quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O amor reconciliador de Deus



Em cada final de ano, somos levados a pensar mais detidamente sobre a grandiosidade do nascimento de Cristo, revelado como a encarnação divina entre homens pecadores. A história do nascimento de Jesus, conforme apresentada nos Evangelhos, não é uma novidade para a maioria dos cristãos. Alguns podem relatar de memória os principais fatos sobre a manjedoura e os reis que vieram ofertar presentes ao Rei Jesus. Mas será que ainda somos impactados com a mensagem mais importante de toda a história? Será que a encarnação do Verbo nos constrange a adorar ao Rei, em tremor e santo temor?

A mensagem central do Natal diz respeito à reconciliação, Deus tomando a iniciativa de entrar no palco da história humana para resgatar o homem da sua triste condição, tendo como ápice a glória do Filho Unigênito: “e não apenas isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação” (Romanos 5.11).

A graça, a justiça e a verdade divinas encontraram-se no cenário da manjedoura em Belém, diante de José e Maria e alguns pastores que guardavam os rebanhos naquela noite de tão glorioso esplendor. Claramente, a essência da genuína alegria perpassa todo o cenário em que Cristo nasceu, pois naquele lugar humilde estava a demonstração visível do amor reconciliador de Deus, planejado e decretado deste os tempos eternos. A proclamação dos anjos exaltando o Rei que nasceu revela a grandiosidade e singularidade do momento tão esperado. Tão rica oferta de presentes dos reis do Oriente mostra que não era um simples bebê que estava deitado na manjedoura. Havia uma aura de temor e reverência em todo aquele cenário da gloriosa encarnação do Deus eterno.

Que o Natal seja uma lembrança sempre viva da reconciliação que Deus providenciou de modo plenamente gracioso. De forma prática, para exultar em Deus, devemos nos alegrar com o que vemos e conhecemos de Deus na pessoa de Jesus Cristo, conforme revelado nos Evangelhos. Não subestimemos a grandiosidade do que a manjedoura em Belém nos apresenta e não sejamos indiferentes diante do grande amor reconciliador que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade. Que vejamos sempre a glória do Rei que desceu do céu e homem se fez para ser o nosso Mediador.

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Adultério espiritual


Texto: Provérbios 6: 20-29

INTRODUÇÃO: 

“Infiéis (adúlteros), não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tg. 4:4).
A advertência do meio irmão do Senhor, feita no primeiro século da era cristã, continua em plena vigência, não houve revogação tácita ou expressa. Na vida com Deus não há espaço para neutralidade, não há como ficar em cima do muro, sem comprometer a fé ou os valores celestiais. Infiéis não é a melhor tradução da palavra “moichos”, que seria melhor traduzida por adúlteros.O adultério espiritual é qualquer tipo de comprometimento da fé e da piedade cristãs, em razão da perigosa aproximação e da identificação com este mundo caído. Cometer adultério é um pecado que traz consequências terríveis para um casal e sua família, trazendo dor moral e emocional, mas o adultério espiritual, cujas consequências são extremamente danosas, muitas vezes não é considerado na mesma proporção. A aliança que o Senhor fez conosco por meio do sangue de Cristo vertido na cruz, muitas vezes não é considerada no seu valor inestimável. O que fizemos com o compromisso de exclusividade assumido diante do Senhor? Quem nos persuadiu a negociarmos os valores bíblicos no altar da conveniência ou da popularidade? O que nos influencia a cedermos diante de propostas tão antagônicas aos princípios cristãos? Certamente esse diagnóstico é necessário e urgente. No fim das contas, o adultério espiritual é o homem voltado para si mesmo, curvado para si mesmo, ou seja, autoglorificação. O adultério espiritual representa nossa deslealdade em relação a Deus.
O profeta Jeremias também denunciou o patente adultério espiritual cometido pelo povo de Israel, sem rodeios: “Assim diz o Senhor: Que injustiça acharam vossos pais em mim, para de mim se afastarem, indo após a nulidade dos ídolos e se tornando nulos eles mesmos? (Jr. 2:5)
Nesta passagem bíblica, o sábio Salomão apresenta com maestria e nuances peculiares, como os insensatos caem na terrível armadilha do adultério. Ao advertir seu filho contra as ciladas da mulher adúltera Salomão antevê os perigos e riscos, tendo como objetivo preparar o seu filho para não enveredar neste caminho de insensatez. Percebe-se claramente a relevância das advertências feitas: “Filho meu, guarda o mandamento de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe; ata-os perpetuamente ao teu coração, pendura-os ao pescoço." (Pv. 6: 20,21). Guardar, não deixar, atar, pendurar, são verbos que denotam que o filho deveria adotar uma atitude proativa diante das armadilhas que surgirão no caminho.  Diz o ditado popular que um homem prevenido vale por dois. Esta também é a essência da ética presente no livro de Provérbios. De fato, a prudência revela-se em antever o mal de determinada conduta e trilhar o caminho da sabedoria. Diante dos perigos e riscos de cair numa espiral descendente, adotar métodos preventivos é sempre a melhor saída para o sábio. Em outras palavras, o que Salomão quer nos advertir neste texto é que não podemos brincar com o pecado em hipótese alguma, por isso a necessidade de conhecimento prévio que, uma vez aplicado, gera a verdadeira e pura sabedoria.
 Com relação ao processo de adultério espiritual, os gatilhos devem ser previamente conhecidos a fim de não serem acionados”  (palavra-chave: GATILHO)
Gatilho pode ser definido como uma espécie de mecanismo que dispara um processo ou várias reações em cadeia. O gatilho do revólver por exemplo é a peça que faz disparar a bala que está no pente ou no tambor. Metaforicamente, gatilho seria qualquer ato, evento ou circunstância que provoca uma série de outros acontecimentos, disparando uma alteração, uma reação ou um processo. Ao enfileirar vários dominós em sequência, o gatilho seria derrubar aquela primeira peça de dominó, que inevitavelmente fará com que todas as peças caiam em seguida. Ao preparar uma carga de explosivos para serem detonados, o gatilho seria acender o estopim. S.I: Com relação ao processo de adultério espiritual, que gatilhos devem ser previamente conhecidos a fim de não serem acionados?

1) As falácias que seduzem o velho homem (vs. 24)
Lisonjas no texto se refere literalmente a "palavras escorregadias, lisas", ditas de uma forma a despertar o interesse sensual/sexual através de uma conversa envolvente, repleta de elogios sagazes. Propostas e palavras sedutoras sempre foram o gatilho de muitas relações adúlteras. Uma antiga tradução deste verso diz assim: “para te preservarem da mulher perversa e da língua sedutora da estranha.” Neste contexto, lisonjas da mulher vil são palavras agradáveis que seduzem o ouvinte a desarmar-se totalmente, entregando-se pouco a pouco a uma aventura libertina. Há uma clara tentativa de aliciamento através do poder persuasivo das palavras. As sugestões e argumentações feitas pela mulher vil (falaciosas em sua essência) estão carregados de um poder sedutor mortal.  A mulher de Potifar usou desta estratégia para enredar José: “Falando ela a José todos os dias, e não lhe dando ele ouvidos, para se deitar com ela e estar com ela” (Gn 39:10). Do ponto de vista daquele que é tentado, as palavras da mulher são fluentes e agradáveis; do ponto de vista de Salomão (o pai-conselheiro), são perigosas e traiçoeiras. Salomão já tinha feito uma descrição bastante clara da mulher adúltera em Pv. 5:3: “porque os lábios da mulher adúltera destilam favos de mel, e as suas palavras são mais suaves do que o azeite.” As palavras que aparentam doçura e suavidade não passam de falácias que não se sustentam com o passar do tempo, revelando ao final verdadeiras armadilhas argumentativas para prender o homem insensato.
Na época do profeta Jeremias, os líderes do povo de Israel estavam querendo ir ao Egito em busca de apoio político e militar. Só que este plano não vinha do Senhor, não tinha o aval do Deus de Israel. Mas os líderes não estavam interessados em ouvir o que o Senhor tinha a lhes dizer, pelo contrário, cercaram-se de falsos profetas em busca de alguma falácia aprazível, alguma argumentação sedutora para os seus ouvidos carnais. “Porque povo rebelde é este, filhos mentirosos, filhos que não querem ouvir a lei do Senhor. Eles dizem aos videntes: Não tenhais visões; e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto; dizei-nos coisas aprazíveis, profetizai-nos ilusões” (Is. 30:9-10). O problema ainda permanece: a causa da apostasia que observamos hoje em dia são as falácias em nome de Deus. Utiliza-se a religião e a Bíblia para construção de argumentos falaciosos que seduzem os néscios, levando-os ao adultério espiritual.
Uma das principais habilidades que o músico deve ter é um ouvido treinado. São muitas pessoas que não entendem nada numa partitura musical, mas possuem uma enorme sensibilidade para tocar “de ouvido”. Essa sensibilidade pode ser desenvolvida com bastante treino e dedicação. Pegar o tom da música de ouvido e discernir quais acordes estão por trás da melodia é uma vantagem extrema. Semelhantemente, precisamos ter ouvidos espirituais treinados e sensíveis. Jesus disse: as minhas ovelhas ouvem (identificam o timbre) a minha voz. Esta habilidade de identificação da voz do Mestre é muito importante para não sermos persuadidos pelas vozes dissonantes que nos persuadem ao adultério espiritual. Para desenvolvermos essa sensibilidade de percepção da voz do Mestre é preciso diligência no estudo e meditação da Palavra de Deus. Assim diz o Senhor: “Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá” (Isaías 55:3).
Como um fator condicionado pela queda, o velho homem tem uma forte tendência de cair na armadilha das falácias. O termo falácia deriva do verbo latino fallere, que significa iludir. Designa-se por falácia um raciocínio ou argumento equivocado com aparência de verdadeiro. Na lógica e na retórica, uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de provar eficazmente o que alega. No contexto bíblico, falácia é toda argumentação que não encontra sustentação nas Escrituras, corretamente interpretada e aplicada.
Vivemos numa era dominada por falácias sedutoras. Além disso, não queremos ver expostas nossas misérias espirituais, por isso gostamos de acreditar em falácias a respeito da nossa real condição diante de Deus. Preferimos crer em falácias porque elas não nos tiram da zona de conforto. Uma falácia bastante comum: “não estamos mais debaixo da lei, estamos debaixo da graça”, dando margem para uma frouxidão moral nunca antes vista, insinuando que Deus rebaixou o seu padrão de pureza. O potencial lesivo é enorme: com o passar do tempo essa falácia nos torna indiferentes em relação a Deus. Outra falácia com enorme potencial lesivo é “Deus faz tudo para você não sofrer”. Essa falácia agrada aos ouvidos, mas estraga a alma. É contrária a vários versículos bíblicos, por exemplo: “Todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm. 8:28). Essa falácia acaba com a capacidade de alguém achar bênçãos no meio do caos. E assim, nasce uma relação espúria que não convém aos santos de Deus.
Para evitar que entremos neste processo de adultério espiritual, precisamos conhecer bem as falácias que nos seduzem: as filosofias, a lógica, os pensamentos, as palavras e conclusões humanas acerca do propósito da vida. Efésios 4:14: “para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.”

