Texto: Mateus 18: 1-9
Tema: Potencial de Dano
Introdução 1:
Em
uma segunda-feira, 6 de agosto de 1945, às 8 horas e 15 minutos da manhã, a
bomba atômica "Little Boy" foi lançada sobre Hiroshima por um
bombardeiro B-29 americano, o Enola Gay, matando instantaneamente por volta de
80 mil pessoas. A bomba lançada sobre a cidade de Hiroshima era uma bomba
nuclear de urânio-235 com uma potência estimada de 16 quilotons (1
quiloton = 1000 toneladas de TNT). Ela explodiu a uma altura de aproximadamente
570 metros do chão e provocou uma nuvem de fumaça que alcançou 18 km de altura.
Sua explosão gerou uma bola de fogo com uma temperatura de aproximadamente 300.000
°C, atingindo um raio de 2 km de destruição, além de espalhar
uma nuvem radioativa. Estima-se que houve mais de 140 mil mortes em
decorrência das queimaduras e dos ferimentos causados pela explosão e dos danos
causados pela exposição à radiação. O potencial destrutivo da bomba atômica era
de causar espanto, mas nem mesmo seus criadores esperavam tanto.
Música ROSA DE
HIROSHIMA: Pensem nas crianças/
Mudas, Telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas, inexatas/ Pensem nas mulheres/
Rotas, Alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas/ Mas oh! Não se esqueçam/Da
rosa, da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/
Estúpida e inválida/A rosa com cirrose /A anti-rosa atômica/ Sem cor, sem
perfume/ Sem rosa, sem nada. Essa música, em tom melancólico, expressa com
poesia a força destrutiva da bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de rosa,
por conta do formato de botão em flor, ou de cogumelo, da enorme nuvem de
fumaça que se formou após a explosão. O ataque ao Japão não parou por aí, três
dias depois outra bomba (de plutônio) foi jogada sobre a cidade de Nagasaki, os
efeitos geraram milhares de mortes instantâneas e outras devido ao efeito
radioativo. A bomba apelidada de Little boy, que significa
"garotinho" em português, não tinha nada de diminutivo na sua
capacidade devastadora.
Introdução 2: E
por falar em potencial danoso, não podemos jamais esquecer que a Bíblia nos adverte
que o pecado jaz à porta, mas cumpre a nós dominá-lo. Já em Gênesis o potencial
de dano do pecado nos serve de alerta. O livro de Provérbio está repleto de
princípios para evitarmos seguir pelo caminho da insensatez, conhecendo o
potencial de danos que é próprio deste caminho. Os danos decorrentes de ações
intempestivas são recorrentes na Bíblia, por exemplo quando Saul resolveu por
conta própria ofertar bois e ovelhas ao Senhor em Gilgal (usurpando o papel
exclusivo do sacerdote Samuel). O potencial danoso desta atitude de Saul
custou-lhe a reprovação imediata do profeta (agiste nesciamente e não guardaste
o mandamento que o Senhor) e ainda chancelou a perda do reino (agora, não
subsistirá o teu reino).
No
texto em epígrafe, temos mais uma advertência do Senhor Jesus aos discípulos
que o seguiam. Esta dura advertência ressalta o potencial danoso que algumas
atitudes trazem para dentro das relações humanas, e que acabam minando a
vitalidade e o progresso dos redimidos. Jesus está sendo bastante direto, não
deixando margem para interpretações ambíguas. Ele claramente alerta sobre o
potencial de dano, sobre a insensatez que deve ser considerada nestas atitudes
para não incorremos também nelas. Conhecendo as condutas que possuem um
potencial danoso/lesivo, podemos fazer um diagnóstico se estamos incorrendo
nelas. Buscar o arrependimento e clamar por perdão é o primeiro passo para não sermos
veículos com tamanho potencial de causar danos. Em razão disso, afirmo o
seguinte:
“Neste texto, somos advertidos sobre inclinações
cujo potencial de dano não deve ser ignorado”
1) Fomentar um conceito elevado de si próprio
(Vs. 1-5)
EXPLANAÇÃO:
O motivo do Senhor ter feito essa pergunta retórica acerca de quem era o maior
do reino de Deus foi a constante disputa dos discípulos entre si para determinarem
quem era o maior deles. É bem possível que os últimos acontecimentos tenham
agravado esse problema, especialmente com referência a Pedro que andara sobre
as águas com o Senhor e tenha sido aquele que representou o Senhor ao pagar o
imposto do templo através de um milagre. O fato de Jesus ter compartilhado com
eles acerca do seu futuro sofrimento e morte na transfiguração, não causou o
devido impacto na vida deles, pois continuavam pensando em si mesmos e no cargo
que ocupariam no reino de Deus. Eles estavam tão obcecados pela questão que
chegaram mesmo a discutirem entre si (Lc.29.46). A condição de servos causava
entre os discípulos muito mal-estar.
