sábado, 28 de dezembro de 2019

Potencial de dano


Texto: Mateus 18: 1-9
Tema: Potencial de Dano

Introdução 1:
Em uma segunda-feira, 6 de agosto de 1945, às 8 horas e 15 minutos da manhã, a bomba atômica "Little Boy" foi lançada sobre Hiroshima por um bombardeiro B-29 americano, o Enola Gay, matando instantaneamente por volta de 80 mil pessoas. A bomba lançada sobre a cidade de Hiroshima era uma bomba nuclear de urânio-235 com uma potência estimada de 16 quilotons (1 quiloton = 1000 toneladas de TNT). Ela explodiu a uma altura de aproximadamente 570 metros do chão e provocou uma nuvem de fumaça que alcançou 18 km de altura. Sua explosão gerou uma bola de fogo com uma temperatura de aproximadamente 300.000 °C, atingindo um raio de 2 km de destruição, além de espalhar uma nuvem radioativa. Estima-se que houve mais de 140 mil mortes em decorrência das queimaduras e dos ferimentos causados pela explosão e dos danos causados pela exposição à radiação. O potencial destrutivo da bomba atômica era de causar espanto, mas nem mesmo seus criadores esperavam tanto.
Música ROSA DE HIROSHIMA: Pensem nas crianças/ Mudas, Telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas, inexatas/ Pensem nas mulheres/ Rotas, Alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas/ Mas oh! Não se esqueçam/Da rosa, da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/ Estúpida e inválida/A rosa com cirrose /A anti-rosa atômica/ Sem cor, sem perfume/ Sem rosa, sem nada. Essa música, em tom melancólico, expressa com poesia a força destrutiva da bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de rosa, por conta do formato de botão em flor, ou de cogumelo, da enorme nuvem de fumaça que se formou após a explosão. O ataque ao Japão não parou por aí, três dias depois outra bomba (de plutônio) foi jogada sobre a cidade de Nagasaki, os efeitos geraram milhares de mortes instantâneas e outras devido ao efeito radioativo. A bomba apelidada de Little boy, que significa "garotinho" em português, não tinha nada de diminutivo na sua capacidade devastadora.
Introdução 2: E por falar em potencial danoso, não podemos jamais esquecer que a Bíblia nos adverte que o pecado jaz à porta, mas cumpre a nós dominá-lo. Já em Gênesis o potencial de dano do pecado nos serve de alerta. O livro de Provérbio está repleto de princípios para evitarmos seguir pelo caminho da insensatez, conhecendo o potencial de danos que é próprio deste caminho. Os danos decorrentes de ações intempestivas são recorrentes na Bíblia, por exemplo quando Saul resolveu por conta própria ofertar bois e ovelhas ao Senhor em Gilgal (usurpando o papel exclusivo do sacerdote Samuel). O potencial danoso desta atitude de Saul custou-lhe a reprovação imediata do profeta (agiste nesciamente e não guardaste o mandamento que o Senhor) e ainda chancelou a perda do reino (agora, não subsistirá o teu reino).
No texto em epígrafe, temos mais uma advertência do Senhor Jesus aos discípulos que o seguiam. Esta dura advertência ressalta o potencial danoso que algumas atitudes trazem para dentro das relações humanas, e que acabam minando a vitalidade e o progresso dos redimidos. Jesus está sendo bastante direto, não deixando margem para interpretações ambíguas. Ele claramente alerta sobre o potencial de dano, sobre a insensatez que deve ser considerada nestas atitudes para não incorremos também nelas. Conhecendo as condutas que possuem um potencial danoso/lesivo, podemos fazer um diagnóstico se estamos incorrendo nelas. Buscar o arrependimento e clamar por perdão é o primeiro passo para não sermos veículos com tamanho potencial de causar danos. Em razão disso, afirmo o seguinte:

 “Neste texto, somos advertidos sobre inclinações cujo potencial de dano não deve ser ignorado”