2) Os desejos que governam o velho homem (vs. 25)
A questão central da advertência salomônica é curta e direta: “Não deixes que a mulher vil te capture com os olhos, de modo a ser tentado a cobiçar a sua beleza.” As pinturas delineadas feitas ao redor dos olhos de mulheres imorais como essa do texto bíblico, tinham um forte caráter de vulgaridade e sensualidade. A mulher vil descrita por Salomão, que estende sua rede para apanhar uma vida preciosa, esbanja beleza e encanto. Seu corpo, sua aparência, seu olhar e suas vestes são atraentes. Por isso todo cuidado é pouco. Esta advertência de Salomão torna-se necessária em razão da concupiscência dos olhos que desperta desejos até então latentes. A admoestação pressupõe que, uma vez suscitado, o desejo maligno do homem o arrastará para o pecado e para a morte. O sábio tinha convicção de que um desejo malicioso, uma vez induzido pela beleza exterior desta mulher e despertado pelo estímulo visual, conseguiria facilmente governar o coração em direção ao adultério. Este desejo possui força suficiente para dirigir os propósitos e intenções dos incautos, por isso Salomão enfatiza a admoestação: não cobices, não deixes. Assim, deve ser montada uma estratégia prévia de defesa (um plano de contingência) contra os meios verbais e não-verbais de sedução. Todo pecado, mesmo aqueles que não possuem conteúdo sexual, começa pelo desejo e pela imaginação, conforme descrito Tg. 1:14-16: “cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte. ”
Ao exortar Caim, Deus falou exatamente sobre isso: “Se procederes bem [de acordo com a Lei do Senhor], não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal [pecando por obedecer ao desejo], eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo” (Gn 4.7). James Smith no livro “Você é o que você ama”, assim explica a questão: “O coração é como um dispositivo de desejo multifuncional   que em parte é um motor e em parte um localizador. Quando operamos sob o abrigo da nossa consciência - que seria nosso nosso piloto automático padrão - os anseios do coração tanto nos apontam a direção para um reino como nos impulsionam em direção a ele. Você é o que você ama porque você vive voltado para aquilo que você deseja”. Na antropologia bíblica, o coração controla o corpo, suas expressões faciais (Pv 15.13), sua língua (15.28; 12.23) e todos os seus outros membros (4.23-27; 6.18).
Não podemos desdenhar de nosso velho homem no quesito desejos, visto que ele sabe como ninguém o que de fato prende a nossa atenção e governa os nossos mais profundos afetos. Na Bíblia somos alertados continuamente sobre o perigo dos hábitos escravizadores que brotam dos desejos desordenados. O velho homem é insaciável quanto à satisfação dos maus desejos que estão em rota de colisão com a santificação requerida pelo Senhor. Como é de seu feitio, fará o possível para que os desejos carnais sejam mais e mais alimentados, gerando em nós fastio por aquilo que glorifica a Deus. Desta forma, a consciência fica cada vez mais cauterizada e os desejos desordenados passam a assumir o controle.
Há uma tríade de desejos que tem roubado a atenção do homem moderno e que permanece fazendo seus estragos: Dinheiro, sexo e poder. A devoção a estes ídolos continua sendo uma evidência do adultério espiritual. Paulo escrevendo ao jovem pastor Timóteo conclui: “Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores” (1 Tm. 6:10).
Os desejos do coração, quando não afinados com a vontade revelada de Deus nas Escrituras, causam enormes prejuízos. Por isso o salmista orou ao Senhor: “Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; dispõe-me o coração para só temer o teu nome” (Sl. 86:11). Para evidenciar que o seu coração só teme ao nome do Senhor, o cristão precisa desejar o que o Senhor aprova e rejeitar o que Deus desaprova.
É importante frisar que os nossos maus desejos não nos pegam de surpresa, até porque não existe o “de repente” na vida cristã. Todo pecado é cogitado na mente, alimentado pelos desejos desordenados que o velho homem aprecia, sendo impossível nascer sem que antes tenha sido concebido. Assim, o comportamento avarento de alguém apenas reflete o desejo alimentado no coração pela fútil segurança dos bens materiais. O comportamento perfeccionista de alguém apenas reflete o desejo de ser aprovado e reconhecido por todas as pessoas, o orgulho de estar acima da média em relação às demais pessoas. O comportamento irritado de alguém, sempre reagindo com raiva em relação aos outros, demonstra o desejo por manipulação e imposição da vontade própria. O comportamento ansioso de alguém reflete o desejo do coração por controle das circunstâncias e autonomia nesta vida.
Certamente todos lutamos contra desejos que rivalizam com a suprema autoridade de Cristo sobre nós. O problema é quando estes desejos já nos governam e moldam as nossas decisões e propósitos na vida. A música SE ELE NÃO FOR O PRIMEIRO (Arautos do Rei), descreve poeticamente esta realidade: No trono do viver, só existe lugar pra um; Lugar de quem governa todo o ser; No trono do viver só pode haver um Senhor; Se forem dois, um será amado e outro rejeitado; Você verá que em Jesus existe plena alegria; Mas lembre-se Ele não for o primeiro em seu coração; Então já não é mais nada, não passa de uma ilusão. Desta forma, é impossível haver contentamento genuíno com o que Deus tem nos agraciado, se Cristo não tem a primazia em nosso viver. O contentamento consiste não em acrescentar mais combustível, mas em diminuir o fogo; não em multiplicar a riqueza, mas em diminuir os desejos intrísecos. (Thomas Fuller)
Se não sentimos fome por Deus é porque certamente estamos comendo demais na mesa do mundo. Somos como as crianças que se entopem de doces, chocolate e salgadinho, e depois ficam enfastiadas na hora do almoço ou do jantar. Estamos preferindo as alfarrobas que o mundo tem a oferecer ao rico banquete na casa do Pai?
Como não ser governados pelos desejos que o velho homem tanto aprecia? A resposta desta pergunta passa pela cruz. Pela crucificação diária de nossas vontades, dobrando a nossa cerviz diante da autoridade do Senhor. Isto não se consegue de modo automático, é necessário bastante esforço nesta santa batalha, na qual vale a pena empenharmos suor e lágrimas. Os homens de Deus que mais frutos deram para o reino dos céus foram aqueles que subjugaram seus desejos e vontades, aqueles que fecharam a porta atrás de si. “Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria” (Colossenses 3:5). O texto continua falando sobre o despojar e o revestir: os desejos ilegítimos devem ser substituídos por desejos legítimos, que evidenciem a real transformação operada em nós por meio da graça de Deus e pelo poder santificador do Espírito Santo.