Os
discípulos estavam pensando acerca do reino de Jesus em termos de um reino
terreno e em si mesmos como os principais ministros de Estado. Essa distorção
teológica dos discípulos perdurou até mesmo depois da ressurreição de Jesus (At
1.6). Percebamos que na pergunta "quem é o maior", que diz respeito a
posição/relevância, está implícita outra pergunta: "quem é o melhor",
que diz respeito a quem é o mais excelente para ocupar tal posição. Esta
ladainha entre os discípulos não aconteceu apenas uma vez, e sempre que
aconteceu recebeu a reprimenda de Jesus.
Quando
Jesus fez essa pergunta, certamente eles ficaram aguardando com ansiedade que o
Senhor dissesse quem era o maior, mas Jesus ignorando-os completamente chamou
uma criança para junto de si, como a dizer, eis o exemplo da verdadeira
grandeza. A criança é levantada como um ideal não de inocência, pureza ou fé,
mas de humildade e de despreocupação por posição social. Jesus advoga a
humildade de mente (v. 4), não a infantilidade de pensamento (cf. 10.16). A
humildade de uma criança consiste principalmente em um estado de confiança e
dependência. Notem o contraste que Jesus
apresenta: por um lado havia um grupo de pretensos homens, que disputavam entre
si para saber quem era o maior e do outro uma criança sem a menor preocupação
com esse assunto. Essa é a atitude que Deus deseja que seus filhos adotem
em relação a Ele. O estado de espírito moderno que prevalece atualmente, de
autossuficiência e de sabedoria mundana e sofisticada, é inimigo de uma
autêntica espiritualidade.
ILUSTRAÇÃO:
Quem não se lembra da história de Hamã, aquele homem orgulhoso, descrito no
livro de Ester. Ele tinha um conceito tão elevado de si mesmo que ao ser
perguntado pelo rei sobre o que se deveria fazer a um homem a quem o rei
quisesse honrar, pensando que se tratava dele (Hamã) disse: “Que seja vestido
de trajes reais, e que desfile pelas ruas montado no cavalo do rei, sendo dito
sobre ele: Esse é o homem a quem o rei deseja honrar.” A sugestão agradou ao
Rei Assuero que mandou imediatamente que se fizesse o sugerido com o judeu
Mordecai a quem Hamã odiava, além disso ele é quem conduziria o cavalo do rei
anunciando Mordecai como o homem a quem o rei queria honrar. Esse só foi o primeiro degrau na queda do
orgulhoso Hamã, que terminou por morrer numa forca que ele preparara para
Mordecai.
Vivemos
num mundo onde a autoafirmação tem se tornado uma regra. As pessoas não se
preocupam tanto em ser, mas em ser reconhecidos como tal. São pessoas que
possuem uma necessidade íntima muito forte de impor-se à aceitação dos outros.
Precisam estar sempre em destaque, como o centro das atenções, recebendo, é
claro, constante aprovação dos que as cercam. A necessidade de autoafirmação,
de estar sempre sendo reconhecido e elogiado pelos outros, faz com que a pessoa
deixe de olhar verdadeiramente para dentro de si, o que a levaria a ter uma
percepção equilibrada e realista de si mesmo. Vivendo na busca da
autoafirmação, de reconhecimento externo, não sobra tempo para se trabalhar
para ser. O caminho é o de se tornar um sepulcro caiado, tal como os fariseus.