1) Fomentar um conceito elevado de si próprio (Vs. 1-5)
EXPLANAÇÃO: O motivo do Senhor ter feito essa pergunta retórica acerca de quem era o maior do reino de Deus foi a constante disputa dos discípulos entre si para determinarem quem era o maior deles. É bem possível que os últimos acontecimentos tenham agravado esse problema, especialmente com referência a Pedro que andara sobre as águas com o Senhor e tenha sido aquele que representou o Senhor ao pagar o imposto do templo através de um milagre. O fato de Jesus ter compartilhado com eles acerca do seu futuro sofrimento e morte na transfiguração, não causou o devido impacto na vida deles, pois continuavam pensando em si mesmos e no cargo que ocupariam no reino de Deus. Eles estavam tão obcecados pela questão que chegaram mesmo a discutirem entre si (Lc.29.46). A condição de servos causava entre os discípulos muito mal-estar.
Os discípulos estavam pensando acerca do reino de Jesus em termos de um reino terreno e em si mesmos como os principais ministros de Estado. Essa distorção teológica dos discípulos perdurou até mesmo depois da ressurreição de Jesus (At 1.6). Percebamos que na pergunta "quem é o maior", que diz respeito a posição/relevância, está implícita outra pergunta: "quem é o melhor", que diz respeito a quem é o mais excelente para ocupar tal posição. Esta ladainha entre os discípulos não aconteceu apenas uma vez, e sempre que aconteceu recebeu a reprimenda de Jesus.
Quando Jesus fez essa pergunta, certamente eles ficaram aguardando com ansiedade que o Senhor dissesse quem era o maior, mas Jesus ignorando-os completamente chamou uma criança para junto de si, como a dizer, eis o exemplo da verdadeira grandeza. A criança é levantada como um ideal não de inocência, pureza ou fé, mas de humildade e de despreocupação por posição social. Jesus advoga a humildade de mente (v. 4), não a infantilidade de pensamento (cf. 10.16). A humildade de uma criança consiste principalmente em um estado de confiança e dependência. Notem o contraste que Jesus apresenta: por um lado havia um grupo de pretensos homens, que disputavam entre si para saber quem era o maior e do outro uma criança sem a menor preocupação com esse assunto. Essa é a atitude que Deus deseja que seus filhos adotem em relação a Ele. O estado de espírito moderno que prevalece atualmente, de autossuficiência e de sabedoria mundana e sofisticada, é inimigo de uma autêntica espiritualidade.
ILUSTRAÇÃO: Quem não se lembra da história de Hamã, aquele homem orgulhoso, descrito no livro de Ester. Ele tinha um conceito tão elevado de si mesmo que ao ser perguntado pelo rei sobre o que se deveria fazer a um homem a quem o rei quisesse honrar, pensando que se tratava dele (Hamã) disse: “Que seja vestido de trajes reais, e que desfile pelas ruas montado no cavalo do rei, sendo dito sobre ele: Esse é o homem a quem o rei deseja honrar.” A sugestão agradou ao Rei Assuero que mandou imediatamente que se fizesse o sugerido com o judeu Mordecai a quem Hamã odiava, além disso ele é quem conduziria o cavalo do rei anunciando Mordecai como o homem a quem o rei queria honrar.  Esse só foi o primeiro degrau na queda do orgulhoso Hamã, que terminou por morrer numa forca que ele preparara para Mordecai.
Vivemos num mundo onde a autoafirmação tem se tornado uma regra. As pessoas não se preocupam tanto em ser, mas em ser reconhecidos como tal. São pessoas que possuem uma necessidade íntima muito forte de impor-se à aceitação dos outros. Precisam estar sempre em destaque, como o centro das atenções, recebendo, é claro, constante aprovação dos que as cercam. A necessidade de autoafirmação, de estar sempre sendo reconhecido e elogiado pelos outros, faz com que a pessoa deixe de olhar verdadeiramente para dentro de si, o que a levaria a ter uma percepção equilibrada e realista de si mesmo. Vivendo na busca da autoafirmação, de reconhecimento externo, não sobra tempo para se trabalhar para ser. O caminho é o de se tornar um sepulcro caiado, tal como os fariseus. É obvio que essa conduta é um barril de pólvora e tem enorme potencial lesivo no Corpo de Cristo. Estamos errados ao badalar o sino a respeito de nossas qualificações, com o desejo de sermos reconhecidos. Quem tem habilidades não toca trombeta sobre si, mas simplesmente usa os seus dons como meios para a glória de Deus.
Por causa da queda, somos atraídos por visões enfatuadas, deturpadas e grandiosas de nós mesmos. Pessoas que fazem muita referência a si próprias (autoelogios) são danosas para o equilíbrio no Corpo de Cristo. O sábio Salomão já advertiu: “Seja outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios” (Pv. 27:2). Fazer comparações ministeriais sempre em proveito próprio indica um coração autocentralizado, que precisa da graça de Deus. Usando as palavras de Paulo, “não pense de si mesmo além do que convém" (Rm. 12:3). Paul Tripp escreveu: “A aclamação pública frequentemente é o viveiro para o crescimento da semente do orgulho espiritual.”
É impossível alguém se humilhar diante do Senhor se, ao mesmo tempo, estiver procurando se exaltar em relação aos outros. Tudo em nosso viver deve ser projetado para produzir maior humildade em nós. Devemos enxergar os irmãos não como oportunidades para trazer glória a nós mesmo, mas como pessoas a que podemos servir para trazer glória a Cristo. João Batista, a respeito de Cristo, proferiu um dos desafios mais importantes para todos nós: “Convém que Ele cresça e que eu diminua”. Até porque ao pé da cruz o terreno é plano, portanto, não deve existir espaço para autopromoção que cria divisões dentro da igreja. Somos servos, não soberanos. Somos ovelhas, não pavões. E diante do exemplo supremo de Cristo nenhum de nós pode jamais dizer que está se humilhando demais. Nenhum de nós pode dizer: “Chega! Eu mereço algo melhor, agora é a vez de ser servido e aclamado.”
O sentimento de superioridade, seja ele consciente ou não, sempre começará a eliminá-lo do ministério protetor e santificador essencial do corpo de Cristo. Você começa a se enxergar como alguém que não precisa dos demais, que é bastante a si mesmo, quase uma igreja ambulante com todos os dons necessários. Precisamos lutar continuamente contra o perigo da síndrome de celebridade. Somos rodeados por espelhos curvos que têm o poder de dar uma visão distorcida de nós mesmos. Por isso somos carentes da graça todos os dias, para que o evangelho de Cristo nos humilhe e nos revele de fato quão pequenos e fracos nós somos. Olhar para o exemplo de Cristo (kenosys=autoesvaziamento) deve nos constranger diariamente. Em mais um paradoxo da fé, a verdadeira grandeza pertence ou faz parte da disposição de ser o último e servo de todos.
A luta do discípulo em busca de poder ou primazia entre os seus pares denota a confusão que está se fazendo do reino dos céus como um tipo de reino terreno, político, que propicia posições de poder. Quantas vezes as disputas por primazia na igreja do Senhor fazem o povo de Deus enfermar? É terrível o potencial de dano trazido pela prática da autoexaltação e egocentrismo que gera disputas e divisões no corpo de Cristo, assim como aconteceu em Corinto. De Deus somos todos cooperadores; a lavoura é de Deus e o crescimento vem dEle somente. Portanto não sobra espaço para vanglória, pois "nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1 Cor. 3:7). Quando vamos abandonar as práticas infelizes de buscar posição como se estivéssemos concorrendo entre nós quem é o melhor? De fato, já passou da hora de nos portarmos como servos, não como senhores na obra do Mestre, tais como crianças despretensiosas.