3) As expectativas que enganam o velho homem (vs. 27-29)
Tomar fogo no seio é uma expressão que denota uma atitude pouco sensata. O fogo deveria ser carregado com cuidado num fogareiro (Ex. 27.3; Lv. 10.1) ou num pedaço de cerâmica (cp. 25.22; Is. 30.14), não sob o peito. Esta atitude certamente não poderia acabar bem: as vestes pegariam fogo facilmente. Andar sobre brasas incandescentes também não é uma atitude de bom senso. A consequência inevitável seria ter os pés queimados pelo calor. As perguntas de Salomão são um convite à reflexão e exigem uma resposta negativa: “Tomará alguém fogo no seio, sem que as suas vestes se incendeiem? ” CLARO QUE NÃO! “Ou andará alguém sobre brasas, sem que se queimem os seus pés? ” CLARO QUE NÃO! A relação causa-consequência é lógica, não é possível outra conclusão. Mas na cabeça do insensato (seja homem ou mulher) que se entrega a uma relação adúltera, esta relação de causa e consequência não é bem evidente. Ele (a) se apega a uma série de expectativas que não incluem o insucesso, a roupa queimada ou as feridas nos pés. Na mente do homem insensato uma expectativa enganosa é criada para dar margem à sua própria rebeldia.  Os insensatos no livro de Provérbios são pessoas obstinadas que, fazendo ouvidos moucos para a sabedoria, deleitam-se em distorcer a realidade dos fatos com objetivo de saírem ilesos. O dano permanente, doloroso e potencialmente fatal resultante do comportamento insensato não é levado em conta. As expectativas criadas são enganosas e enganadoras, levando o néscio a pensar que nada irá malograr ou frustrar sua busca por “felicidade”. No entanto, ele é “como o boi que vai ao matadouro; ou como o cervo que corre para a rede” (Pv. 7: 22). Os fatos mostram que em busca de aventuras sexuais, muitas pessoas perderam tudo que tinham, inclusive suas famílias e suas melhores coisas na vida foram entregues a terceiros. Enquanto os desejos são voltados o momento presente (eu quero aqui e agora), as expectativas são voltadas para o futuro, o que nos reserva o amanhã.
O diabo é um embusteiro. Seus banquetes têm muitas taças transbordantes de prazer, mas ao fim são taças cheias de veneno. Ele é um mestre por excelência em realizar propagandas enganosas, que são um prato cheio para o velho homem. Esta é essência da propaganda enganosa: esperávamos uma coisa, porém recebemos outra. Dispõe o Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor: É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Ao criar expectativas nas pessoas sobre a qualidade e propriedades de determinado produto ou serviço anunciado, a empresa fornecedora deve atender aos requisitos previamente estabelecidos, sob pena de ter que trocar o produto, refazer o serviço ou devolver o dinheiro, além das indenizações por perdas e danos.
Por boca do profeta Jeremias, o Senhor declarou: “Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jr 2:13). O povo equivocou-se nas suas expectativas indo atrás de falsos deuses: as cisternas rotas não puderam lhe valer, não foram eficazes. O velho homem ainda continua alimentando falsas expectativas para saciar o vazio interior construindo cisternas rotas, que por conta das rachaduras nunca irão reter a água, isto é, nunca irão fornecer sentido e significado à vida.
O adultério espiritual (viver à parte do Senhor ou indiferente à Sua vontade) promete grande felicidade, cria no ser humano expectativas de uma história de realização e sucesso, mas nada disso é real, é apenas uma miragem que logo passará e revelará apenas dor e desamparo. Além disso, quando nos apartamos dos caminhos do Senhor e caímos na rota do adultério espiritual, grandes expectativas nos são apresentadas por nosso coração enganoso. Em busca de uma pretensa liberdade distante de Deus, vários castelos de areia são construídos, que ao final se mostrarão totalmente frágeis.
Precisamos estar bastante alertas: O diabo é um grande embusteiro, este mundo é uma fábrica de falsas promessas e o velho homem é expert em criar mecanismos de autoengano. Com esta tríade jogando contra nós, temos que ser proativos e fechar as brechas para expectativas enganosas, que enfatizam apenas a satisfação imediata, mas não revelam os prejuízos que estão por vir.
Que expectativas estão dominando nossa atenção para o dia de amanhã, diante de algum problema que temos a resolver? São expectativas realistas, prudentes e em sintonia com a vontade do Senhor? Nossas expectativas para o ano que vem em relação a algum plano que traçamos se afinam com os valores do céu? Ou são enganosas, baseadas numa visão distorcida da realidade e da nossa condição espiritual precária. Muitas vezes, nossas expectativas nos enganam por conta de nossa precariedade de alma, estamos cansados, tristes e sem alento. O caminho a trilhar é reconhecer que não somos heróis da nossa própria história, e que dependemos do auxílio divino para alegrar-nos nEle, confiando na revelação do Senhor a nós. A Palavra de Deus nunca nos venderá expectativas ilusórias, pois é digna de confiança, inerrante, infalível, autoritativa sobre as nossas vidas

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Declaração de persona non grata



Nas relações internacionais, não é raro um país efetivar a expulsão de diplomatas ou embaixadores que estão em seu território representando outras nações. Esta expulsão por vezes se dá por algum motivo político ou econômico, gerando enorme desconforto e prejudicando a relação entre os países envolvidos. Os diplomatas e embaixadores são considerados “persona non grata” e não podem mais permanecer no território do país que se sentiu aviltado em sua soberania estatal. Após a declaração de persona non grata devem imediatamente sair do país sob pena de incorrer em sanções ainda mais severas.
Ao longo da carreira cristã como embaixadores de Cristo neste mundo, em variados momentos nossas opiniões ou posições não serão aceitas. Partindo do princípio bíblico que o servo não é maior que o seu Senhor, certamente não seremos bem-vindos em muitos círculos se sustentarmos os valores morais e espirituais do cristianismo centrado nas Escrituras Sagradas. Nosso ponto de vista será considerado aviltante para aqueles que só enxergam a vida sob a ótica de suas concupiscências e desejos desordenados. A posição cristã sobre assuntos que geram desconforto certamente será rechaçada de pronto pelos ímpios e assim seremos considerados “persona non grata”, olhados com desprezo e constrangidos a nos retirar.
Essa é uma glória que devemos ansiar, porque o Senhor Jesus mesmo afirmou: “Ai de vós, quando o mundo vos louvar.” É sinal de profunda precariedade espiritual quando nossas vidas não condizem com a realidade bíblica e somos bem-vindos na roda dos escarnecedores, considerados com profunda estima por aqueles que rejeitam abertamente o senhorio de Cristo. Certamente há um grande vazamento no cristianismo no qual afirmamos crer. Seguir o discipulado que Cristo nos ensinou implica necessariamente ser perseguido ou rejeitado pelo mundo ímpio, não há escapatória. Não há como ficarmos seguros em cima do muro, sem tomar uma posição resoluta. Uma grande tragédia se anuncia em nossas vidas quando prezamos mais o louvor dos homens do que o temor reverente ao Senhor.
Portanto, não evitemos ser considerados “persona non grata” por causa de valores que sustentamos e por causa da fé que professamos em Cristo Jesus. Esta declaração a nosso respeito autentica que não estamos rumando junto com a maré deste mundo corrompido e rebelde. Sejamos bem-vistos aos olhos de Deus, isto é de fato o que importa.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Soluções fáceis


Geralmente gostamos de soluções fáceis para problemas complexos. Na maioria das situações, não estamos dispostos a ir além do convencional e buscar resolver os problemas atacando a raiz. Preferimos a superficialidade e a conveniência das soluções que têm como fundamento a razão humana, não a divina. Depender da orientação da Palavra e dobrar nosso orgulho diante de Cristo, nos custa muito caro. Esta é razão porque decidimos seguir métodos ou estratégias superficiais na resolução de conflitos que surgem ao longo da vida. 

Mas a resposta bíblica para solução de problemas não é de modo nenhum convencional. Ela ultrapassa a fronteira do simplismo e perscruta o mais profundo da alma humana. Quando Deus disse para Moisés que exterminasse os rebeldes que fizeram para si um bezerro de ouro, certamente não foi uma medida fácil de implementar. Mas era a única solução referendada pela Palavra do Senhor, não havia alternativa. Outro exemplo: quando Paulo percebeu que o apóstolo Pedro tinha adotado algumas atitudes incompatíveis com a fé cristã, entendeu a necessidade de uma exortação sem rodeios. “Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tornara repreensível”(Gálatas 2:11).

O imediatismo tem produzido uma grande tragédia no seio da igreja. Na busca por soluções rápidas para o alívio imediato de situações complicadas, os cristãos têm andado em círculos e os problemas alcançam proporções ainda maiores, tal qual uma bola de neve. Podemos ter certeza de que, quando as respostas divinas são negligenciadas, o resultado não será nada alentador. Faz-se urgentemente necessário, portanto, que saiamos da zona de conforto e comodidade das soluções fáceis para problemas que exigem muito mais do que uma conversa superficial e repleta de pensamentos humanos. Confiar nas soluções simplistas forjadas pela sabedoria do homem, em detrimento da orientação que procede da boca de Deus, não nos levará a bom termo. Definitivamente, não!

Fábrica de ídolos


“O coração humano é uma fábrica de ídolos”, escreveu Calvino. “Cada um de nós é, desde o ventre materno, perito em inventar ídolos”. De fato, diariamente enfrentamos tentações para criar ídolos, nos quais depositamos nossa esperança. Esta esperança e confiança, em qualquer outra coisa, que não Deus, é a essência da idolatria. Ken Sandle escreve: “Em termos bíblicos, um ídolo é alguma outra coisa, que não Deus, na qual empregamos nosso coração (Lc.12:29, 1 Co. 10:6), que nos motiva (1 Co. 4:5), que nos controla ou governa (Sl. 119:133), ou a qual servimos (Mt. 6:24)”. Como Richard Keyes salienta, a idolatria é extremamente sutil e penetrante: “Toda sorte de coisas são ídolos em potencial, dependendo somente, das nossas atitudes e ações concernentes a elas. Idolatria pode não envolver negações explícitas da existência de Deus ou de Seu caráter. Ela pode vir também, na forma de um afeto excessivo a algo que é, em si mesmo, perfeitamente lícito. Um ídolo pode ser um objeto físico, uma propriedade, uma pessoa, uma atividade, uma posição, uma instituição, uma esperança, uma imagem, uma ideia, um prazer, um herói, qualquer coisa que possa substituir Deus”.
Nas Escrituras, observamos que os postes-ídolos que serviam para adoração pagã deviam ser derrubados. Os ídolos de todos os matizes que roubam a devoção de nossa mente, também precisam ser postos abaixo, pelo poder santificador da Palavra de Deus mediante o Espírito Santo. Não há verdadeira alegria e honestidade no culto prestado ao Senhor enquanto alimentarmos a devoção a ídolos no coração, nutridos por desejos desordenados e por pensamentos contrários à submissão a Cristo.
Se estamos dispostos a pecar contra o Senhor para conseguir algo, se pecamos para preservar isto ou se ficamos desapontados com a vida e com Deus se perdermos este objeto de afeição, indubitavelmente estamos diante de um ídolo. Quando um desejo, mesmo por algo não naturalmente mal em si mesmo, se torna um ídolo? Como posso determinar se eu quero alguma coisa exageradamente? Não é difícil de saber. Se esta coisa me é negada, o que acontece no meu coração? Continuarei, resolutamente, a procurar conformidade com Cristo ou me cercarei de autopiedade, amargura, malevolência ou queixumes (os quais, no fim das contas, são direcionados a Deus)?
A resposta sincera a estas questões apontará a qualidade da devoção que tanto professamos em cânticos congregacionais ou até proferimos em nossas orações particulares. Deus nos ordenou nas Escrituras a confiar somente nEle, o Único Soberano, como fonte suprema da realização de todas as coisas. Fora desse propósito continuaremos andando em círculos, sem avanços efetivos na corrida cristã e devotados a ídolos vãos e inúteis. Observemos atentamente o imperativo bíblico, na primeira epístola de João: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos”!


