autopromoção que cria divisões dentro da igreja. Somos servos, não soberanos. Somos ovelhas, não pavões. E diante do exemplo supremo de Cristo nenhum de nós pode jamais dizer que está se humilhando demais. Nenhum de nós pode dizer: “Chega! Eu mereço algo melhor, agora é a vez de ser servido e aclamado.”
O sentimento de superioridade, seja ele consciente ou não, sempre começará a eliminá-lo do ministério protetor e santificador essencial do corpo de Cristo. Você começa a se enxergar como alguém que não precisa dos demais, que é bastante a si mesmo, quase uma igreja ambulante com todos os dons necessários. Precisamos lutar continuamente contra o perigo da síndrome de celebridade. Somos rodeados por espelhos curvos que têm o poder de dar uma visão distorcida de nós mesmos. Por isso somos carentes da graça todos os dias, para que o evangelho de Cristo nos humilhe e nos revele de fato quão pequenos e fracos nós somos. Olhar para o exemplo de Cristo (kenosys=autoesvaziamento) deve nos constranger diariamente. Em mais um paradoxo da fé, a verdadeira grandeza pertence ou faz parte da disposição de ser o último e servo de todos.
A luta do discípulo em busca de poder ou primazia entre os seus pares denota a confusão que está se fazendo do reino dos céus como um tipo de reino terreno, político, que propicia posições de poder. Quantas vezes as disputas por primazia na igreja do Senhor fazem o povo de Deus enfermar? É terrível o potencial de dano trazido pela prática da autoexaltação e egocentrismo que gera disputas e divisões no corpo de Cristo, assim como aconteceu em Corinto. De Deus somos todos cooperadores; a lavoura é de Deus e o crescimento vem dEle somente. Portanto não sobra espaço para vanglória, pois "nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1 Cor. 3:7). Quando vamos abandonar as práticas infelizes de buscar posição como se estivéssemos concorrendo entre nós quem é o melhor? De fato, já passou da hora de nos portarmos como servos, não como senhores na obra do Mestre, tais como crianças despretensiosas.


2) Causar algum estorvo espiritual a outrem (Vs. 6,7)
EXPLANAÇÃO: Os versículos de 6 a 9 estão unidos pela palavra grega eskandalon (pedra de tropeço) e seu respectivo verbo eskandalizo (tropeçar). O Senhor inicia a fala registrada no versículo 6 com o pronome “qualquer” seguido que fizer tropeçar... Isso significava que nenhum dos discípulos estava isento da possibilidade de fazer alguém tropeçar. No entanto fazer alguém tropeçar é uma ação insensata por sua falta de amor e misericórdia e pelo juízo que tal ação evoca. Para descrever o peso do juízo que virá sobre aquele que faz o outro tropeçar, Jesus diz que seria preferível que se pendurasse ao pescoço dessa pessoa uma grande pedra de moinho e que fosse afogada na profundeza do mar. Geralmente as pedras no pescoço eram adereços, aqui por mais que ilustra um duro juízo terreno não se compara com o celestial. O mundo é um lugar de pecado (jaz no maligno) e consequentemente é até compreensível que seja também um lugar de escândalos, no entanto ai do mundo por causa disso e ai daqueles que patrocinam esses escândalos. A questão dos escândalos apresentada neste texto por Mateus é diferente da abordagem apresentada por Paulo em 1 Coríntios. Na questão da carne sacrificada aos ídolos prevalece a questão de sermos cautelosos em não prejudicar a fé de alguém com consciência fraca, isto é, uma consciência ainda não treinada e fortalecida nos princípios doutrinários. Já aqui em Mateus o que está em voga são as atitudes deliberadas de causar tropeços na vida de alguém, seja por mau testemunho ou por alguma palavra que gere prejuízos à carreira cristã de outro irmão. Armar ciladas e induzir ao erro é uma praxe no mundo, mas não deveria ser entre o povo de Deus.
ILUSTRAÇÃO: A imagem do ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima sendo agarrado por um ex-padre irlandês nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, ficou mundialmente conhecida. Na ocasião, Vanderlei liderava a prova com uma diferença de 150 metros do italiano Stefano Baldini, mas perdeu metade do seu tempo de vantagem quando foi empurrado por Neil Horan, ex-pároco da igreja católica da Irlanda.  Desconcentrado pelo susto, o brasileiro foi ultrapassado e ao final da prova subiu ao pódio para receber o bronze.