É obvio que essa conduta é um barril de pólvora e tem enorme potencial lesivo
no Corpo de Cristo. Estamos errados ao badalar o sino a respeito de nossas
qualificações, com o desejo de sermos reconhecidos. Quem tem habilidades não
toca trombeta sobre si, mas simplesmente usa os seus dons como meios para a
glória de Deus.
Por
causa da queda, somos atraídos por visões enfatuadas, deturpadas e grandiosas
de nós mesmos. Pessoas que fazem muita referência a si próprias (autoelogios)
são danosas para o equilíbrio no Corpo de Cristo. O sábio Salomão já advertiu: “Seja
outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios” (Pv.
27:2). Fazer comparações ministeriais sempre em proveito próprio indica um
coração autocentralizado, que precisa da graça de Deus. Usando as palavras de
Paulo, “não pense de si mesmo além do que convém" (Rm. 12:3). Paul Tripp
escreveu: “A aclamação pública frequentemente é o viveiro para o crescimento da
semente do orgulho espiritual.”
É
impossível alguém se humilhar diante do Senhor se, ao mesmo tempo, estiver
procurando se exaltar em relação aos outros. Tudo em nosso viver deve ser
projetado para produzir maior humildade em nós. Devemos enxergar os irmãos não
como oportunidades para trazer glória a nós mesmo, mas como pessoas a que
podemos servir para trazer glória a Cristo. João Batista, a respeito de Cristo,
proferiu um dos desafios mais importantes para todos nós: “Convém que Ele
cresça e que eu diminua”. Até porque ao pé da cruz o terreno é plano, portanto,
não deve existir espaço para autopromoção que cria divisões dentro da igreja.
Somos servos, não soberanos. Somos ovelhas, não pavões. E diante do exemplo
supremo de Cristo nenhum de nós pode jamais dizer que está se humilhando demais.
Nenhum de nós pode dizer: “Chega! Eu mereço algo melhor, agora é a vez de ser
servido e aclamado.”
O
sentimento de superioridade, seja ele consciente ou não, sempre começará a
eliminá-lo do ministério protetor e santificador essencial do corpo de Cristo.
Você começa a se enxergar como alguém que não precisa dos demais, que é
bastante a si mesmo, quase uma igreja ambulante com todos os dons necessários.
Precisamos lutar continuamente contra o perigo da síndrome de celebridade.
Somos rodeados por espelhos curvos que têm o poder de dar uma visão distorcida
de nós mesmos. Por isso somos carentes da graça todos os dias, para que o
evangelho de Cristo nos humilhe e nos revele de fato quão pequenos e fracos nós
somos. Olhar para o exemplo de Cristo (kenosys=autoesvaziamento) deve nos
constranger diariamente. Em mais um paradoxo da fé, a verdadeira grandeza
pertence ou faz parte da disposição de ser o último e servo de todos.
A
luta do discípulo em busca de poder ou primazia entre os seus pares denota a
confusão que está se fazendo do reino dos céus como um tipo de reino terreno,
político, que propicia posições de poder. Quantas vezes as disputas por
primazia na igreja do Senhor fazem o povo de Deus enfermar? É terrível o
potencial de dano trazido pela prática da autoexaltação e egocentrismo que gera
disputas e divisões no corpo de Cristo, assim como aconteceu em Corinto. De
Deus somos todos cooperadores; a lavoura é de Deus e o crescimento vem dEle
somente. Portanto não sobra espaço para vanglória, pois "nem o que planta é alguma
coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1 Cor. 3:7). Quando
vamos abandonar as práticas infelizes de buscar posição como se estivéssemos
concorrendo entre nós quem é o melhor? De fato, já passou da hora de nos
portarmos como servos, não como senhores na obra do Mestre, tais como crianças despretensiosas.