quarta-feira, 18 de julho de 2018

GASTE BEM SUA ENERGIA



Grande parte da nossa energia é mal direcionada. A maioria dos nossos esforços muitas vezes são pautados por agendas egoístas e centralizadas em planos terrenos. Definitivamente, aquilo que mais nós valorizamos é o que mais ocupa as nossas mentes. Nas palavras de G.K. Beale, somos governados por aquilo que adoramos. Foi por isso que Jesus advertiu os seus discípulos: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração.” Definir qual é de fato o nosso tesouro não se trata de uma decisão de importância secundária, pelo contrário, é a decisão mais importante que se coloca diante de nós enquanto peregrinamos por este mundo hostil a Deus.
A proposta do evangelho de Cristo não é que adotemos um estilo de vida ascético, apartado de tudo, de todos e da realidade a nossa volta. Mas é fundamental que tenhamos como foco o chamado para o verdadeiro discipulado, que implica necessariamente numa mudança radical em nossas agendas. Os esforços de todo cristão devem estar alinhados com os propósitos estabelecidos nas Escrituras, em cujas páginas irá obter as instruções para não desperdiçar sua vida correndo atrás do vento. Certamente que a energia bem direcionada será aquela que busca o reino de Deus e a Sua justiça como pontos de partida para todas as decisões e metas.
A vida abundante que o Evangelho de Cristo propõe não está ligada a uma conta bancária com altos investimentos, nem muito menos a uma bela casa de frente para a praia ou a posses materiais que causam uma aparente sensação de segurança. A abundância que Cristo prometeu está relacionada com realização e satisfação profundas no coração, quando este se encontra rendido à vontade revelada por Deus na Sua Palavra.
Pedro, logo após a ressurreição de Cristo, tomou uma resolução: “Vou pescar”. Esta decisão de Pedro está cheia de emoção e possui uma carga considerável de frustração. Toda a energia que foi empreendida na causa de Cristo parece que não tinha valido a pena. Mas não era essa a realidade. O Senhor Jesus apareceu naquela praia e confortou os discípulos, mostrando que permanece no controle de todas as coisas, inclusive quanto à provisão diária para as necessidades dos seus servos. Pedro, assim como nós, deveria entender que as suas energias deveriam estar espiritualmente concentradas em propósitos maiores e melhores do que a visão humana consegue perceber. Agindo assim, também seremos muito mais úteis à causa de Cristo, sem tanto esforço que não nos levará a lugar nenhum.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

UMA FÉ SEDENTÁRIA



O sedentarismo é um estilo de vida perigoso que passou a ser moda no século XXI. Este estilo de vida, de pouca ou nenhuma atividade física, geralmente acarreta diferentes problemas de saúde para o corpo. Muito vinculado à obesidade e a doenças cardiovasculares, é considerado um dos grandes males da era contemporânea, que atinge pessoas em diferentes faixas etárias.

Se os prejuízos advindos do sedentarismo são graves para o corpo, o que dizer quando a fé se torna sedentária? Partindo desta analogia, a fé sedentária pode ser definida como aquele tipo de fé que não é exercitada, que não gera obras dignas do verdadeiro arrependimento. A fé sedentária é aquela que se contenta em ouvir bons sermões ou fazer leituras esporádicas da Bíblia, sem ir além da letra. A fé sedentária resume-se meramente ao uso do intelecto; não se dispõe a arregaçar as mangas em prol do reino do Senhor ou suar a camisa por ações nobres e salutares para o corpo de Cristo. A fé sedentária é cheia de indiferença e falsas percepções acerca do cristianismo: não se importa com o próximo, para não ter nenhum trabalho a fazer. Em suma, a fé sedentária é a causa de inúmeros problemas no seio da igreja.

O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo,  incentiva-o a exercitar-se pessoalmente na piedade. E complementa: “pois o exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo é proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da que há de ser” (1 Tim. 4:8). Exercitar-se na piedade é tirar a fé do sedentarismo, é mover-se em direção aos propósitos estabelecidos por Deus em Sua Palavra, é sair da zona de conforto tão agradável ao nosso velho homem e não se deixar corromper pela corrupção que há no mundo.

Claramente se percebe que a fé sedentária resulta de um entendimento equivocado do próprio Evangelho. A obra salvadora efetuada por Cristo vai muito além de nos garantir um descanso eterno nos céus. A graça de Deus nos capacita a viver livres do sedentarismo espiritual que tantos prejuízos tem trazido ao corpo de Cristo. Portanto, coloquemos a nossa fé em ação, sempre guiados pela orientação das Escrituras, e que nossas almas sejam fortalecidas pelo exercício constante na piedade visando sempre a glória do Senhor.

terça-feira, 26 de junho de 2018

Medita neste livro



“Não se aparte da tua boca o livro desta Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque, então, farás prosperar o teu caminho e, então, prudentemente te conduzirás”(Josué 1:8).


Para muitos a Bíblia é considerada um livro qualquer, e quando seu valor é reconhecido, no melhor dos casos, ela é classificada no mesmo nível que obras humanas de literatura e filosofia. Contudo, na Bíblia há múltiplas declarações especiais desde suas primeiras linhas. Ela enumera com autoridade e exatidão as ações criadoras do Deus único, soberano, infinitamente poderoso e maravilhosamente grande. Sim, é um livro especial e muito mais que isso: é único porque mostra o que está no coração do homem.

Existe algo na Bíblia que não existe em nenhum outro livro: a história inigualável do Deus que criou tudo, e que um dia veio ao mundo na pessoa de Jesus Cristo para manifestar Seu amor de forma extraordinária. “Jesus andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (Atos 10:38). Os que O escutavam “se maravilhavam das palavras de graça que saíam da sua boca” (Lucas 4:22).

Alguém já disse que a Bíblia é um livro que nos lê. Certamente somos sondados pelas verdades que fluem das páginas deste livro bendito, somos confrontados pelos ensinos de cada narrativa, poesia ou epístola, e somos moldados pelo mesmo Espírito Santo que outrora inspirou cada palavra das Escrituras. Sem dúvida, o genuíno suprimento para o vigor espiritual de todo cristão encontra-se na meditação constante e profunda no livro de Deus. Crescimento na Palavra e vitalidade no estudo pessoal da Bíblia trarão maior produtividade na vida do crente, e os frutos serão de grande utilidade para a igreja do Senhor.

Não diga que a Bíblia é um livro qualquer, nem mesmo um livro especial. Mas também não viva indiferente às Escrituras, sem dar a devida importância ao que Deus nos revelou mediante a Sua Santa Palavra.  Dedique-se a ler, ouvir e experimentar o que o Senhor reservou para aqueles que O amam (1 Coríntios 2:9) nas páginas deste livro profundamente transformador.

Olhos desvendados


“Desvenda os meus olhos, para que veja as maravilhas da tua lei”(Salmo 119:18).

Sempre deveríamos orar assim quando abríssemos a Palavra de Deus. À “Lei” e aos “profetas” que formam o Antigo Testamento foram acrescentados os evangelhos e as epístolas do Novo Testamento, completando dessa maneira as maravilhas da revelação divina. Contudo, tais maravilhas seriam desconhecidas se o próprio Deus não abrisse os nossos olhos.

“Desvenda meus olhos.” A inteligência humana pode ver na Bíblia um livro notável. Muitas pessoas demonstram grande interesse nos livros históricos, nos elevados pensamentos das partes poéticas e morais, e na beleza sublime das histórias da vida de Jesus e no poder de argumentação do apóstolo Paulo. Mas se conformar com isso não seria útil. Os olhos abertos são os olhos da fé, que descobrem as maravilhas divinas. Não devemos nos aproximar da Bíblia em busca de informação, mas sobretudo de transformação. Nunca nos esqueçamos de que é o próprio Deus que se comunica por meio da Sua Palavra inspirada, nos mostrando as arestas que precisam ser aparadas em nosso viver, e a sujeira escondida em nossos corações que deve ser de pronto repelida.

A Bíblia não é somente um documento sobre o homem, um espelho da humanidade mais expressivo que qualquer outra obra literária, mas é a expressão do Deus vivo que Se revela. Ela nos comunica Seus pensamentos acerca do homem, criatura privilegiada que se perdeu, afastando-se de Deus. Fala sobre o maravilhoso projeto divino de Se relacionar conosco, desejo que O levou a enviar Seu próprio Filho, Jesus Cristo, para nos salvar morrendo na cruz. Pela Bíblia, Deus nos revela coisas sobre Si mesmo que a criação não pode nos dar a conhecer.

Portanto, não sejamos indolentes diante das Escrituras. Que sempre tenhamos corações férteis para receber a Palavra de modo a produzir frutos abundantes para honra e glória do Senhor. E que a nossa oração seja a mesma do salmista, para que as verdades bíblicas sejam evidentes no estudo e meditação pessoal da Bíblia.