2) Causar algum estorvo espiritual a outrem (Vs. 6,7)
EXPLANAÇÃO: Os versículos de 6 a 9 estão unidos pela palavra grega eskandalon (pedra de tropeço) e seu respectivo verbo eskandalizo (tropeçar). O Senhor inicia a fala registrada no versículo 6 com o pronome “qualquer” seguido que fizer tropeçar... Isso significava que nenhum dos discípulos estava isento da possibilidade de fazer alguém tropeçar. No entanto fazer alguém tropeçar é uma ação insensata por sua falta de amor e misericórdia e pelo juízo que tal ação evoca. Para descrever o peso do juízo que virá sobre aquele que faz o outro tropeçar, Jesus diz que seria preferível que se pendurasse ao pescoço dessa pessoa uma grande pedra de moinho e que fosse afogada na profundeza do mar. Geralmente as pedras no pescoço eram adereços, aqui por mais que ilustra um duro juízo terreno não se compara com o celestial. O mundo é um lugar de pecado (jaz no maligno) e consequentemente é até compreensível que seja também um lugar de escândalos, no entanto ai do mundo por causa disso e ai daqueles que patrocinam esses escândalos. A questão dos escândalos apresentada neste texto por Mateus é diferente da abordagem apresentada por Paulo em 1 Coríntios. Na questão da carne sacrificada aos ídolos prevalece a questão de sermos cautelosos em não prejudicar a fé de alguém com consciência fraca, isto é, uma consciência ainda não treinada e fortalecida nos princípios doutrinários. Já aqui em Mateus o que está em voga são as atitudes deliberadas de causar tropeços na vida de alguém, seja por mau testemunho ou por alguma palavra que gere prejuízos à carreira cristã de outro irmão. Armar ciladas e induzir ao erro é uma praxe no mundo, mas não deveria ser entre o povo de Deus.
ILUSTRAÇÃO: A imagem do ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima sendo agarrado por um ex-padre irlandês nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, ficou mundialmente conhecida. Na ocasião, Vanderlei liderava a prova com uma diferença de 150 metros do italiano Stefano Baldini, mas perdeu metade do seu tempo de vantagem quando foi empurrado por Neil Horan, ex-pároco da igreja católica da Irlanda.  Desconcentrado pelo susto, o brasileiro foi ultrapassado e ao final da prova subiu ao pódio para receber o bronze.
O escândalo é uma pedra de tropeço para as pessoas. É uma conspiração contra o bom testemunho. É negar a fé não com palavras, mas com atitudes. A vida do cristão é sua mensagem mais eloquente. Portanto, falar contra o pecado em público e praticá-lo em secreto é uma abominação diante de Deus e uma pedra de tropeço diante dos homens.  Acautelemo-nos, pois o pecado mais escondido na terra é um aberto escândalo no céu. (Hernandes Dias Lopes). Quando aqueles que conhecem a Deus desviam-se da verdade, caem na iniquidade, e praticam os mesmos pecados daqueles que não o conhecem, tornam-se pedra de tropeço, como está ilustrado nos Salmos e nos profetas: “Teimam no mau propósito; falam em secretamente armar ciladas; dizem: Quem nos verá? Projetam iniquidade, inquirem tudo o que se pode imaginar; é um abismo o pensamento e o coração de cada um deles.” (Salmo 64: 5-6) “Flecha mortífera é a língua deles; falam engano; com a boca fala cada um de paz com o seu companheiro, mas no seu interior lhe arma ciladas.” (Jr. 9:8)
E difícil conceber como Jesus poderia ter dado um aviso mais solene sobre o horror de levar outro cristão que está se desenvolvendo a errar e ser seduzido pelo pecado por causa da influência de alguém. A necessidade de uma vida consistentemente santa deve despertar a nossa atenção como as luzes que piscam no cruzamento de uma estrada de ferro. Faremos bem em dar atenção a esse aviso. Quando formos tomar alguma atitude devemos refletir com cautela, averiguando se aquela atitude pode se constituir causa de tropeço para alguém. E não se trata de viver pisando em casca de ovo, num ambiente cheio de pessoas hipersensíveis. O alerta que Jesus faz é sobre causar deliberadamente um tropeço, uma situação que traga prejuízo ao próximo, de modo a envergonhar a causa de Cristo e o progresso da fé de alguém. Com base em outros textos do Novo Testamento, o alerta envolve cautela redobrada por parte daqueles que estão em posição de liderança ou de ensino na igreja. Sabemos que o exemplo é um fator de influência bastante significativo para os irmãos na fé, por isso cultivar a prudência é sempre necessário e salutar para o bem do equilíbrio no corpo de Cristo.
As causas de tropeço podem ser várias, mas a que por inferência é mencionada aqui é a ambição orgulhosa, como a que acabara de ser manifestada pelos discípulos. No texto paralelo do evangelho de Marcos traz à baila também os efeitos perniciosos do preconceito (Mc. 9:38-41). A Bíblia nos mostra, em especial em Provérbios e na epístola de Tiago, que um enorme potencial de dano está na questão do falar.Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça (ou não causa tropeços) no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (Tg. 3:2). Com a língua podemos causar grandes incêndios e trazer prejuízos incalculáveis para outros irmãos. Podemos levar pessoas a terem uma visão pequena de Deus se nossas palavras forem uma deturpação do Evangelho. Podemos influenciar pessoas a romperem amizades se o nosso falar estiver corrompido com preconceitos e maldade. Podemos destruir um casamento alicerçado por tantos anos, por meio de uma mentira calculada ou um falso testemunho. Podemos inviabilizar a coexistência pacífica dentro da igreja. Podemos menosprezar pessoas feitas à imagem de Deus, atacando a dignidade inerente à condição de criatura. Sendo assim, todo cuidado é pouco com a questão da língua. O salmista Davi faz uma pergunta e ele mesmo responde: “Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem? Refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente” (Salmo 34: 12-13). O médico diz:  "Você é o que come".  O psicólogo diz:  "Você é o que sente". O educador físico diz: "Você é o que transpira". O filósofo diz: "Você é o que pensa". O professor diz: "Você é o que estuda". E Tiago, na sua epístola no NT, diz: "Você é o que fala". Conhecemos, de fato, o tremendo potencial de causar tropeços da nossa língua?
Por outro lado, também podemos ser causa de tropeço quando somos omissos. A vida do cristão não deve ser causa de tropeço nem por ação e nem por omissão. A omissão é claramente reprovada em Tiago 4:17:  “Aquele, pois, que sabe que deve fazer o bem e não o faz comete pecado.” Omissão é não assumir a responsabilidade ou não adotar a postura adequada diante de alguma requisição da parte do Senhor. E assim, podemos levar outros a tropeçar por conta de uma situação que exige um posicionamento correto e embasado nas Escrituras e deixamos de agir. Martinho Lutero, quando estava sendo confrontado pelas hostes do papa Leão 10, disse: “Você não é responsável apenas pelo que diz, mas pelo que não diz também.”  Toda a vida do crente deve ser mantida e nutrida com responsabilidade, ciente do bom propósito de glorificar a Cristo somente.
De fato, a responsabilidade pelo pecado é pessoal e intransferível. Cada um que cair dará contas de si mesmo ao Senhor. Mas não podemos utilizar deste argumento de defesa quando agimos erroneamente e, por causa disso, outros venham a tropeçar na carreira cristã. Como membros do Corpo de Cristo somos interdependentes e, portanto, responsáveis também pela saúde e progresso espiritual de irmãos na fé. Criar tropeços, ciladas ou induzir maliciosamente obras malignas não é próprio do cidadão celestial, que está rumando para encontrar-se com Cristo na glória. Levar outra pessoa a fracassar, seja por mau exemplo, orgulhosa ambição, por indiferença, ou outra coisa qualquer, tem um potencial de dano enorme para a igreja do Senhor. Precisamos cuidar uns dos outros, e este cuidado protetor envolve nutrir relacionamentos que sejam sólidos o suficiente para não levarmos ninguém a tropeçar na fé. Cuidemos com redobrada atenção de nossas palavras e de nossas ações, para não servimos ao príncipe das trevas induzindo outros ao erro.