O escândalo é uma pedra de tropeço para as pessoas. É uma conspiração contra o bom testemunho. É negar a fé não com palavras, mas com atitudes. A vida do cristão é sua mensagem mais eloquente. Portanto, falar contra o pecado em público e praticá-lo em secreto é uma abominação diante de Deus e uma pedra de tropeço diante dos homens.  Acautelemo-nos, pois o pecado mais escondido na terra é um aberto escândalo no céu. (Hernandes Dias Lopes). Quando aqueles que conhecem a Deus desviam-se da verdade, caem na iniquidade, e praticam os mesmos pecados daqueles que não o conhecem, tornam-se pedra de tropeço, como está ilustrado nos Salmos e nos profetas: “Teimam no mau propósito; falam em secretamente armar ciladas; dizem: Quem nos verá? Projetam iniquidade, inquirem tudo o que se pode imaginar; é um abismo o pensamento e o coração de cada um deles.” (Salmo 64: 5-6) “Flecha mortífera é a língua deles; falam engano; com a boca fala cada um de paz com o seu companheiro, mas no seu interior lhe arma ciladas.” (Jr. 9:8)
E difícil conceber como Jesus poderia ter dado um aviso mais solene sobre o horror de levar outro cristão que está se desenvolvendo a errar e ser seduzido pelo pecado por causa da influência de alguém. A necessidade de uma vida consistentemente santa deve despertar a nossa atenção como as luzes que piscam no cruzamento de uma estrada de ferro. Faremos bem em dar atenção a esse aviso. Quando formos tomar alguma atitude devemos refletir com cautela, averiguando se aquela atitude pode se constituir causa de tropeço para alguém. E não se trata de viver pisando em casca de ovo, num ambiente cheio de pessoas hipersensíveis. O alerta que Jesus faz é sobre causar deliberadamente um tropeço, uma situação que traga prejuízo ao próximo, de modo a envergonhar a causa de Cristo e o progresso da fé de alguém. Com base em outros textos do Novo Testamento, o alerta envolve cautela redobrada por parte daqueles que estão em posição de liderança ou de ensino na igreja. Sabemos que o exemplo é um fator de influência bastante significativo para os irmãos na fé, por isso cultivar a prudência é sempre necessário e salutar para o bem do equilíbrio no corpo de Cristo.
As causas de tropeço podem ser várias, mas a que por inferência é mencionada aqui é a ambição orgulhosa, como a que acabara de ser manifestada pelos discípulos. No texto paralelo do evangelho de Marcos traz à baila também os efeitos perniciosos do preconceito (Mc. 9:38-41). A Bíblia nos mostra, em especial em Provérbios e na epístola de Tiago, que um enorme potencial de dano está na questão do falar.Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça (ou não causa tropeços) no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (Tg. 3:2). Com a língua podemos causar grandes incêndios e trazer prejuízos incalculáveis para outros irmãos. Podemos levar pessoas a terem uma visão pequena de Deus se nossas palavras forem uma deturpação do Evangelho. Podemos influenciar pessoas a romperem amizades se o nosso falar estiver corrompido com preconceitos e maldade. Podemos destruir um casamento alicerçado por tantos anos, por meio de uma mentira calculada ou um falso testemunho. Podemos inviabilizar a coexistência pacífica dentro da igreja. Podemos menosprezar pessoas feitas à imagem de Deus, atacando a dignidade inerente à condição de criatura. Sendo assim, todo cuidado é pouco com a questão da língua. O salmista Davi faz uma pergunta e ele mesmo responde: “Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem? Refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente” (Salmo 34: 12-13). O médico diz:  "Você é o que come".  O psicólogo diz:  "Você é o que sente". O educador físico diz: "Você é o que transpira". O filósofo diz: "Você é o que pensa". O professor diz: "Você é o que estuda". E Tiago, na sua epístola no NT, diz: "Você é o que fala". Conhecemos, de fato, o tremendo potencial de causar tropeços da nossa língua?
Por outro lado, também podemos ser causa de tropeço quando somos omissos. A vida do cristão não deve ser causa de tropeço nem por ação e nem por omissão. A omissão é claramente reprovada em Tiago 4:17:  “Aquele, pois, que sabe que deve fazer o bem e não o faz comete pecado.” Omissão é não assumir a responsabilidade ou não adotar a postura adequada diante de alguma requisição da parte do Senhor. E assim, podemos levar outros a tropeçar por conta de uma situação que exige um posicionamento correto e embasado nas Escrituras e deixamos de agir. Martinho Lutero, quando estava sendo confrontado pelas hostes do papa Leão 10, disse: “Você não é responsável apenas pelo que diz, mas pelo que não diz também.”  Toda a vida do crente deve ser mantida e nutrida com responsabilidade, ciente do bom propósito de glorificar a Cristo somente.