A tática satânica


É por demais relevante observamos que o primeiro Adão e o segundo Adão (Cristo) foram tentados de forma similar, tendo como base algumas sutis distorções da Palavra de Deus. O Senhor tinha dito algo, porém Satanás utilizou ardilosamente subterfúgios para adulterar a mensagem divina, buscando iludir tanto a Adão, no jardim do Éden, como ao próprio Jesus, no deserto abrasador da Judéia.

A retórica satânica continua a mesma, seu método ainda é a adulteração dos padrões revelados nas Escrituras. A tática traiçoeira de relativização do que Deus disse na Sua Palavra ainda está sendo usada com força total. Portanto, o cristão não pode baixar a guarda em momento algum, sob pena de naufragar em sua vida, e colher prejuízos imensos para a sua fé.

Precisamos de mentes treinadas na verdade bíblica para que o inimigo de nossas almas não nos enrede em armadilhas com falácias “teologicamente” elaboradas, mas que estão carregadas de veneno mortífero. Sabedoria e discernimento não nos chegam por osmose, é necessário esforço e suor na meditação nas Escrituras. Nenhum avanço na percepção das verdades bíblicas virá a nós de modo automático, se reservarmos apenas os sermões pastorais para nos alimentar. Imprescindível se torna a busca pessoal pelo alimento bíblico que fortalece as nossas almas contra as ciladas de Satanás e nos nutre para as batalhas diárias.

Certamente haverá em nossas vidas vários momentos de teste que avaliarão a robustez da nossa crença. Estaremos prontos para refutar com autoridade (vinda das Escrituras) os nossos opositores? Estaremos prontos para responder com base no “está escrito” que provém da revelação bíblica? Se não estivermos prontos ou se vacilarmos nestes momentos cruciais, perderemos uma grande oportunidade de testemunhar com eficácia sobre a verdade da Palavra de Deus. E isto atestará o fato que demos pouca ou nenhuma importância à voz divina proveniente das Escrituras. Que sejamos fortalecidos no Senhor e na força do Seu poder mediante a Sua Palavra, por toda a nossa jornada de fé.

Vitória real e efetiva


Muito se fala de vitória hoje em dia. Em época de jogos de copa do mundo, a vitória do time preferido é aguardada e será bastante comemorada, mesmo que com base numa alegria passageira e superficial. É comum ver pessoas dizendo que estão vivendo em plena vitória, e que suas conquistas materiais mostram que são pessoas vitoriosas. Outros se mostram dispostos a buscar vários tipos de vitória: vitória financeira, vitória amorosa, vitória profissional, vitória empresarial ou até mesmo vitória política. Mas será se existe respaldo bíblico para a percepção que temos sobre o que é vitória? O que a Bíblia fala sobre vitória?
“Todo aquele que é nascido de Deus vence o mundo e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.” (I João 5:4)
Para o cristão, aquele que foi regenerado verdadeiramente por Cristo, vitória é não se deixar corromper pelos valores desse mundo ímpio. Vitória é não se deixar iludir pelas propostas de sucesso e felicidade que são populares neste século. Vida cristã vitoriosa é aquela que faz clara oposição aos inimigos da cruz de Cristo, é aquela que mostra um reflexo do zelo por aquilo que Deus diz na Sua Palavra e demonstra uma fé viva e jubilosa. A vitória que devemos evidenciar, como crentes, é este tipo de fé, que resplandece o conhecimento que temos de Deus e da salvação que nos alcançou por meio da graça.
Portanto, é simples diagnosticar se você está vivendo em vitória. O teste é este: o mundo, com suas paixões e concupiscências, corrompido e morto em delitos e pecados, tem grande influência sobre a sua vida, a ponto de você abrir concessões e permitir que o pecado encontre guarida em seu coração? Nada denuncia mais a nossa real condição de vitoriosos do que a rejeição que temos àquilo que é contrário ao que Deus ordena nas Escrituras. E nada denuncia mais a nossa condição de derrotados do que a afeição que temos ao que Deus abomina.
Em cada aspecto da vida podemos realizar esse teste e concluir qual a real condição da nossa alma perante o Senhor, seja de vitoriosos ou de derrotados. Quando o mundo e a nossa carnalidade imperam e têm a primazia, é sinal que estamos vivendo em derrota. Mas quando, pela graça divina e pelo poder do Espírito Santo, nos comprometemos a lutar e empreendemos verdadeira oposição ao mundo pecador, contra tudo aquilo que é antagônico a Deus, é sinal que a vitória é uma realidade para nós. Em Cristo podemos ser verdadeiramente vitoriosos, espalhando o bom perfume do Senhor por onde passarmos: “Graças, porém a Deus que, em Cristo, que sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. ” (1 Cor. 2:14).
Como diz a letra do hino CC 473 do Cantor Cristão: Sim, a luta do bem é suprema / Quando, sob o comando de Deus / A vitória é completa e segura / Porque temos a ajuda dos céus.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Medos infundados


“Pessoas esmorecidas podem encontrar motivos para ter medo onde eles não existem. Certas pessoas são habilidosas na pesarosa capacidade de inventar problemas. Se o Senhor não as mandou nenhuma provação, elas criam uma para si mesmas. Elas têm uma pequena fábrica de problemas em casa, e elas sentam e usam sua imaginação para meditar no pior. Elas tecem um saco e juntam cinzas.” (Charles Spurgeon)

É impressionante a capacidade que alguns têm de agarrar-se aos temores e receios do coração. E este não é um fato que se observa apenas nas pessoas que não professam a fé em Cristo. Há muitos cristãos que estão presos na armadilha dos temores infundados e não conseguem se desvencilhar deles, mesmo contando com a graça suficiente que há na pessoa bendita de Jesus Cristo e na obra de salvação do Calvário. Para esses, o futuro é sempre ameaçador, o passado é uma coletânea de tristezas e o presente é uma existência sem sabor.

O salmista Davi sabia que podia contar com a presença do supremo Pastor mesmo que estivesse passando pelo vale da sombra da morte. No salmo 23, ele expressa toda a Sua confiança no Pastor Supremo, que o fazia descansar sem ignorar os perigos. Assim ele testemunhava da graça e bondade do Senhor que o seguiam continuamente. O apóstolo Paulo enfrentou situações que testaram sua fé ao limite da exaustão, com temores por fora e terrores por dentro. Mas é notório que o apóstolo não se deixava dominar ou se abater diante das duras provações que ele tinha em seu ministério. Sua fé e alegria transbordam nas cartas que ele escreveu às igrejas de Filipos e Éfeso.

Certamente precisamos fazer calar dentro de nós os temores do velho homem, que insiste em não confiar plenamente em Deus como ajudador fiel. A fé que nos foi dada por meio de Cristo Jesus é o fator de sustentação de nossa estrutura espiritual. Em cada desafio que desperta os receios infundados do coração, é necessário que tenhamos uma resiliência própria dos que perseveram nas duras provas.

Podemos crer na provisão divina que nunca nos deixará sozinhos ou reféns do medo. O que o amanhã nos reserva, o Senhor já sabe; como iremos passar por uma dificuldade, o Senhor já sabe; qual será o resultado de uma luta espiritual que estamos travando, o Senhor também já sabe; nada há que fuja um segundo sequer da atenção e cuidado específicos do Senhor por nossas vidas. Então, cabe a nós uma análise acurada dos temores da nossa alma, feita à luz das Escrituras, com o auxílio do Espírito Santo que sonda e esquadrinha o mais profundo do nosso ser.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Para derrubar árvores

Certo dia, havia um lenhador que conseguiu derrubar 70 árvores. O recorde do seu grupo era de 72 árvores.

Ou seja, ele chegou muito perto de quebrar o recorde e decidiu que queria alcançar essa marca e entrar para a história.

Sendo assim, no dia seguinte ele acordou mais cedo e trabalhou duro. Mas no final só conseguiu cortar 68 árvores.

Ele não desistiu. Tentou mais um dia, acordando ainda mais cedo, esforçando-se ainda mais, mal parou para almoçar e ao final do dia só conseguiu cortar 60 árvores.

O lenhador ficou desolado e totalmente desestimulado.

Foi então que um velho companheiro de trabalho, muito experiente, chegou ao seu lado e ouvindo o desabafo do jovem, perguntou:

"Rapaz, quanto tempo você separou para afiar o machado?"


Moral da história:
Precisamos nos concentrar na preparação antes de partir para a ação. A efetividade e eficácia de nossas ações só serão reais quando a preparação for bem feita. Sem "afiar o machado" é impossível cortar mais árvores. 


Biblicamente, devemos ouvir o que diz o Senhor Jesus:
"Porquanto, qual de vós, desejando construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o custo do empreendimento, e avalia se tem os recursos necessários para edificá-la? Para não acontecer que, havendo providenciado os alicerces, mas não podendo concluir a obra, todas as pessoas que a contemplarem inacabada zombem dele, proclamando: ‘Este homem começou grande construção, mas não foi capaz de terminá-la!"
(Lucas 14:28-30)

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Empecilhos para a jornada da fé

Texto: Hebreus 11: 24-26

O escritor da carta aos hebreus no capítulo 11 nos relembra diversas histórias de personagens do Antigo Testamento, que exerceram sua fé de modo objetivo mesmo diante dos desafios e empecilhos que tiveram em suas vidas. Foram diversos os obstáculos na jornada de Abraão, Jacó, Josué e tantos outros.
Todos nós lidamos com empecilhos diversos que atrapalham a nossa carreira cristã. O escritor aos hebreus também nos lembra a necessidade de “desembaraçar-nos de todo peso do pecado que tenazmente nos assedia”. Se não fizermos isso, a corrida será um fracasso absoluto. Outro empecilho é a nossa agenda superlotada com nossos projetos pessoais, e em muitos casos antagônicos ao propósito de Deus.