3) Poupar a si próprio de sacrifícios espirituais (Vs. 8,9)
EXPLANAÇÃO: Usar as mãos, os pés e os olhos para pecar é uma loucura consumada. As mãos que agem, os pés que andam e os olhos que veem dever estar a serviço do bem, e não do mal; da santidade, não da iniquidade. O que fazemos, aonde vamos e o que vemos pode constituir-se armadilha para a nossa alma. Jesus não ensina a amputação física, mas o radical enfrentamento do pecado. A pé, mão e olhos representam a própria pessoa em suas várias formas de expressão. Toda vez que os pés se desviam do caminho, isso acontece porque o coração também se desviou. Se não houvesse pecado no coração, o pé, a mão e os olhos não se tornariam, tão facilmente, instrumentos do pecado. Uma personalidade santa terá pés, mãos e olhos santos. Portanto, Jesus está insistindo para que a resistência seja vencida a fim de que nos tornemos santificados através do sacrifício daquilo que atrapalha o progresso na fé. Se alguma coisa no caminho nos impede de seguir a Jesus, precisamos nos livrar disso.
Renunciar àquilo que parece ser o nosso direito natural, seja representado pelo pé, mão, ou pelos olhos, não é tarefa fácil e feita de bom grado. Mas, é melhor salvar um homem deformado do que perder um homem “completo”. Jesus reforça que devemos ser radicais na remoção de qualquer obstáculo que se interponha entre nós e Deus, por meio de renúncia e autossacrifício. Na luta contra a natureza de Adão que ainda reside em nós não podemos ser indolentes ou letárgicos. Sem dúvida, o sacrifício literal de mão, pé ou olho não resolverá os problemas da tentação e do pecado, mas a ilustração é clara. Da mesma forma como se sacrifica um órgão do corpo para salvar a vida física, também qualquer disciplina, por severa que seja, não é preço muito grande a ser pago pela vitória sobre os tropeços. O inferno está reservado para aqueles que nunca fizeram sacrifícios espirituais, porque de fato os tais nunca nasceram de novo pelo poder do Espírito de Deus. Só quem é capacitado pelo Espírito pode produzir frutos e realizar sacrifícios que glorifiquem ao Pai, através da mediação do Filho.