2)
Causar algum estorvo espiritual a outrem (Vs. 6,7)
EXPLANAÇÃO:
Os versículos de 6 a 9 estão unidos pela palavra grega eskandalon (pedra de
tropeço) e seu respectivo verbo eskandalizo (tropeçar). O Senhor inicia a fala
registrada no versículo 6 com o pronome “qualquer” seguido que fizer
tropeçar... Isso significava que nenhum dos discípulos estava isento da
possibilidade de fazer alguém tropeçar. No entanto fazer alguém tropeçar é uma
ação insensata por sua falta de amor e misericórdia e pelo juízo que tal ação
evoca. Para descrever o peso do juízo que
virá sobre aquele que faz o outro tropeçar, Jesus diz que seria preferível
que se pendurasse ao pescoço dessa pessoa uma grande pedra de moinho e que
fosse afogada na profundeza do mar. Geralmente as pedras no pescoço eram
adereços, aqui por mais que ilustra um duro juízo terreno não se compara com o
celestial. O mundo é um lugar de pecado (jaz no maligno) e consequentemente é
até compreensível que seja também um lugar de escândalos, no entanto ai do
mundo por causa disso e ai daqueles que patrocinam esses escândalos. A questão
dos escândalos apresentada neste texto por Mateus é diferente da abordagem
apresentada por Paulo em 1 Coríntios. Na questão da carne sacrificada aos
ídolos prevalece a questão de sermos cautelosos em não prejudicar a fé de
alguém com consciência fraca, isto é, uma consciência ainda não treinada e
fortalecida nos princípios doutrinários. Já aqui em Mateus o que está em voga
são as atitudes deliberadas de causar tropeços na vida de alguém, seja por mau
testemunho ou por alguma palavra que gere prejuízos à carreira cristã de outro
irmão. Armar ciladas e induzir ao erro é uma praxe no mundo, mas não deveria
ser entre o povo de Deus.
ILUSTRAÇÃO: A imagem do
ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima sendo agarrado por um ex-padre
irlandês nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, ficou mundialmente conhecida.
Na ocasião, Vanderlei liderava a prova com uma diferença de 150 metros do
italiano Stefano Baldini, mas perdeu metade do seu tempo de vantagem quando foi
empurrado por Neil Horan, ex-pároco da igreja católica da Irlanda. Desconcentrado pelo susto, o brasileiro foi
ultrapassado e ao final da prova subiu ao pódio para receber o bronze.
O
escândalo é uma pedra de tropeço para as pessoas. É uma conspiração contra o
bom testemunho. É negar a fé não com palavras, mas com atitudes. A vida do
cristão é sua mensagem mais eloquente. Portanto, falar contra o pecado em
público e praticá-lo em secreto é uma abominação diante de Deus e uma pedra de
tropeço diante dos homens.
Acautelemo-nos, pois o pecado mais escondido na terra é um aberto
escândalo no céu.
(Hernandes Dias Lopes). Quando
aqueles que conhecem a Deus desviam-se da verdade, caem na iniquidade, e
praticam os mesmos pecados daqueles que não o conhecem, tornam-se pedra de
tropeço, como está ilustrado nos Salmos e nos profetas: “Teimam no mau
propósito; falam em secretamente armar ciladas; dizem: Quem nos verá? Projetam
iniquidade, inquirem tudo o que se pode imaginar; é um abismo o pensamento e o
coração de cada um deles.” (Salmo 64:
5-6) “Flecha mortífera é a língua
deles; falam engano; com a boca fala cada um de paz com o seu companheiro, mas
no seu interior lhe arma ciladas.” (Jr.
9:8)
E
difícil conceber como Jesus poderia ter dado um aviso mais solene sobre o
horror de levar outro cristão que está se desenvolvendo a errar e ser seduzido
pelo pecado por causa da influência de alguém. A necessidade de uma vida
consistentemente santa deve despertar a nossa atenção como as luzes que piscam
no cruzamento de uma estrada de ferro. Faremos bem em dar atenção a esse aviso.
Quando formos tomar alguma atitude devemos refletir com cautela, averiguando se
aquela atitude pode se constituir causa de tropeço para alguém. E não se trata
de viver pisando em casca de ovo, num ambiente cheio de pessoas hipersensíveis.
O alerta que Jesus faz é sobre causar deliberadamente um tropeço, uma situação
que traga prejuízo ao próximo, de modo a envergonhar a causa de Cristo e o
progresso da fé de alguém. Com base em outros textos do Novo Testamento, o
alerta envolve cautela redobrada por parte daqueles que estão em posição de
liderança ou de ensino na igreja. Sabemos que o exemplo é um fator de
influência bastante significativo para os irmãos na fé, por isso cultivar a
prudência é sempre necessário e salutar para o bem do equilíbrio no corpo de
Cristo.