"Com sua decisão de abandonar a corte egípcia, o patriarca Moisés suplantou alguns empecilhos para a jornada da fé."
Com sua decisão de abandonar a corte egípcia, quais EMPECILHOS para a jornada da fé o patriarca Moisés suplantou, e que nós devemos também suplantar ainda hoje?

1) O anseio humano por prestígio e poder
"recusou ser chamado filho da filha de Faraó"
Importante destacar que a sociedade egípcia estava dividida em classes sociais rígidas: o faraó, obviamente, ficava no topo; logo abaixo vinham os nobres (originários da família do Faraó); em seguida os funcionários palacianos (sacerdotes, escribas e oficiais militares); depois vinham os soldados, mercadores, artesãos, operários e camponeses; e por fim os escravos, que eram conquistados em guerras ou ficavam naquela posição por não terem como pagar os impostos.
Mas o patriarca Moisés não se deixou iludir pelo status junto à corte egípcia, em ser membro da nobreza ou ter assento junto à mesa com os poderosos do Egito. O tempo do verbo recusou, no original, indica um ato específico de escolha. O patriarca conhecia bem sua origem, seu próprio nome lhe indicava isto: “tirado do rio”. Ele sabia que a sua preservação foi obra do Deus de seus pais. Foi criado como filho pela filha de Faraó, mas quando cresceu não ficou refém do prestígio social que teria na corte do Egito. O prestígio da posição de príncipe no Egito não lhe era em nada atrativo, em razão de propósitos muito maiores que ele enxergava para a sua vida. Ele decidiu renunciar a toda glória terrestre e ao poder humano que estava ao seu dispor.
Ilustração: o anseio por poder, honra, glória e prestígio fez o jovem Absalão ambicionar o trono ocupado por seu pai, o rei Davi (2 Samuel 15). Depois de conquistar a confiança do povo, tomou a decisão de sustar o trono e estabelecer o seu reinado. Sua atitude ensandecida fez perecer 20.000 soldados numa batalha e por fim foi morto. A tragédia que se abateu sob Absalão foi grande, pois o trono não lhe pertencia, não era propósito de Deus para a vida dele.
O poder não é intrinsecamente negativo. Deus concede poder e autoridade a certos homens para que cumpram um papel específico. Por si só, o poder não é bom nem mau, mas recebe o seu significado a partir das decisões e atitudes daquele que o usa. O grande problema é quando posições de autoridade geram cobiça em nosso coração, e nos fazem perder as qualidades de servo. Como o pecado corrompeu todas as coisas, o exercício do poder também foi radicalmente afetado em todos os sentidos.
É bastante comum ver pessoas se apegando ao prestígio social que possuem, de modo a viver com a fé totalmente estagnada. O anseio por posições e status tem feito muitos naufragarem na fé e mergulharem numa profunda apatia com relação aos empreendimentos no reino de Deus.  junto aos poderosos deste mundo raramente é acompanhado de uma fé robusta e de atitudes que fazem oposição ao padrão dominante. Geralmente, o prestígio social só é mantido por conta de concessões pecaminosas, negociatas e fraudes que são antagônicas à fé cristã. Este ardente anelo de gozar de prestígio nesta sociedade corrompida pelo mal, mostra que o nosso coração não está plenamente satisfeito com a pessoa de Cristo.
As pessoas querem prestígio para serem bajuladas e desejam poder para serem mestres do próprio destino. Mas o que é elevado entre os homens é abominável aos olhos de Deus. O louvor que é dirigido aos poderosos e influentes deste mundo corrupto nada tem de excelente aos olhos de Deus. Precisamos diagnosticar se nossos maiores esforços têm sido direcionados para alcançar posições de poder, em detrimento da solidez da fé em Cristo.
O maior prestígio que o crente deve almejar é ser um autêntico servo (doulos) de Cristo) e a posição mais honrosa é estar rendido ao pé da cruz. Enquanto os discípulos vinham discutindo sobre quem seria o maior entre eles, Jesus dá um exemplo de serviço e lava os pés de cada um, inclusive daquele que em poucos momentos o trairia. Não busquemos a honra dos primeiros lugares, querendo ter a primazia em tudo. Estabeleçamos um nobre propósito pra nossas vidas: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo” (Fp. 2:3). Vamos descer de nossos pedestais e reconhecer que grande só há o Senhor que nos remiu e nos reclama pra Si.

2) O anseio humano por conforto e segurança
"preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus"
"considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito"
A opulência do Egito era bem conhecida no mundo antigo, em especial o conforto e a segurança que tinha o faraó e os nobres do palácio. O luxo da família do faraó era sustentado pelo camponês que, todo ano, era obrigado a repassar o excedente da produção ao faraó. Era essa riqueza que financiava a vida opulenta desses reis, de sua família e dos funcionários do palácio. O conforto e as regalias do palácio de Faraó ainda hoje surpreendem os estudiosos do antigo Egito. Moisés certamente tinha desfrutado desta vida confortável e segura junto à corte egípcia. O conforto vinha da opulência que os palácios do Egito apresentavam, de acordo com as descobertas arqueológicas. A segurança material estava atrelada à parte dos tesouros de que ele se tornaria herdeiro se permanecesse como membro da corte.
Mesmo diante de todos os atrativos, Moisés decidiu aliar-se aos oprimidos israelitas e dizer adeus ao futuro de riqueza, tranquilidade, comodidades e domínio real. Sobre isso o comentarista Moffat escreve: “A coragem de abandonar o conforto com o qual está acostumado e de aceitar com ânimo a ação como vontade de Deus, é de uma índole muito estranha e elevada; só pode ser criada e sustentada por maior visão espiritual”. Moisés aspirou uma segurança muito mais valiosa do que os tesouros materiais poderiam lhe proporcionar. Ele saiu de uma zona de conforto para enfrentar as duras provas junto com o seu povo escravizado no Egito preferindo ser maltratado.
Todos nós ansiamos por uma vida confortável, sem maiores percalços. Um verso de uma canção popular brasileira afirma: “É proibido sofrer, não vale a pena a viagem, é muito cara a passagem” (Leoni). Será se não vale a pena passar por maus-tratos e dificuldades quando o foco é a obediência a Cristo?
Ilustração: Um pensamento anônimo diz que: “O conforto chega como um convidado, demora-se até se tornar um hóspede e permanece para escravizar-nos.” E o pastor Samuel Rutherford escreveu: “Não construa seu ninho em nenhuma árvore aqui, pois o Senhor da floresta condenou todas elas à destruição.” Quando estamos acostumados aos confortos deste mundo, os resultados para a fé são desastrosos. Não podemos achar que a segurança verdadeira está numa conta bancária, ou num plano de previdência que vai garantir o nosso futuro. Quem somos nós para presumir que amanhã estaremos vivos? A vida autêntica de fé implica que o conforto/segurança desta vida presente não nos prende e não nos deixa apáticos em relação ao reino de Cristo.
Em Lucas 12: 16-21, lemos sobre um homem que confiou em seus tesouros, e colocou neles sua esperança. “Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos, descansa, come, bebe, regala-re.” Qual foi o veredito divino? Louco! Por conta de nossa natureza que anseia por conforto e segurança neste mundo, precisamos ser lembrados constantemente sobre a natureza transitória dos recursos deste mundo que nos vendem a sensação de conforto e segurança. É muito perigoso quando o nosso coração descansa e se regala nos ídolos que oferecem conforto e segurança, entre eles Mamom. O apego excessivo aos bens materiais vem acompanhado de um esfriamento espiritual e revela o que nós consideramos mais precioso. Na busca desenfreada por uma vida mais confortável esquecemos facilmente o Doador e passamos a idolatrar as benesses conseguidas. A fé neste contexto será pouco a pouco sufocada, e não haverá frutos para a glória do Senhor. A autopreservação tem sugado nosso vigor espiritual, pois que quiser preservar a sua vida , perdê-la-á, mas quer quiser perder a vida por causa de Cristo, acha-la-á. Santo e bendito paradoxo!