ILUSTRAÇÃO: Conta-se que na Primeira Guerra Mundial um jovem soldado francês foi seriamente ferido. Seu braço havia sido quebrado em várias partes e teve que ser amputado. Ele era considerado um soldado de grande coragem e o cirurgião lamentou profundamente o fato de, ainda muito jovem, ter o corpo mutilado. Ele aguardou ao lado da cama do soldado para lhe dar as más notícias quando recuperasse a consciência. Quando o rapaz abriu os olhos, o cirurgião lhe falou: “Eu sinto muito lhe dizer, mas você perdeu o seu braço.” “Senhor,” falou o rapaz, “eu não perdi o meu braço, eu o dei – pelo meu país, a gloriosa França.” Sacrifícios, será que somos capazes?  Frank Farley, um antigo político cristão norte americano disse: “Grande parte de nosso cristianismo atual está encharcado de sentimentos, mas desprovido de sacrifícios.”  O estudioso britânico do Novo Testamento Ralph Philip Martin disse:  “O sinal do amor que professamos pelo evangelho é a medida do sacrifício que estamos dispostos a fazer para ajudar o seu avanço.” John MacArthur vem reforçar essa mesma concepção: “O verdadeiro evangelho é um chamado para o autossacrifício e não para a autorrealização”.
Algo só pode ser considerado sacrifício se nos custa alguma coisa. Não vale dizer que somos cristãos sacrificiais, se na hora “H” nos deixamos levar pela autoproteção desenfreada. Para seguir o caminho do sacrifício das próprias vontades o discípulo tem que compreender que é um doulos (escravo, no grego). Nas Escrituras, a descrição que prevalece sobre o relacionamento dos cristãos com Jesus Cristo é a relação escravo/mestre. Ser escravo de alguém, significava ser sua possessão, sujeito a obedecer suas vontades, sem hesitação ou questionamentos. Os primeiros cristãos se contentavam em considerar a si mesmos como absoluta propriedade de Cristo, comprados por Ele, possuídos por Ele, e estando totalmente ao seu dispor.  Somos seus escravos, chamados a obedecê-Lo e honrá-Lo, com humildade e de todo o coração. Somente assim, entenderemos que os sacrifícios espirituais são importantes para sermos agradáveis ao nosso Mestre.
         O potencial de dano de não realizarmos sacrifícios espirituais em nossa vida é evidente. Quanto mais alimentamos vontades carnais e centradas no “eu”, mais cresce a nossa autonomia. Quanto mais alimentamos caprichos pessoais, mais tropeçamos e levamos outros a tropeçar. Passamos a viver sem a devida consideração para com o Senhor que nos comprou com seu precioso sangue. Começamos a enxergar o milagre da salvação com desdém, sem dar o valor devido ao que Cristo fez. Depois de descrever com detalhes o plano eterno de salvação na carta ao Romanos (capítulos 1 a 11), o apóstolo Paulo faz um clamor retumbante: “ROGO-VOS, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm. 12:1). Só alguém que entendeu o plano perfeito de redenção do pecador e que se rendeu ao senhorio de Cristo, é capacitado pelo Espírito a realizar sacrifícios espirituais que mortificam os desejos da carne e dos pensamentos mundanos.
O verdadeiro Cristianismo não se trata de acrescentar Jesus à minha vida. Em vez disto, trata-se de devotar-me completamente a Ele, submetendo-me inteiramente à sua vontade e procurando agradá-Lo, acima de todas as coisas. Isto demanda morrer para mim mesmo e seguir ao Mestre, não importando o custo. Em outras palavras, ser um cristão é ser um escravo de Cristo. E ser um escravo implica sacrifício de caprichos pessoais e da autonomia da vontade. Há muitas canções gospel que falam sobre rendição a Cristo: “Eu me rendo; rendo a ti minhas vontades”. Mas biblicamente o que significa rendição? Rendição a Cristo implica desistir de lutar contra a Sua autoridade e não mais oferecer resistência diante da urgência em dar um basta nos hábitos escravizadores que precisam ser extirpados da nossa vida.
Não nos enganemos. A falta de sacrifícios espirituais não traz prejuízos somente para o indivíduo, mas também para a coletividade na qual está inserido. É fácil constatar que igrejas não amadurecem porque seus membros não estão fazendo os ajustes necessários: onde estão os que se sacrificam pela causa de Cristo? Onde estão aqueles que saem do comodismo para agir cortando na própria carne? Irmãos, não precisamos de heróis ou salvadores da pátria. Necessitamos de crentes que se sacrificam para uma vida de santidade e utilidade. Santidade é essencial, mas é impossível caminhar nesta direção sem sacrifícios espirituais.
Até que ponto nós estamos dispostos a sofrer as dores da santificação? A santificação dói porque envolve sacrifícios. As dores da santificação dão testemunho de que somos filhos de Deus. Não existe santificação sem direção, e direção requer disciplina no sacrifício de nosso orgulho e paixões centradas em nossos pretensos direitos. Muitas vezes somos ligeiros em identificar os sacrifícios espirituais que outras pessoas devem fazer, na nossa avaliação. Ignoramos que não é possível enxergar adequadamente com uma enorme trave em nossos olhos. Sacrifícios são necessários para o equilíbrio no Corpo de Cristo, e quando não há o potencial de dano torna-se evidente.
Uma forte evidência de sacrifício espiritual é quando não reivindicamos direitos diante de Deus e passamos a trilhar o caminho do arrependimento. O salmista proclamou: "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51:17). A essência da vida cristã passa necessariamente pelo arrependimento e não é possível arrependimento genuíno sem o sacrifício do nosso orgulho. É inviável queremos avançar em contrição sem que antes sacrifiquemos o que temos de mais precioso: os nossos direitos. Esta rebelde inclinação é uma afronta à cruz de Cristo, que nos mostra o preço que foi pago para que não vivamos mais para nós mesmos.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Política na igreja

"Sejamos honestos, existem lutas demais pelo poder na igreja local. O ministério do evangelho facilmente se torna politizado. O orgulho o leva a uma fome pelo poder (mesmo que você nem saiba disso); a fome pelo poder leva você a ajuntar aliados ministeriais, e o desejo de controle o leva a localizar inimigos ministeriais. De alguma maneira, o ministério do evangelho tem se tornado um campo de batalha político pelo poder humano. Esta é uma forma de ministério que tem perdido o seu centro. Jesus saiu do recinto. Um rei está sendo colocado à frente, mas não o Rei. Um reino está sendo edificado, mas não o Reino. Se, como pastor, você está sendo pastoral, está fazendo isso por outros; mas se, como pastor, você se tornou político, está fazendo isso para si mesmo."

Paul Tripp, no livro Vocação Perigosa

A verdade sobre a santidade

Como filhos obedientes, não se deixem amoldar pelos maus desejos de outrora, quando viviam na ignorância. Mas, assim como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito: “Sejam santos, porque eu sou santo”. (1 Pedro 1:14-16)

Por que é tão importante para nós, que buscamos sua vontade, saber que Deus é santo?
Primeiramente porque sua santidade nos diz que ele é absolutamente digno de confiança.
Sendo santo, Deus nunca vai tirar vantagem de seus filhos. Ele nunca vai abusar de nós, nos manipular ou nos desviar do caminho. Sua vontade pode parecer misteriosa, mas nunca está errada. Esse ser santo, sem pecado, não pode fazer o mal. Eu e você podemos confiar que ele fará sempre aquilo que é certo, o tempo todo.
Segundo, sua santidade nos garante que ele não tem segundas intenções nem motivações questionáveis.
Você não precisa se preocupar quando Deus o estiver conduzindo na vontade dele. Será que o tiro vai sair pela culatra? Será que, de alguma forma, isso vai agir contra mim? Sua santa vontade está acima de questionamentos.
Terceiro, sua santidade representa um modelo de perfeição.
Nosso Deus não tem nenhuma falha, oculta ou declarada, dita ou registrada. Nem mesmo indiretamente.
Pelo fato de Deus ser totalmente santo, Ele nunca se envolveu em nossos atos pecaminosos, nem mesmo de modo indireto. Isso é simplesmente impossível. Ele não apenas não pode ser tentado, como não tenta ninguém. É isso mesmo, Ele não pode. Sua santidade impede que isso aconteça.