As
causas de tropeço podem ser várias, mas a que por inferência é mencionada aqui
é a ambição orgulhosa, como a que acabara de ser manifestada pelos discípulos.
No texto paralelo do evangelho de Marcos traz à baila também os efeitos
perniciosos do preconceito (Mc. 9:38-41). A Bíblia nos mostra, em especial em
Provérbios e na epístola de Tiago, que um enorme potencial de dano está na
questão do falar. “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça
(ou não causa tropeços) no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também
todo o corpo” (Tg. 3:2). Com a
língua podemos causar grandes incêndios e trazer prejuízos incalculáveis para
outros irmãos. Podemos levar pessoas a terem uma visão pequena de Deus se
nossas palavras forem uma deturpação do Evangelho. Podemos influenciar pessoas
a romperem amizades se o nosso falar estiver corrompido com preconceitos e
maldade. Podemos destruir um casamento alicerçado por tantos anos, por meio de
uma mentira calculada ou um falso testemunho. Podemos inviabilizar a
coexistência pacífica dentro da igreja. Podemos menosprezar pessoas feitas à
imagem de Deus, atacando a dignidade inerente à condição de criatura. Sendo
assim, todo cuidado é pouco com a questão da língua. O salmista Davi faz uma
pergunta e ele mesmo responde: “Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade
para ver o bem? Refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente”
(Salmo 34: 12-13). O médico diz:
"Você é o que come". O
psicólogo diz: "Você é o que
sente". O educador físico diz: "Você é o que transpira". O
filósofo diz: "Você é o que pensa". O professor diz: "Você é o
que estuda". E Tiago, na sua epístola no NT, diz: "Você é o que
fala". Conhecemos, de fato, o tremendo potencial de causar tropeços da
nossa língua?
Por
outro lado, também podemos ser causa de tropeço quando somos omissos. A vida do
cristão não deve ser causa de tropeço nem por ação e nem por omissão. A omissão
é claramente reprovada em Tiago 4:17: “Aquele,
pois, que sabe que deve fazer o bem e não o faz comete pecado.” Omissão é não
assumir a responsabilidade ou não adotar a postura adequada diante de alguma
requisição da parte do Senhor. E assim, podemos levar outros a tropeçar por
conta de uma situação que exige um posicionamento correto e embasado nas
Escrituras e deixamos de agir. Martinho Lutero, quando estava sendo confrontado
pelas hostes do papa Leão 10, disse: “Você não é responsável apenas pelo que diz,
mas pelo que não diz também.” Toda
a vida do crente deve ser mantida e nutrida com responsabilidade, ciente do bom
propósito de glorificar a Cristo somente.
De
fato, a responsabilidade pelo pecado é pessoal e intransferível. Cada um que
cair dará contas de si mesmo ao Senhor. Mas não podemos utilizar deste
argumento de defesa quando agimos erroneamente e, por causa disso, outros venham
a tropeçar na carreira cristã. Como membros do Corpo de Cristo somos
interdependentes e, portanto, responsáveis também pela saúde e progresso
espiritual de irmãos na fé. Criar
tropeços, ciladas ou induzir maliciosamente obras malignas não é próprio do
cidadão celestial, que está rumando para encontrar-se com Cristo na glória. Levar outra pessoa a fracassar, seja
por mau exemplo, orgulhosa ambição, por indiferença, ou outra coisa qualquer,
tem um potencial de dano enorme para a igreja do Senhor. Precisamos cuidar uns
dos outros, e este cuidado protetor envolve nutrir relacionamentos que sejam
sólidos o suficiente para não levarmos ninguém a tropeçar na fé. Cuidemos com
redobrada atenção de nossas palavras e de nossas ações, para não servimos ao
príncipe das trevas induzindo outros ao erro.