3) O anseio humano por satisfação e autogratificação
"a usufruir prazeres transitórios do pecado"
É inato ao homem pós-queda a busca insana por autogratificação. E geralmente está autogratificação está associada com prazeres e pecados que envolvem satisfações perniciosas. A terrível tríade apresentada por João em sua primeira carta descreve bem o que era o Egito: um ambiente inóspito, dominado pela concupiscência da carne, pela concupiscência dos olhos e pela soberba da vida. Permanecer na corte de Faraó significaria gozar dos prazeres variados da carne, isto é, a gratificação dos sentidos, mas só por algum tempo. Eram comuns os banquetes regados a muito vinho, danças e orgias sexuais no palácio do faraó. Sem falar das práticas de zoofilia registradas por historiadores como Heródoto. A prática de prostituição nos templos à deusa da fertilidade Ísis era rotineira, com muita lascívia e frouxidão moral. No entanto Moisés entendeu algo que muitos de nós não damos a devida atenção: o máximo que o pecado pode fornecer é o prazer temporário, mas os prejuízos causados na alma não têm igual caráter temporário. A ênfase do pecado aqui apresentado resume-se numa troca do que é permanente pelo que é transitório.
Ilustração: É só um prato de lentilhas. Mas foi por um prato de lentilhas (uma satisfação momentânea) que Esaú vendeu o seu direito de primogenitura em Gn. 25: 29-34. A expressão “dê-me um pouco desse ensopado vermelho aí. Estou faminto!”, indica no hebraico aqui um pedido apressado e impulsivo de alguém que vive para o momento, para o aqui e agora. Raramente paramos pra pensar que realizar ou satisfazer nossos aimorés desejos seja a pior coisa que pode nos acontecer.
No seu livro A mortificação do pecado, o puritano John Owen escreve um tratado sobre esta questão sensível. Ele escreve: “A fé e o prazer pecaminoso definitivamente não caminham juntos. A causa principal para o esfriamento espiritual são os pecados acariciados que estão escondidos no sótão do coração”. Para Owen, a mortificação do pecado não é apenas um chamado à luta, mas também um chamado ao deleite. De acordo com Owen o vigor espiritual depende muito de mortificarmos o pecado em nós. Owen realçou a contradição prática de estar unido com Cristo e negligenciar a mortificação de pecados. Em grande parte dos casos, a apatia que tomou conta de muitos crentes professos é resultado de concessões aos prazeres deste mundo, em busca de satisfações perniciosas que iludem e escravizam. Eis um grande empecilho ao empreendimento de uma jornada de fé.
Cada vez mais este mundo caminha para maior desordem moral. Vivemos dias em que a libertinagem está sendo naturalizada, e os valores minimamente nobres e morais têm sido considerados fora de moda. Como diz o velho hino: “ruge forte, contundente, a guerra do pecado”. A sociedade hedonista (amante dos prazeres) em que estamos inseridos despreza o bom senso da moral judaico-cristã. Temos observado que a apelação sexual nos programas de televisão e em músicas tem atingido níveis animalescos, o que favorece todo tipo de promiscuidade e imoralidade. O pecado é vendido em seriados da Netflix com a maior naturalidade, e o espanto ou reprovação que causaria há poucos anos atrás já não faz sentido. Hoje em dia, palavras chulas que denotam alguma insinuação imoral já não causam maiores constrangimentos.
Um dos grandes equívocos é elevar os desejos de satisfação carnal à categoria de necessidades. Aqueles que se equivocam nisso caem grande cilada e ruína espiritual, sucumbindo a todo o catálogo de idolatrias que, somente temporariamente, enchem o vazio antes preenchido pela alegria no Senhor. É imprescindível fecharmos as brechas e não abrirmos concessões. Quais as brechas que você percebe em sua vida que o levam a distanciar-se do deleite em Deus? Quais as concessões que você tem feito em benefício de um prazer temporário? Neste mundo pervertido precisamos vencer a barreira da imoralidade, dar um basta naquilo que resulta em prazeres pecaminosos e fugir de toda aparência do mal. Continuemos firmes na luta contra aquilo que desonra a Deus no que diz respeito à santidade do corpo, pois a Bíblia nos diz que ele é um santuário que deve ser dedicado ao Espírito Santo.
Quem está escravizado pelos deleites deste mundo não tem vigor espiritual. Quem está rendido aos prazeres da lascívia não tem como ser um canal de bênçãos para a vida da igreja. Portanto, é impossível prosseguir adiante na jornada da fé estando acorrentado às propostas de prazer e satisfação que o sistema corrompido deste mundo oferece. Um vaso impuro só será útil ao Possuidor se houver a purificação necessária, mediante arrependimento e confissão. Onde quer que exista fé genuína e bíblica, existe arrependimento; onde quer que exista arrependimento, existe fé. Pelo poder que há em Cristo e na Sua graça, não permita, meu caro irmão, que a sua jornada de fé seja malograda pelas propostas indecentes desta era, que tentam todos os dias roubar o seu coração. Tenha um plano de contingência para não se deixar enganar pelas paixões e tentações carnais, que fazem guerra contra a sua alma.


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Relevância para a vitalidade da igreja

Texto: Tito 3: 8-11


Não é de hoje que o povo de Deus tem sido enfraquecido por conta de desperdício de energia em atividades irrelevantes. Tais atividades demandam tempo, esforço, recurso e estratégias, que no final nada resultam de efetivo. Jesus sabia reconhecer o que era relevante no seu ministério e em que deveria concentrar seus esforços nos três anos do seu ministério. Quando confrontado pelos fariseus, Jesus tinha uma resposta adequada e relevante para cada ocasião. Enquanto os discípulos dormiam, Jesus reconhecia a relevância da oração. No momento em que foi traído com o beijo por Judas, Jesus não viu como relevante a reação de Pedro. Ao se encontrar com a mulher samaritana Jesus não se concentrou em assuntos superficiais, mas viu a carência da alma daquela mulher e a confrontou com o que era relevante. A mulher falava da água do poço, Jesus falava da água que jorra para a vida eterna, que mata a sede espiritual. A mulher falava de uma adoração superficial, Jesus falava sobre uma adoração superior, feita em espírito e em verdade. E em virtude do testemunho desta mulher, muitos samaritanos daquela cidade creram em Jesus. É impressionante como Jesus se concentrava no que era relevante, sem perder as oportunidades!

Muitas vezes, por força do hábito, somos levados a agir nos concentrando em assuntos periféricos e deixamos de lado o que é relevante e indispensável. Não raro insistimos em trilhar atalhos no cristianismo e esquecemos a corrida que nos foi proposta. Perdemos tempo em projetos que não estão na agenda do Senhor, e assim a vida segue e continuamos correndo atrás do vento. A relevância do que fazemos deve ser medida pela relevância que à Bíblia atribui a estas coisas. Não somos nós que definimos o que é ou não relevante para nossas vidas ou para a igreja. A igreja é do Senhor e nossas vidas pertencem ao Senhor e, portanto, quem define o que é relevante é Ele e mais ninguém. Certamente é um anelo honroso querer e realizar o que o Senhor considera relevante. A nossa prioridade como servos (doulos) de Cristo deve ser fazer o que lhe é agradável, e isto passa necessariamente por aquilo que o Mestre considera relevante, para não haja desperdício de tempo e energia em futilidades. Deus abomina o desperdício de energia em assuntos e atividades periféricas, que em nada podem acrescentar ao avanço do reino de Cristo.

E por falar em relevância, as instruções que Paulo dirige ao pastor Tito no final desta carta são extremamente relevantes. Paulo não queria que Tito desperdiçasse esforços em vão e sem propósitos, pois o alvo deveria ser trazer crescimento à igreja do Senhor que se reunia na ilha de Creta. Assim, Paulo delimita neste texto alguns aspectos de grande relevância para o sucesso e progresso do ministério de Tito. Após abordar a bondade de Deus, a renovação efetuada pelo Espírito Santo, a beleza da justificação exclusivamente pela graça de Cristo, no versículo 8 Paulo deixa claro que Tito deveria ser ousado e insistente nesta tarefa de lembrar o que era relevante para a igreja. “Faças afirmação, confiadamente”, ou seja, Tito não deveria ser tímido ou se sentir reprimido em abordar tais assuntos, visto que o objetivo era fortalecimento da fé dos crentes na ilha de Creta.

“A vitalidade da igreja está atrelada à delimitação precisa do que é de fato relevante”

Mas em que ASPECTOS a vitalidade da igreja está atrelada à delimitação precisa do que é de fato relevante?

1) No que diz respeito às evidências da fé salvífica (vs. 8)
A ideia básica neste versículo é a conformidade entre o que pensamos a respeito do Evangelho e as evidências deste modo de pensar. A palavra que foi traduzida como solícito expressa a necessidade de diligência e cuidado na prática da vida cristã. Paulo já tinha abordado sobre a benignidade de Deus e sua mui grande misericórdia, que nos salvou mediante o lavar regenerador do Espírito Santo. Isto nos tornou herdeiros de uma nova e viva esperança. Portanto, seguindo este argumento de Paulo, o fato de alguém crer em Deus só pode ser autenticado por meio de obras condizentes, que espelham na prática a fé uma vez professada. Os que têm crido em Deus devem mostrar sem titubear as evidências desta fé.

Ilustração: Uma propaganda em outdoors de uma empresa de produtos agropecuários afirmava o seguinte: “melhor enraizamento, maior produtividade”. O produto químico promete fortalecer as raízes da planta, e assim haverá mais frutos. Uma raiz enfraquecida não possui vitalidade suficiente para nutrir a planta, por isso é importante cuidar da raiz. Temos boas raízes, porque confiamos na graça salvadora de Deus. Temos bom ensino bíblico que fortalecem a nossa fé em Cristo. Onde estão os frutos? Primeiro a raiz (fé), depois o fruto (as obras). As obras são consequência natural de uma fé saudável e robusta. Na carta aos hebreus lemos que “sem fé é impossível agradar a Deus”, o contexto fala da fé para o dia a dia, que se concretiza em ações para a glória de Deus, como visto na vida de Abraão, Moisés e tantos outros.
As obras de salvação devem acompanhar necessariamente uma profissão de fé em Cristo. Não podemos alegar que a graça nos alcançou se permanecemos em atitudes que contradizem o evangelho de Cristo. Fomos salvos para as boas obras, aquele procedimento exemplar que dá autenticidade a nossa confissão. É triste ver uma igreja que se transformou-se num clube social, cujos membros já não têm mais zelo pela prática cristã. A vitalidade de um corpo de crentes é ao mesmo tempo causa e consequência de práticas condizentes com o discipulado requerido por Cristo. Obviamente, estas obras nada têm a ver com mero ativismo. A vida do crente deve ser uma manifestação do poder transformador da graça de Deus. Em que a maravilhosa graça de Deus tem transformado você?
“A diferença entre o fruto espiritual e o ativismo carnal e humano é que o fruto glorifica a Jesus Cristo. Sempre que alguém faz algo pelas próprias forças, há a tendência de vangloriar-se. O verdadeiro fruto espiritual é tão belo e maravilhoso que ninguém é capaz de assumir o crédito; a glória deve ser dada somente a Deus.” (Warren Wiersbe)
Neste ano que se inicia cada membro da igreja deve fazer uma autocrítica e analisar se sua vida tem correspondido ao lavar regenerador operado pelo Espírito Santo na salvação. Onde estão os frutos em nós, ramos da videira, já que professamos publicamente nossa união com Cristo? Podemos até ser bons alunos de teologia, regularmente matrícula na Escola Dominical, mas se a teologia que temos aprendido não tem transformado nossas vidas, estamos acumulando maior juízo sobre nós. Grande parte do esforço de muitos crentes tem sido direcionado para aprofundar o conhecimento sobre doutrinas e estudos teológicos, mas onde estão os efeitos práticos disto? Não podemos nos contentar em encher nossas mentes com o bom ensino bíblico, e parar por aí. A relevância do cristianismo está na evidência de frutos condizentes com o ensino recebido. “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.” Tiago 1:22
Devemos conhecer os princípios bíblicos sobre os perigos e os malefícios da ira ou sobre a maldade da fofoca, mas não terá relevância nenhuma se não formos diligentes com relação ao domínio próprio, quando algo não sai de acordo com o nosso modo de pensar. Devemos conhecer os princípios relacionados com a cordialidade, mas qual será a relevância se continuamos agindo com aspereza e rispidez? A fé sem obras está morta.