Charles R. Swindoll

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Vocação


O sentido da vocação é um dos sentidos superiores do homem. É o sentido que o leva a realizar com interesse e denodo as maiores empresas. Nos momentos sombrios, proporciona-lhe luz; nos transes difíceis, incute-lhe novo ânimo. Vejamos três verdades importantes sobre a vocação.

Em primeiro lugar, a vocação é o vetor que rege nossas escolhas. Vivemos em uma sociedade embriagada pelo lucro. As pessoas são valorizadas pelo que possuem, e não pela dignidade do caráter. O dinheiro e o lucro tornaram-se os vetores das escolhas profissionais. No mercado global e consumista, o lucro é o oxigênio que rega os pulmões da sociedade. A riqueza em si não satisfaz, mas o senso do dever cumprido, movido pela alavanca da vocação, traz uma alegria indizível. 

Em segundo lugar, a vocação é a consciência de estar no lugar certo, fazendo a coisa certa. O problema da vocação é talvez o problema social mais grave e urgente, aquele que constitui o fundamento de todos os outros. O problema social não é apenas uma questão de divisão de riquezas, produtos do trabalho, mas um problema de divisão de vocações, modos de produzir. Que tragédia quando grande quantidade de homens de um país  procura cargos, em vez de vocações! 

Em terceiro lugar, a vocação pode ser tanto um pendor quanto um chamado. Em geral, encontra-se a vocação por um destes dois meios: o descobrimento de uma capacidade especial, ou a visão do uma necessidade urgente. A vocação para o ministério é um chamado específico de Deus, conjugado por uma necessidade urgente e uma capacitação especial.


Hernandes Dias Lopes
No livro: DE PASTOR PARA PASTOR

terça-feira, 20 de agosto de 2019

■ Esperar é preciso

Vivemos sob a tirania da pressa. Não fomos treinados na virtude da paciência, nem na disciplina da espera. A tecnologia encurtou as distâncias e eliminou o tempo de espera. A eficiência da tecnologia está na rapidez com que as informações e os serviços são oferecidos. Em um mundo de conexões ultrarrápidas e instantâneas, esperar é um ato de resistência.

O problema que os discípulos de Cristo enfrentam é que a pressa não forja uma fé madura, mas sim cristãos ansiosos, manipuladores e inseguros. O processo que nos leva a confiar menos em nós e mais em Deus é lento, e nele aprendemos que Deus não está preso à pressa neurótica da nossa cultura. Esperar é uma disciplina espiritual e uma necessidade humana. Viver é, em grande medida, esperar, mas nós não sabemos e nem queremos esperar.

A espera sempre foi um princípio para a experiência de oração do povo de Deus. Os salmos nos ajudam a perceber o quanto o povo de Deus precisou da virtude da paciência enquanto aguardava as respostas de suas orações e o cumprimento das promessas de Deus. Somos ensinados a resistir às pressões dos atalhos, da fé fundamentada em falsas promessas e permanecer aguardando o cumprimento da palavra de Deus.

Alguns exemplos: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Salmo 42:5). “Esperei confiantemente pelo Senhor; ele se inclinou para mim e me ouviu quando clamei por socorro” (Salmo 40:1).

Precisamos aprender com os salmistas: clamamos por socorro e esperamos silenciosamente a manifestação da misericórdia de Deus. Entre a nossa oração e o socorro de Deus existe um tempo necessário ao fortalecimento da musculatura da fé.


Pr. Ricardo Barbosa

sábado, 8 de junho de 2019

Fome e sede de justiça


O homem que mostra não ter fome e sede de justiça (Mt. 5:6) é porque está cheio (empanturrado) de justiça própria. Sendo assim, ele enxerga a si mesmo com um grau superlativo e despreza a verdadeira justiça que procede da Palavra de Deus. Tal fome e sede de justiça brota somente de um relacionamento efetivo com o Senhor, isto é, não acontece de modo automático na vida de ninguém. Então, para aquele que se acha autossuficiente e bastante em si mesmo, não há espaço para buscar afeições santas e piedosas com base nos justos e verdadeiros caminhos de Deus. Este homem escolhe seguir os seus próprios conselhos e caminhos, sem considerar o que Deus diz por meio das Escrituras, corretamente interpretadas e aplicadas.

A sequência das bem-aventuranças em Mateus 5 comprova este argumento. Vejamos: somente alguém que se considera sem crédito pessoal algum diante de Deus (pobre de espírito), que chora por sua precária situação de miserável pecador, que não se vangloria de si mesmo e está sempre disposto a ouvir e aprender (manso), será aquele que amará a justiça que Deus requer na Sua santidade. Primeiro somos confrontados a descer do pedestal de orgulho que erigimos em nossos corações, para que então sejamos famintos e sedentos daquilo que honra a Deus.

Portanto, é impossível que tenhamos fome e sede da genuína justiça se já estamos fartos com as opiniões humanistas e as receitas de sucesso que se ancoram na idolatria do eu. Como iremos ansiar por aquilo que satisfaz verdadeiramente nossas almas, se o que nos enche é a nossa imagem prepotente que cultivamos tão cuidadosamente diante dos homens? As guloseimas que o ego tem a oferecer nunca trarão real satisfação para o cristão, por isso ele ama a justiça e almeja ser cada vez mais parecido com Cristo. Sendo assim, devemos nos alimentar diariamente da provisão substancial que nutre as nossas almas para exercermos com vigor a missão que o Senhor nos confiou de sermos uma bênção para a glória do Seu Nome excelso.

INDEPENDÊNCIA É ILUSÃO



Um dos tristes resultados do pecado é que ele nos leva, em algum momento da vida e de alguma forma, a aceitar a ilusão da independência. Independência é o que a serpente vendeu a Adão e Eva, mas essa independência é tão falsa quanto uma nota de três reais. A moeda falsa da independência é a recompensa que o inimigo continua a tremular diante de cada um de nós. A mentira é mais ou menos assim: “Você pode ser qualquer coisa que quiser ser ou fazer, qualquer coisa”! Essa mentira tem o objetivo de nos fazer crer que somos mais sábios e justos do que realmente somos. Ela nos faz pensar que não fazemos coisas maléficas porque existe algo ruim dentro de cada um de nós, mas por causa das pressões externas com as quais somos forçados a lidar. Essa mentira tenta nos convencer de que somos capazes e merecemos recompensas.