3)
Poupar a si próprio de sacrifícios espirituais (Vs. 8,9)
EXPLANAÇÃO:
Usar as mãos, os pés e os olhos para pecar é uma loucura consumada. As mãos que
agem, os pés que andam e os olhos que veem dever estar a serviço do bem, e não
do mal; da santidade, não da iniquidade. O que fazemos, aonde vamos e o que
vemos pode constituir-se armadilha para a nossa alma. Jesus não ensina a
amputação física, mas o radical enfrentamento do pecado. A pé, mão e olhos
representam a própria pessoa em suas várias formas de expressão. Toda vez que
os pés se desviam do caminho, isso acontece porque o coração também se desviou.
Se não houvesse pecado no coração, o pé, a mão e os olhos não se tornariam, tão
facilmente, instrumentos do pecado. Uma personalidade santa terá pés, mãos e
olhos santos. Portanto, Jesus está insistindo para que a resistência seja
vencida a fim de que nos tornemos santificados através do sacrifício daquilo
que atrapalha o progresso na fé. Se alguma coisa no caminho nos impede de
seguir a Jesus, precisamos nos livrar disso.
Renunciar
àquilo que parece ser o nosso direito natural, seja representado pelo pé, mão,
ou pelos olhos, não é tarefa fácil e feita de bom grado. Mas, é melhor salvar
um homem deformado do que perder um homem “completo”. Jesus reforça que devemos
ser radicais na remoção de qualquer obstáculo que se interponha entre nós e
Deus, por meio de renúncia e autossacrifício. Na luta contra a natureza de Adão
que ainda reside em nós não podemos ser indolentes ou letárgicos. Sem dúvida, o
sacrifício literal de mão, pé ou olho não resolverá os problemas da tentação e
do pecado, mas a ilustração é clara. Da mesma forma como se sacrifica um órgão
do corpo para salvar a vida física, também qualquer disciplina, por severa que
seja, não é preço muito grande a ser pago pela vitória sobre os tropeços. O
inferno está reservado para aqueles que nunca fizeram sacrifícios espirituais,
porque de fato os tais nunca nasceram de novo pelo poder do Espírito de Deus.
Só quem é capacitado pelo Espírito pode produzir frutos e realizar sacrifícios
que glorifiquem ao Pai, através da mediação do Filho.
ILUSTRAÇÃO: Conta-se que na
Primeira Guerra Mundial um jovem soldado francês foi seriamente ferido. Seu
braço havia sido quebrado em várias partes e teve que ser amputado. Ele era considerado
um soldado de grande coragem e o cirurgião lamentou profundamente o fato de,
ainda muito jovem, ter o corpo mutilado. Ele aguardou ao lado da cama do
soldado para lhe dar as más notícias quando recuperasse a consciência. Quando o
rapaz abriu os olhos, o cirurgião lhe falou: “Eu sinto muito lhe dizer, mas
você perdeu o seu braço.” “Senhor,” falou o rapaz, “eu não perdi o meu braço,
eu o dei – pelo meu país, a gloriosa França.” Sacrifícios, será que somos capazes? Frank Farley, um antigo político cristão norte
americano disse: “Grande parte de nosso cristianismo atual está encharcado de
sentimentos, mas desprovido de sacrifícios.”
O estudioso britânico do Novo Testamento Ralph Philip Martin disse: “O sinal do amor que professamos pelo
evangelho é a medida do sacrifício que estamos dispostos a fazer para ajudar o seu
avanço.” John MacArthur vem reforçar essa mesma concepção: “O verdadeiro evangelho é um
chamado para o autossacrifício e não para a autorrealização”.
Algo
só pode ser considerado sacrifício se nos custa alguma coisa. Não vale dizer
que somos cristãos sacrificiais, se na hora “H” nos deixamos levar pela
autoproteção desenfreada. Para seguir o caminho do sacrifício das próprias
vontades o discípulo tem que compreender que é um doulos (escravo, no
grego). Nas Escrituras, a descrição que prevalece sobre o relacionamento dos
cristãos com Jesus Cristo é a relação escravo/mestre. Ser escravo de alguém,
significava ser sua possessão, sujeito a obedecer suas vontades, sem hesitação
ou questionamentos. Os primeiros cristãos se contentavam em considerar a si
mesmos como absoluta propriedade de Cristo, comprados por Ele, possuídos por
Ele, e estando totalmente ao seu dispor.