De fato, a responsabilidade pelo pecado é pessoal e intransferível. Cada um que cair dará contas de si mesmo ao Senhor. Mas não podemos utilizar deste argumento de defesa quando agimos erroneamente e, por causa disso, outros venham a tropeçar na carreira cristã. Como membros do Corpo de Cristo somos interdependentes e, portanto, responsáveis também pela saúde e progresso espiritual de irmãos na fé. Criar tropeços, ciladas ou induzir maliciosamente obras malignas não é próprio do cidadão celestial, que está rumando para encontrar-se com Cristo na glória. Levar outra pessoa a fracassar, seja por mau exemplo, orgulhosa ambição, por indiferença, ou outra coisa qualquer, tem um potencial de dano enorme para a igreja do Senhor. Precisamos cuidar uns dos outros, e este cuidado protetor envolve nutrir relacionamentos que sejam sólidos o suficiente para não levarmos ninguém a tropeçar na fé. Cuidemos com redobrada atenção de nossas palavras e de nossas ações, para não servimos ao príncipe das trevas induzindo outros ao erro.


3) Poupar a si próprio de sacrifícios espirituais (Vs. 8,9)
EXPLANAÇÃO: Usar as mãos, os pés e os olhos para pecar é uma loucura consumada. As mãos que agem, os pés que andam e os olhos que veem dever estar a serviço do bem, e não do mal; da santidade, não da iniquidade. O que fazemos, aonde vamos e o que vemos pode constituir-se armadilha para a nossa alma. Jesus não ensina a amputação física, mas o radical enfrentamento do pecado. A pé, mão e olhos representam a própria pessoa em suas várias formas de expressão. Toda vez que os pés se desviam do caminho, isso acontece porque o coração também se desviou. Se não houvesse pecado no coração, o pé, a mão e os olhos não se tornariam, tão facilmente, instrumentos do pecado. Uma personalidade santa terá pés, mãos e olhos santos. Portanto, Jesus está insistindo para que a resistência seja vencida a fim de que nos tornemos santificados através do sacrifício daquilo que atrapalha o progresso na fé. Se alguma coisa no caminho nos impede de seguir a Jesus, precisamos nos livrar disso.
Renunciar àquilo que parece ser o nosso direito natural, seja representado pelo pé, mão, ou pelos olhos, não é tarefa fácil e feita de bom grado. Mas, é melhor salvar um homem deformado do que perder um homem “completo”. Jesus reforça que devemos ser radicais na remoção de qualquer obstáculo que se interponha entre nós e Deus, por meio de renúncia e autossacrifício. Na luta contra a natureza de Adão que ainda reside em nós não podemos ser indolentes ou letárgicos. Sem dúvida, o sacrifício literal de mão, pé ou olho não resolverá os problemas da tentação e do pecado, mas a ilustração é clara. Da mesma forma como se sacrifica um órgão do corpo para salvar a vida física, também qualquer disciplina, por severa que seja, não é preço muito grande a ser pago pela vitória sobre os tropeços. O inferno está reservado para aqueles que nunca fizeram sacrifícios espirituais, porque de fato os tais nunca nasceram de novo pelo poder do Espírito de Deus. Só quem é capacitado pelo Espírito pode produzir frutos e realizar sacrifícios que glorifiquem ao Pai, através da mediação do Filho.

ILUSTRAÇÃO: Conta-se que na Primeira Guerra Mundial um jovem soldado francês foi seriamente ferido. Seu braço havia sido quebrado em várias partes e teve que ser amputado. Ele era considerado um soldado de grande coragem e o cirurgião lamentou profundamente o fato de, ainda muito jovem, ter o corpo mutilado. Ele aguardou ao lado da cama do soldado para lhe dar as más notícias quando recuperasse a consciência. Quando o rapaz abriu os olhos, o cirurgião lhe falou: “Eu sinto muito lhe dizer, mas você perdeu o seu braço.” “Senhor,” falou o rapaz, “eu não perdi o meu braço, eu o dei – pelo meu país, a gloriosa França.” Sacrifícios, será que somos capazes?  Frank Farley, um antigo político cristão norte americano disse: “Grande parte de nosso cristianismo atual está encharcado de sentimentos, mas desprovido de sacrifícios.”  O estudioso britânico do Novo Testamento Ralph Philip Martin disse:  “O sinal do amor que professamos pelo evangelho é a medida do sacrifício que estamos dispostos a fazer para ajudar o seu avanço.” John MacArthur vem reforçar essa mesma concepção: “O verdadeiro evangelho é um chamado para o autossacrifício e não para a autorrealização”.