A Bíblia deixa muito claro que a procura por independência nunca termina em independência; ela termina em escravidão. Por quê? Porque fomos cuidadosamente projetados pelo Criador para vivermos em um relacionamento dependente, obediente e adorador com Ele, e em relacionamento humilde e interdependente com outros seres humanos. A procura por independência não é apenas um erro espiritual, ela é uma negação fundamental da nossa humanidade. A busca por independência sempre nos deixa dependentes de uma lista de coisas para as quais nós olhamos, em vez de esperança, vida, força e descanso. Numa tentativa vã de nos enganar achando que somos independentes, nos tornamos viciados em coisas que iludem, as quais jamais darão descanso ao nosso coração.

O Salmo 23 nos ensina, entre outras coisas, que somos pessoas com uma necessidade constante e urgente da ajuda do bom Pastor. E mesmo que andemos com Deus durante mil anos, continuaremos necessitando da Sua ajuda tanto quanto necessitamos no primeiro dia em que fomos socorridos por Sua forte mão. A única maneira de você encontrar descanso no Pastor divino é fugindo da ilusão da independência. Por que você não faz isso com maior frequência em sua vida.


Texto adaptado de Paul Tripp
Livro: Abrigo no temporal

terça-feira, 28 de maio de 2019

Pecado bom é pecado morto


"Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis" (Rm. 8:13)

Ficou famoso o bordão utilizado por várias pessoas quando se trata do combate à criminalidade: "bandido bom é bandido morto." Não entrando na questão política e social que sustenta a discussão em torno do tema, é interessante buscar a analogia que podemos extrair deste bordão. Certamente o pecado será sempre um inimigo a ser combatido em prol da saúde da nossa alma. E como bem sabemos o pecado é um bandido audacioso, que rouba a nossa alegria, mata a nossa vitalidade espiritual e sequestra a nossa paz de consciência. Não podemos baixar as armas espirituais quando se trata do velho homem feroz e do pecado que tenazmente nos assedia. Seja por ação, omissão ou pensamento, devemos estar atentos a todas as emboscadas em que o pecado bandido quer nos surpreender. Sabemos que a luta é ferrenha, envolve esforço e dedicação sempre crescentes, uma vez que o pecado será um inimigo que não desiste fácil dos seus ataques. Em cada momento da vida, desde o momento em que acordamos de manhã, faz-se necessário revestir-nos dos frutos do Espírito, a fim de que o pecado não tenha espaço para seus ataques insidiosos ao nosso coração.

Os feitos do corpo, no linguajar paulino, representam esta tendência pecaminosa humana que busca dominar o homem, fazendo refém de práticas afrontosas à santidade de Deus. Mas é plenamente possível mortificarmos os feitos do corpo, mediante o poder e a dependência do Espírito Santo, de quem decorre o selo que em cada crente foi posto pela misericórdia divina. Nada ou ninguém pode nos separar do amor que nos alcançou pela graça do Senhor, e, portanto, temos os recursos espirituais que nos foram disponibilizados para não cedermos ao pecado e às suas ardilosas investidas sobre nós.

Temos que deixar de lado a indolência quando o assunto é lutar contra aquilo que em nós busca resistir à autoridade do Senhor. Crentes indolentes são presas fáceis ao mundo, à carne e ao diabo, pois não fazem uso adequado dos recursos espirituais disponíveis para mortificação dos feitos do corpo. Por isso, os enganos do coração pecaminoso ganham musculatura e vencem facilmente as investidas, levando o cristão a um estado de mediocridade espiritual. Sem alegria, sem ânimo e sem a paz que excede o entendimento habitando em sua alma, fica difícil fazer frente ao pecado e suas artimanhas. Sendo assim, é urgente que adotemos a frase “pecado bom é pecado morto” não como mais um chavão decorado, mas como uma prática diária que nos levará à maturidade espiritual e nos fará cada vez mais resistentes em nossa luta contra o pecado.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Lidando com o dinheiro

O dinheiro, o que ele pode fazer e o que ele pode oferecer nos lembram que este é um mundo de engano e perigo. As coisas nem sempre são o que parecem. E não há mentira mais danosa do que a que diz que a vida pode ser encontrada em algum lugar fora do Criador. O dinheiro pode funcionar como um ingrediente de um estilo de vida que, na prática, se esqueça da existência de Deus e de Seu plano. Quantas pessoas têm acreditado nessa mentira e acabado com o coração e bolso vazios? A luta contra o amor ao dinheiro no coração de cada um de nós é um lembrete constante de que ainda vivemos em uma zona perigosa.

O dinheiro é uma janela muito precisa para aquilo que realmente é importante para nós. Ele expõe o fato de que, deste lado da eternidade, é difícil manter em nosso coração, como importante, aquilo que Deus diz que verdadeiramente o é. Há uma tendência perigosa no coração de cada um de nós de as coisas ganharem significado além de seu real significado e começarem a comandar os pensamentos, desejos e a lealdade do nosso coração. Se olharmos humildemente, o desejo pelo dinheiro e o uso que fazemos dele nos ajudarão a ver o que está tentando governar nosso coração. Em outras palavras, o dinheiro pode financiar nossa lealdade ao reino do eu.

Precisamos entender que os problemas financeiros são mais profundos que o tamanho do salário ou a especificidade do nosso orçamento, pois estão enraizados em problemas no coração (Mateus 15.19-20).  Algumas perguntas-chaves servem para revelar o equilíbrio ou desequilíbrio quanto à questão do dinheiro em nossas vidas: o nível de nosso contentamento sobe e desce de acordo com a quantidade de dinheiro que temos disponível? Ficamos felizes em dar, mesmo em épocas em que não temos muito? Quando dispomos de algum dinheiro extra qual o nosso sonho de consumo? Somos prontos, desejosos e rápidos em expressarmos generosidade? Façamos um exercício pessoal: procurar a base bíblica para nossas respostas honestas a estas perguntas.