2) No que diz respeito ao propósito da apologética  (vs. 9)
O apóstolo Paulo continua sua instrução a Tito agora utilizando o modo imperativo. A palavra que foi traduzida como evitar no original possui um significado bem abrangente, significando manter distância / afastar-se com determinação/ repelir. A influência de muitos hereges na ilha de Creta tinha se disseminado assumindo proporções alarmantes conforme Tito 1:10,11. Os judaizantes insistiam em não aceitar a transição do judaísmo para o cristianismo. Queriam acrescentar à fé cristã alguns elementos do judaísmo, inclusive a circuncisão. Acrescente-se a isso que era crescente naquele mundo grego o intelectualismo especulativo, fomentado pelas diversas correntes filosóficas em voga na época. Havia alguns infiltrados no meio da igreja que especulavam sobre a lei com base em argumentos vazios, que não traziam nenhum benefício para a igreja, pelo contrário, minavam-lhe a força e solidez. Estes debates infrutíferos causavam mais confusão do que edificação. Ser um apologeta bíblico é ser alguém que evita debates inúteis e que se concentra no que é essencial. O propósito da apologética ou do estudo bíblico-sistemático não é fomentar a curiosidade humana, mas acima de tudo ser um canal para transformação de vidas e proclamação da verdade revelada nas Escrituras, sem nenhum reducionismo ou diluição. Os ensinamentos sobre a justificação e a salvação pela graça de Deus, e sobre a ação do Espírito Santo (2.11,14 e 3.4-7) fundamentam a exortação do apóstolo para que Tito se mostre firme no governo e na edificação espiritual da igreja. A implicação imediata é que Tito devia dar um basta em assuntos que nada acrescentavam ao fortalecimento da igreja. Ele tinha que repelir com veemência qualquer ensino que trouxesse discussões vazias e não cooperasse para o progresso espiritual da igreja

Ilustração: 2 Timóteo 3:16-17
"Evita, igualmente, os falatórios inúteis e profanos, pois os que deles usam passarão a impiedade ainda maior. Além disso, a linguagem deles corrói como câncer; entre os quais se incluem Himeneu e Fileto." Cada indivíduo é um farol, ou levando outras pessoas a naufragarem nas rochas, ou ajudando-as a entrarem em segurança no porto. Himeneu e Fileto eram homens que levavam outros a naufragarem nas rochas, através de suas ideias e pensamentos equivocados.
Observe que Paulo não proíbe todo tipo de discussão. Precisamos batalhar pela fé e reprovar toda distorção da verdade. A apologética é uma necessidade urgente e real, para o correto combate de heresias e a defesa da sã doutrina. Paulo, porém, condena a discussão fútil, sem proveito, sem implicações práticas na vida espiritual. Não podemos perder o foco, desviando-nos da obra para gastarmos nossa energia com falatórios inúteis. Precisamos nos concentrar no que é essencial para nutrir a nossa fé nestes dias tão tenebrosos.
A igreja deve investir em ensino apologético e de doutrinas, mas sem esquecer que o ensino é o meio e não o fim. O ensino robusto da Palavra de Deus robustece a nossa fé e fortalece nossos músculos espirituais. Mas o ensino visando vencer debates com opositores frívolos da Bíblia, que defendem seus pontos de vista com base em achismos, é totalmente infrutífero. Mais do que nunca a igreja deve aprender a não jogar pérolas aos porcos, evitando que o tempo seja desperdiçado em contendas vazias que minam a estabilidade do povo eleito.
Um princípio basilar da fé cristã é que “todo argumento deve ser levado cativo à autoridade das Escrituras.” Se os nossos argumentos têm muito do homem e pouco ou nada de bíblico, precisam ser silenciados imediatamente. Não podemos deixar que falácias se propaguem no meio do povo de Deus, tirando a vitalidade que a igreja deve ter para ser luz e sal neste mundo em trevas. É importante que a igreja esteja engajada na luta contra os falsos ensinos que permeiam este mundo. Há muitas “fake news gospel” que se revestem com verniz cristão, mas em nada acrescentam à solidez e maturidade da igreja.

3) No que diz respeito à repreensão e disciplina (vs. 10,11)
O que Paulo via em Creta com preocupação era a tendência de pessoas com ideias estranhas ao evangelho formarem grupos dissidentes, dividindo, assim, o corpo de Cristo. A palavra grega hairetikos, traduzida por “faccioso”, é muito sugestiva. O verbo grego hairein significa “eleger”; e a palavra grega hairesis significa “partido, escola ou seita”. Originalmente a palavra não tinha nenhum significado negativo. Uma hairesis era apenas um partido ao qual uma pessoa desejava pertencer. O significado negativo aparece quando uma pessoa impõe sua opinião privada contra todo ensino e tradição da igreja. A pessoa facciosa é aquela que transforma as próprias ideias na prova e na medida de toda a verdade, e que resulta em partidos e divisionismo na igreja. O adjetivo faccioso está sendo neste contexto no sentido estrito de causar rupturas. Pessoas com ideias próprias não submetidas à autoridade das Escrituras são um estorvo para a igreja do Senhor. Paulo mostra que alguém que faz desta prática um estilo de vida está pervertida, isto é, corrompida ou distorcida, e sua conduta ímpia certamente trará juízo. Por isso a necessidade de admoestação consistente como ponto de partida para a disciplina da igreja. Sem confrontação bíblica e tratamento adequado, o fermento levedará a massa toda.

Ilustração: A necrose é sempre um processo patológico e desordenado de morte celular causado por fatores que levam à lesão celular irreversível e consequente inutilidade do tecido afetado.  A necrose pode ser diferenciada em vários tipos, e cada um está associado a determinado tipo de agente lesivo e determinadas características. Em alguns casos a necrose começa a afetar órgãos ou membros do corpo, irradiando-se através de uma infecção. Para evitar isso, recomenda-se a amputação da parte necrosada, pois mais vale uma parte do corpo sendo retirada do que todo o corpo ser prejudicado pela necrose. De maneira semelhante, o que se quer prevenir na disciplina bíblica é que o rebelde não-arrependido traga maiores prejuízos à saúde de toda a igreja. Quanto maior a tolerância à rebeldia dentro da igreja maior será a influência negativa causada, e certamente outros membros serão contaminados. Ao invés de vitalidade, haverá declínio e degeneração.
Muitas vezes temos a tendência de pensar que a confrontação e a disciplina bíblica devem ser aplicadas apenas em casos considerados de maior porte, que causam escândalos no meio da igreja, quando a rebeldia está relacionada por exemplo a alguma imoralidade sexual. Mas nos esquecemos que a vitalidade da igreja está relacionada com o tratamento adequado de problemas relacionados a partidarismos geralmente resultantes de caprichos pessoais. A imposição de gostos pessoais gera discórdias, enquanto a autoridade das Escrituras é colocada de lado em prol de picuinhas sem sentido. Uma igreja dividida contra si mesma nunca será forte. Este assunto é de grande relevância para a saúde espiritual e progresso da igreja.  
Quantas igrejas estão morrendo à míngua por causa de facções internas, criadas com o objetivo de minar a autoridade da liderança e do pastor? Será se de algum modo nos enquadramos no perfil de “faccioso”, enfermando a igreja do Senhor com base em nossos caprichos pessoais que em nenhum momento objetivam a glória de Deus? É muito fácil sermos enganados pelo nosso próprio coração, e em nome de um “zelo pela igreja”, sermos instrumentos de discórdia e desgaste interno. Geralmente pessoas com opiniões fortes estabelecem seus posicionamentos sem o embasamento bíblico necessário e outros acabam abraçando a ideia. E quando são confrontados não admitem que estão errados e permanecem num caminho de rebelião. A igreja não pode ficar se desgastando ao longo do tempo com este tipo de rebeldes. É necessário dar um basta através da disciplina bíblica corretamente aplicada em cada caso, após a confrontação por meio das Escrituras.
É importante que a disciplina bíblica não seja um assunto visto com espanto pela igreja do Senhor. Em nome de um amor banal e fútil, em nome de tolerância carnal, muitos assuntos são jogados para debaixo do tapete e não são tratados como deveriam. A disciplina corretamente administrada faz a igreja crescer em santidade e preserva sua vitalidade. Hebreus 12.10-12 ensina que Deus “nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça.”