Algo só pode ser considerado sacrifício se nos custa alguma coisa. Não vale dizer que somos cristãos sacrificiais, se na hora “H” nos deixamos levar pela autoproteção desenfreada. Para seguir o caminho do sacrifício das próprias vontades o discípulo tem que compreender que é um doulos (escravo, no grego). Nas Escrituras, a descrição que prevalece sobre o relacionamento dos cristãos com Jesus Cristo é a relação escravo/mestre. Ser escravo de alguém, significava ser sua possessão, sujeito a obedecer suas vontades, sem hesitação ou questionamentos. Os primeiros cristãos se contentavam em considerar a si mesmos como absoluta propriedade de Cristo, comprados por Ele, possuídos por Ele, e estando totalmente ao seu dispor.  Somos seus escravos, chamados a obedecê-Lo e honrá-Lo, com humildade e de todo o coração. Somente assim, entenderemos que os sacrifícios espirituais são importantes para sermos agradáveis ao nosso Mestre.
         O potencial de dano de não realizarmos sacrifícios espirituais em nossa vida é evidente. Quanto mais alimentamos vontades carnais e centradas no “eu”, mais cresce a nossa autonomia. Quanto mais alimentamos caprichos pessoais, mais tropeçamos e levamos outros a tropeçar. Passamos a viver sem a devida consideração para com o Senhor que nos comprou com seu precioso sangue. Começamos a enxergar o milagre da salvação com desdém, sem dar o valor devido ao que Cristo fez. Depois de descrever com detalhes o plano eterno de salvação na carta ao Romanos (capítulos 1 a 11), o apóstolo Paulo faz um clamor retumbante: “ROGO-VOS, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm. 12:1). Só alguém que entendeu o plano perfeito de redenção do pecador e que se rendeu ao senhorio de Cristo, é capacitado pelo Espírito a realizar sacrifícios espirituais que mortificam os desejos da carne e dos pensamentos mundanos.
O verdadeiro Cristianismo não se trata de acrescentar Jesus à minha vida. Em vez disto, trata-se de devotar-me completamente a Ele, submetendo-me inteiramente à sua vontade e procurando agradá-Lo, acima de todas as coisas. Isto demanda morrer para mim mesmo e seguir ao Mestre, não importando o custo. Em outras palavras, ser um cristão é ser um escravo de Cristo. E ser um escravo implica sacrifício de caprichos pessoais e da autonomia da vontade. Há muitas canções gospel que falam sobre rendição a Cristo: “Eu me rendo; rendo a ti minhas vontades”. Mas biblicamente o que significa rendição? Rendição a Cristo implica desistir de lutar contra a Sua autoridade e não mais oferecer resistência diante da urgência em dar um basta nos hábitos escravizadores que precisam ser extirpados da nossa vida.
Não nos enganemos. A falta de sacrifícios espirituais não traz prejuízos somente para o indivíduo, mas também para a coletividade na qual está inserido. É fácil constatar que igrejas não amadurecem porque seus membros não estão fazendo os ajustes necessários: onde estão os que se sacrificam pela causa de Cristo? Onde estão aqueles que saem do comodismo para agir cortando na própria carne? Irmãos, não precisamos de heróis ou salvadores da pátria. Necessitamos de crentes que se sacrificam para uma vida de santidade e utilidade. Santidade é essencial, mas é impossível caminhar nesta direção sem sacrifícios espirituais.
Até que ponto nós estamos dispostos a sofrer as dores da santificação? A santificação dói porque envolve sacrifícios. As dores da santificação dão testemunho de que somos filhos de Deus. Não existe santificação sem direção, e direção requer disciplina no sacrifício de nosso orgulho e paixões centradas em nossos pretensos direitos. Muitas vezes somos ligeiros em identificar os sacrifícios espirituais que outras pessoas devem fazer, na nossa avaliação. Ignoramos que não é possível enxergar adequadamente com uma enorme trave em nossos olhos. Sacrifícios são necessários para o equilíbrio no Corpo de Cristo, e quando não há o potencial de dano torna-se evidente.
Uma forte evidência de sacrifício espiritual é quando não reivindicamos direitos diante de Deus e passamos a trilhar o caminho do arrependimento. O salmista proclamou: "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51:17). A essência da vida cristã passa necessariamente pelo arrependimento e não é possível arrependimento genuíno sem o sacrifício do nosso orgulho. É inviável queremos avançar em contrição sem que antes sacrifiquemos o que temos de mais precioso: os nossos direitos. Esta rebelde inclinação é uma afronta à cruz de Cristo, que nos mostra o preço que foi pago para que não vivamos mais para nós mesmos.