Somos seus escravos, chamados a obedecê-Lo e honrá-Lo, com humildade e
de todo o coração. Somente assim, entenderemos que os sacrifícios espirituais
são importantes para sermos agradáveis ao nosso Mestre.
O potencial de dano de não realizarmos
sacrifícios espirituais em nossa vida é evidente. Quanto mais alimentamos
vontades carnais e centradas no “eu”, mais cresce a nossa autonomia. Quanto
mais alimentamos caprichos pessoais, mais tropeçamos e levamos outros a
tropeçar. Passamos a viver sem a devida consideração para com o Senhor que nos
comprou com seu precioso sangue. Começamos a enxergar o milagre da salvação com
desdém, sem dar o valor devido ao que Cristo fez. Depois de descrever com
detalhes o plano eterno de salvação na carta ao Romanos (capítulos 1 a 11), o
apóstolo Paulo faz um clamor retumbante: “ROGO-VOS,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional”
(Rm. 12:1). Só alguém que entendeu o plano perfeito de redenção do pecador e
que se rendeu ao senhorio de Cristo, é capacitado pelo Espírito a realizar
sacrifícios espirituais que mortificam os desejos da carne e dos pensamentos
mundanos.
O
verdadeiro Cristianismo não se trata de acrescentar Jesus à minha vida. Em vez
disto, trata-se de devotar-me completamente a Ele, submetendo-me inteiramente à
sua vontade e procurando agradá-Lo, acima de todas as coisas. Isto demanda
morrer para mim mesmo e seguir ao Mestre, não importando o custo. Em outras
palavras, ser um cristão é ser um escravo de Cristo. E ser um escravo implica
sacrifício de caprichos pessoais e da autonomia da vontade. Há muitas canções
gospel que falam sobre rendição a Cristo: “Eu me rendo; rendo a ti minhas
vontades”. Mas biblicamente o que significa rendição? Rendição a Cristo implica
desistir de lutar contra a Sua autoridade e não mais oferecer resistência
diante da urgência em dar um basta nos hábitos escravizadores que precisam ser
extirpados da nossa vida.
Não
nos enganemos. A falta de sacrifícios espirituais não traz prejuízos somente
para o indivíduo, mas também para a coletividade na qual está inserido. É fácil
constatar que igrejas não amadurecem porque seus membros não estão fazendo os
ajustes necessários: onde estão os que se sacrificam pela causa de Cristo? Onde
estão aqueles que saem do comodismo para agir cortando na própria carne? Irmãos,
não precisamos de heróis ou salvadores da pátria. Necessitamos de crentes que
se sacrificam para uma vida de santidade e utilidade. Santidade é essencial,
mas é impossível caminhar nesta direção sem sacrifícios espirituais.
Até
que ponto nós estamos dispostos a sofrer as dores da santificação? A
santificação dói porque envolve sacrifícios. As dores da santificação dão
testemunho de que somos filhos de Deus. Não existe santificação sem direção, e
direção requer disciplina no sacrifício de nosso orgulho e paixões centradas em
nossos pretensos direitos. Muitas vezes somos ligeiros em identificar os
sacrifícios espirituais que outras pessoas devem fazer, na nossa avaliação. Ignoramos
que não é possível enxergar adequadamente com uma enorme trave em nossos olhos.
Sacrifícios são necessários para o equilíbrio no Corpo de Cristo, e quando não
há o potencial de dano torna-se evidente.
Uma
forte evidência de sacrifício espiritual é quando não reivindicamos direitos
diante de Deus e passamos a trilhar o caminho do arrependimento. O salmista
proclamou: "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado;
coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51:17). A
essência da vida cristã passa necessariamente pelo arrependimento e não é
possível arrependimento genuíno sem o sacrifício do nosso orgulho. É inviável
queremos avançar em contrição sem que antes sacrifiquemos o que temos de mais
precioso: os nossos direitos. Esta rebelde inclinação é uma afronta à cruz de
Cristo, que nos mostra o preço que foi pago para que não vivamos mais para nós
mesmos.