segunda-feira, 1 de abril de 2019

Comunhão com o Senhor


Texto: Salmo 32:1-5
Tema: Comunhão com o Senhor

A comunhão como Senhor é um grande privilégio daqueles que desfrutam a filiação. Mas nem todo filho faz uso dos meios de graça para estar em comunhão com o Pai. Como filhos do Pai amoroso, devemos nutrir o anelo sempre crescente de aproximar-nos cada vez mais do trono da graça em regozijo proporcionado pela presença do Senhor. Como bem expressou o salmista: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Salmo 16:11). E um dos meios de graça para isso é a convicção de ter sido perdoado e desfrutar da verdadeira alegria do perdão outorgado por Deus.
Para ilustrar esta introdução me veio à mente a cena de reconciliação entre José e seus irmãos no Egito. Ao perdoar seus irmãos, José procurou restabelecer as pontes, e trouxe seus familiares para perto de si, alojando-os na terra do Egito. Jacó e seus filhos habitaram no Egito durante todo o período de fome. Alguns anos depois, quando o velho Jacó morreu, surgiu um temor entre os irmãos de José. Mas é interessante que José enfatizou aos seus irmãos a certeza do perdão que eles tinham recebido. “Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim, os consolou e lhes falou ao coração.” (Gn 50: 19-21).  A certeza do perdão gerou um prazer pela comunhão com José, houve consolo e paz no coração daqueles homens, paz que só podia ser gerada porque não restavam dúvidas sobre a grandeza do gesto de perdão que lhes foi ofertado.
Em proporção muito mais elevada é a certeza do perdão divino para o crente.  A certeza do perdão divino traz refrigério real para o crente, dando-lhe novo ânimo para prosseguir na caminhada com Cristo. O Salmo 32 é um claro exemplo de como a convicção do perdão recebido pelo salmista mudou a sua percepção da vida e nutriu ainda mais o seu relacionamento com o Senhor. Este Salmo 32, juntamente com o Salmo 51, faz parte da confissão de pecado de Davi após ter sido confrontado pelo profeta Natã. Davi havia desprezado a palavra do Senhor, fazendo o que era mau perante ele. Depois de ter cometido adultério, a Urias, o heteu, mandou assassinar à espada; e a Batseba tomou por mulher. Esta sequência de fatos foi uma verdadeira espiral descendente na vida de Davi, levando-o a um estado de penúria espiritual e de amargor, dias em que não experimentou alegria da comunhão com o Senhor. O Salmo 32 é um hino de louvor de Davi pela certeza do perdão divino que lhe foi outorgado.
A convicção do perdão divino deve ser a tônica da vida cristã, visto que ainda estamos do lado de cá da eternidade, ainda habitando num corpo que é corruptível pelo engano do pecado, como bem alertou o apóstolo João: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”. PORÉM: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1:8-9). Com base nisso, faço a seguinte afirmação:

“A certeza do perdão divino é imprescindível para nutrirmos a nossa comunhão com o Senhor”

A comunhão com Deus é alimentada e fortalecida por meio da confissão e arrependimento, e pela certeza do perdão divino outorgado. A confissão de Davi perante o profeta Natã: “Pequei contra o Senhor” foi respondida com a declaração: “Também o Senhor te perdoou o teu pecado” (2 Sm 12:13). A frase eu “eu pequei contra o Senhor” é uma frase cheia de esperança, abre-se uma janela de oportunidade de recomeço para realinharmos nossa vida com Deus, convictos de que o perdão do Senhor é real. “Davi disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado” (Sl. 32:5b). É um gravíssimo pecado recusarmos descansar na graça de Deus, aceitar e desfrutar do Seu perdão. Que possamos confessar e descansar no perdão divino a fim de nutrirmos a comunhão com o Senhor hoje e sempre.
Por quais razões a certeza do perdão divino é imprescindível para nutrirmos a nossa comunhão com o Senhor?

1. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa inércia (vs. 3a)
Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.(Sl 32:3).
A conjunção enquantofaz parte da família das conjunções subordinativas temporais, que são usadas para introduzir uma oração que acrescenta uma circunstância de tempo ao fato expresso na oração principal. Poderia ser substituída sem perder o sentido original por: Desde que eu calei/ ou quando eu calei. Segundo as leis da física, a inércia é a tendência natural de um objeto em resistir a alterações em seu estado original de repouso ou movimento. No contexto trata-se de um estado de ausência total de movimento em direção à restauração por meio do perdão. O salmista permaneceu por um tempo imóvel, sem dar um passo sequer nas tratativas em relação ao pecado cometido diante do Senhor. Não podemos precisar exatamente por quanto tempo Davi manteve-se nesse silêncio perante o Senhor, no mínimo 9 meses que foi o tempo da gravidez de Batseba, quando o profeta Natã veio confrontar o rei, deu-lhe um veredito: “também o filho que te nasceu morrerá” (2 Sm. 12:14). Neste tempo de silêncio, Davi evitou tocar no assunto ou mesmo trazer à consciência o grave mal cometido perante os olhos da nação e principalmente contra o Senhor. O tempo passou, mas as chagas não foram curadas. A ferida na consciência de Davi continuou aberta e purulenta por um tempo considerável, e isso lhe trouxe consequências bastante difíceis.
“Quando Deus fala, permanecer apático e inerte é uma prova de ateísmo prático.” Uma das coisas que minha mãe sempre reprovava era quando ela dava uma ordem e eu respondia com “já vou”! Só que esse “já vou” se prolongava por muito tempo. “Já vou” se transformava numa estratégia para fazer outra coisa que não estava na agenda de minha mãe. Ela sempre reforçava: Já vou, não. Agora! Nas questões que envolvem nutrir a comunhão com o Senhor, “Já vou” nunca será uma resposta adequada para o cristão, pois neste intervalo buscaremos realizar outras coisas que não estão na agenda do Senhor. A obediência não pode ser adiada, senão ficará desconfigurada. Quando Abrãao recebeu a ordem para oferecer seu filho Isaque como holocausto no monte Moriá, a Bíblia diz que ainda de madrugada ele preparou o jumento, a lenha e foi para o lugar designado. Abraão não procurou um tempo para “amadurecer a ideia” ou tentar negociar uma alternativa.
Devemos lutar todos dias contra a tendência carnal de permanecer imóvel em um estado de inércia espiritual, quando pouco ou nada fazemos para acertar as contas diante do Senhor, mediante confissão e arrependimento genuínos. Deixamos o tempo passar confiando na vã ilusão de que as coisas se resolverão automaticamente. Confiamos que a passagem do tempo será um remédio para a restauração da comunhão com o Senhor. Isso não funciona, trata-se de um autoengano perigoso, que pode nos levar a um estado de dormência e letargia. Falar que queremos nutrir a comunhão com Deus é fácil, mas o que fizemos hoje de efetivo para este propósito? Falar que queremos servir a Deus é bonito, mas hoje quais as atitudes de serviço foram tomadas? O tema anual “Sê tu uma bênção” exige um rompimento com a postura inerte que temos adotado.
Hebreus 3:12-13 nos alerta a termos cuidado com o perverso coração de incredulidade que nos afaste do Deus vivo. Exortai-vos mutuamente durante o tempo que se chama Hoje! Precisamos recuperar o senso de urgência na manutenção da nossa comunhão com o Senhor. Não há espaço para a letargia quando o que está em xeque é a saúde a relação vertical com o nosso Deus. Não podemos presumir que a mera passagem do tempo trabalhará a nosso favor, em questão relacionada à manutenção da comunhão com o Senhor.  Isaías já alertava o povo de Israel: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-O enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55: 6-7). O dia de acertar os ponteiros e buscar aproximar-se do Senhor é hoje, o amanhã não nos é dado como uma garantia.  Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da inércia espiritual.

2. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa insensibilidade (vs. 4a)
Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio. (Sl 32:4).
Esse pesar da mão do Senhor deve ser entendido corretamente. Não é como aquele de um juiz que castiga um criminoso, com a imposição de uma pesada pena; nenhum ser humano conseguiria suportar o peso da mão do Senhor executando sua justiça deste modo; antes, é como a disciplina de um pai amoroso, que trata de seus filhos desobedientes a fim de conduzi-los ao arrependimento. Em outras palavras, é Deus nos reclamando pra Si. Mas podemos estar tão endurecidos pelo engano no pecado que ficamos insensíveis à ação restauradora de Deus, nos reclamando pra Si. Neste sentido, em nossa percepção distorcida, a mão do Senhor aparentará querer nos fazer mal e nos conduzir ao desfiladeiro da angústia por simples capricho. Não se trata disso. A mão do Senhor tem o peso da disciplina paternal necessária a uma mudança efetiva de rota. Entendido de forma correta, há bênção neste peso da mão do Senhor descrito pelo salmista. Mesmo passando por uma tremenda avalanche em seu estado espiritual, emocional e físico, Davi ainda deixou-se endurecer e não atentou para a voz de Deus que lhe falava à consciência (leb), nem identificou a mão do Senhor reclamando-o pra Si. Sua visão da realidade tornou-se embaçada e sua percepção espiritual ficou entorpecida, tudo isso como consequência de sua resistência diante do tratamento divino. Durante o tempo em que calou, Davi certamente percebeu o estado deplorável de sua alma, porém isso não foi suficiente para vencer a indiferença para com o seu pecado e a insensibilidade de sua consciência, cauterizada por desprezar a Palavra do Senhor.
Jesus já vinha tratando a consciência de Saulo: “Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões” (At. 26:14), mas ele permanecia insensível e oferecia resistência ao chamado divino. Mas o chamado irresistível do Mestre não pode ser vencido. Sua oferta de perdão por meio da cruz abriu os olhos de Paulo, que passou a enxergar a preciosidade da graça. Ele passou de perseguidor a perseguido, porque baixou as armas e rendeu-se totalmente. Isto só o perdão divino pode fazer.
Se permanecemos insensíveis diante da mão do Senhor nos reclamando pra Si, certamente amargaremos vidas infrutíferas e sem proximidade genuína com Ele. Quando a nossa consciência fica embotada pelo pecado, não temos condição de realizarmos uma análise correta do tratamento do Senhor dispensado a nós. Passamos a enxergar toda a realidade conspirando contra nós, e não percebemos o quanto o Senhor está trabalhando em nós para trazer-nos a um novo patamar no relacionamento com Ele. Por isso necessitamos sempre de arrependimento e confissão. Ai de nós quando a nossa consciência estiver tão insensível a ponto de não mais reconhecermos o tratamento divino! É sinal de profundo entorpecimento espiritual diante da disciplina divina. Precisamos de consciências sensíveis à voz de Deus que emana das Escrituras, somente assim teremos condições de seguirmos por caminhos retos. Consciências sensíveis para reconhecer que não somos supercrentes, que carecemos todos os dias do perdão divino e de sua graça ajudante.
Não devemos brincar com os alertas divinos ou com a disciplina da mão do Senhor. Quando a nossa consciência se torna endurecida, o pecado adormece o senso moral de certo ou errado e o pecador impenitente torna-se insensível aos avisos da consciência que Deus colocou dentro de cada um de nós para nos guiar (Romanos 2:15). Quando os sinais de alerta são ignorados e as medidas reparadoras não são adotada, o resultado é mais endurecimento de consciência.
Tal insensibilidade se revela de várias maneiras. Podemos ficar experts em ouvir sermões, admirando a oratória e hermenêutica aplicada ao texto bíblico, mas com consciências insensíveis os princípios bíblicos não serão postos em prática. Podemos até ser confrontados com um importante ensino das Escrituras sobre humildade, mas a insensibilidade diante da verdade não nos faz dobrar a cerviz e reconhecer que nada somos no reino de Deus, apenas servos inúteis. Deus trata conosco mediante os meios necessário até que a nossa ardente soberba, a qual sabemos ser indomável, seja humilhada (Calvino). Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da insensibilidade.

3. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa dissimulação (vs. 5a)
Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. (Sl 32:5a).
O vocábulo (kasa) também é empregado no sentido mais genérico de esconder ou encobrir. A ideia básica é não expor à clara luz. A história registrada em 2 Samuel 11 nos mostra que Davi utilizou artifícios para ocultar a sua iniquidade. Por exemplo, mandando trazer o servo Urias da frente de batalha, para ficar em casa e dormir com a sua mulher. O plano de Davis era atribuir aquela gravidez de Batseba ao soldado Urias. Porém, a hombridade de Urias prevaleceu e ele não foi para sua casa. Não bastasse isso, Davi ainda planejou o assassinato de Urias, colocando-o na frente mais perigosa da batalha. Quando Joabe enviou o mensageiro para avisar ao rei, a resposta de Davi foi: “Não te pareça isto mal aos teus olhos; pois a espada tanto consome este como aquele; esforça a tua peleja contra a cidade, e a derrota; esforça-o tu assim” (2 Samuel 11:25). Davi apelou para que o comandante Joabe considerasse o fato da morte de Urias como algo natural, ocultando e dissimulando seu real propósito ao colocar Urias na frente da batalha.
“Então, disse Judá a seus irmãos: De que nos aproveita matar o nosso irmão e esconder-lhe o sangue?”  (Gn 37:26).  O plano para vender José aos mercadores midianitas que seguiam para o Egito foi aceito por todos os irmãos. Logo depois, eles mataram um bode, mergulharam no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai (Jacó) com este recado: “Achamos isto. Veja se é a túnica de teu filho”. Esta foi a saída para encobrir o que tinham feito com José. Essa versão dissimulada permaneceu por muitos anos; a verdade só veio à tona quando os irmãos de José tiveram que ir ao Egito em busca de comida. E o que dizer de Acã, que escondeu na sua tenda alguns despojos da cidade de Jericó? O pecado oculto de Acã custou a vida de 36 homens de Israel e uma derrota diante da pequena cidade de Ai. Quando há pecado escondido no arraial não adiante querer a bênção do Senhor. A dissimulação sempre acarretará em graves prejuízos.
Um tema de um acampamento do qual participei quando ainda era adolescente: E quando a máscara cair?” A pergunta-tema por si só nos deixa reflexivos: não é se a máscara cair, como se fosse apenas uma possibilidade. É quando: apenas questão de tempo e a realidade virá à tona. Será que temos a infantil pretensão que o nosso pecado passará despercebido diante do Senhor? “E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb. 4:13). Eugene Peterson afirmou em um dos seus livros sobre Davi: “Não queremos encarar nosso pecado porque não queremos perder a ilusão de que somos deuses.” A ilusão de que somos deuses gera a ilusão de que tudo está sob nosso controle e nada será descoberto. E assim vamos vivendo de ilusão em ilusão, dissimulando e inventando evasivas para não encarar a feiura da nossa transgressão contra os mandamentos do Senhor.
Adotar a dissimulação como natural em nossas vidas, fingido para si e para o outros que está tudo muito bem, é uma herança que recebemos de Adão. Fazer vestimentas de folhas de figueira foi uma tentativa infantil de esconder a vergonha e a culpa. O homem pós-queda teima em não reconhecer sua penúria de alma e sua condição vexatória, e ainda apresenta uma roupagem artificial de modo que não haja dúvidas sobre uma fé robusta. “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia” (Pv. 28:13). O pastor puritano Richard Sibbes afirmou que “a única maneira de cobrir nosso pecado é descobri-lo pela confissão.” A dissimulação pode demonstrar-se de várias formas: iludir a si mesmo negando a situação, minimizar a gravidade da situação, colocar a culpar em outra coisa ou pessoa, apresentar desculpas, redefinir o mal para fazê-lo parecer bom. Nossas vidas devem ser vividas em transparência, visto que o Senhor nos conhece perfeitamente. O pecado oculto não pode coexistir com a paz interior proveniente da comunhão com Deus. NÃO HÁ PAZ PARA OS REBELDES! Só quando expomos e reconhecemos nosso pecado é que Deus se dispõe a cobri-lo. Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da dissimulação.