Adaptado de Paul Tripp

A BELEZA DA GRAÇA


A beleza da graça é que ela não apenas nos resgata, ela nos coloca em nosso lugar. A graça nos humilha quando abre nossos olhos para o fato de que nem tudo se refere a nós. A graça nos faz amar o Rei em vez de querer ser o rei. Ela expõe o quanto somos sujos e espiritualmente necessitados. Ela nos recebe em um reino muito maior e mais belo que o nosso. A graça nos capacita a investir em coisas eternas, não nos prazeres temporários que consumiriam todo o nosso tempo e dinheiro. A graça nos faz sentir pequenos sem nos sentir sozinhos ou abandonados. Ela nos diz que somos pobres enquanto nos oferece riquezas maiores que as que conhecemos. A graça nos faz entender o perigo que somos a nós mesmos e a profundidade de nossa necessidade momento a momento. A graça revela o quanto nosso coração é instável, sem jamais ridicularizar nossa fraqueza. A graça não apenas nos humilha uma vez, mas repetidamente, quando nosso coração orgulhoso nos coloca no centro de novo.

Somente a graça pode fazer crescer em nosso coração as coisas que progressivamente nos libertam da escravidão do amor ao dinheiro ou a qualquer outra coisa que desafie o governo que só Deus deve ter. Somente a graça pode transformar uma pessoa cheia de direitos em uma pessoa grata. Somente a graça pode transformar um coração exigente e invejoso em um coração verdadeiramente contente. Somente a graça pode nos fazer pacientes, livres de um coração que quer o que quer agora. Somente a graça no capacita a sermos compassivos, capazes de ver as necessidades dos outros e cuidar delas, em vez de sermos dominados pelo que é nosso. Somente a graça pode transformar esse falso rei em alguém que investe seu tempo e seu dinheiro a serviço do Rei.

        Que possamos concluir a respeito de nossas vidas o mesmo que Paulo concluiu: “Pela graça de Deus, sou o que sou, e a graça que Ele me deu não tem sido inútil” (1 Cor 15:10a). Exaltemos sempre a beleza da graça em nos redimir e nos santificar para sermos úteis ao Rei dos reis.

Adaptado de Paul Tripp

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Santo temor e integridade


O Senhor trabalha efetivamente em nós quando nos exercitamos em vidas disciplinadas e submissas a Ele. Com isto quero dizer que a disciplina espiritual (exercícios regulares) é fundamental para o progresso na fé. De maneira simples, podemos afirmar que autodisciplina é a disposição de subordinar interesses pessoais egoístas aos interesses eternos do nosso Deus. Mas toda a disciplina empregada pode se transformar em autoengano se não estiver embasada em um genuíno relacionamento com o Senhor.

Uma vida de compromisso com Cristo não será marcada por concessões ao pecado, pelo contrário, haverá santas afeições e disposições no sentido de agradar aquele que por nós ofereceu-se como sacrifício. Se não há integridade em nossas ações, o arrependimento é o caminho para realinhar a consciência diante do Senhor, que nos conhece perfeita e totalmente. Visto que não há nada que possamos esconder do Senhor, a confissão humilde atesta o reconhecimento de nossa fragilidade diante dEle. Somente mediante uma postura de contrição é possível entender a malignidade do pecado que cometemos contra Deus, que em Sua santidade não pode contemplar o mal. Portanto, a qualidade da vida cristã perpassa necessariamente por arrependimento contínuo e dependência constante das verdades libertadoras do Evangelho.

O salmista adverte sobre a importância do santo temor de ofender a Deus ou pecar contra Ele: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam” (Salmo 111:10). Uma das salvaguardas que nos ajudam a sermos preventivos na vida cristã é a escolha do temor saudável, do assombro e do respeito por Deus. Tal reverência nos motiva e nos coloca em guarda de modo que não tropecemos e percamos nossa alegria. Ela também nos dirige de maneira que não ofendamos ao Senhor, não comprometamos a integridade do nosso testemunho diante dos incrédulos ou neguemos nossa utilidade e ministério na vida de outros crentes no corpo de Cristo.

A graça do Senhor é sempre abundante para nos tirar do tremedal de lama do pecado e fortalecer nossos pés sobre a rocha das promessas bíblicas. Sendo assim, confiemos na verdade eterna de que há perdão disponível para aqueles que se arrependem de seus caminhos tortuosos e reconhecem a única fonte de verdadeira alegria: o próprio Deus gracioso e bom.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Comunhão com o Senhor


Texto: Salmo 32:1-5
Tema: Comunhão com o Senhor

A comunhão como Senhor é um grande privilégio daqueles que desfrutam a filiação. Mas nem todo filho faz uso dos meios de graça para estar em comunhão com o Pai. Como filhos do Pai amoroso, devemos nutrir o anelo sempre crescente de aproximar-nos cada vez mais do trono da graça em regozijo proporcionado pela presença do Senhor. Como bem expressou o salmista: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente” (Salmo 16:11). E um dos meios de graça para isso é a convicção de ter sido perdoado e desfrutar da verdadeira alegria do perdão outorgado por Deus.
Para ilustrar esta introdução me veio à mente a cena de reconciliação entre José e seus irmãos no Egito. Ao perdoar seus irmãos, José procurou restabelecer as pontes, e trouxe seus familiares para perto de si, alojando-os na terra do Egito. Jacó e seus filhos habitaram no Egito durante todo o período de fome. Alguns anos depois, quando o velho Jacó morreu, surgiu um temor entre os irmãos de José. Mas é interessante que José enfatizou aos seus irmãos a certeza do perdão que eles tinham recebido. “Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim, os consolou e lhes falou ao coração.” (Gn 50: 19-21).  A certeza do perdão gerou um prazer pela comunhão com José, houve consolo e paz no coração daqueles homens, paz que só podia ser gerada porque não restavam dúvidas sobre a grandeza do gesto de perdão que lhes foi ofertado.
Em proporção muito mais elevada é a certeza do perdão divino para o crente.  A certeza do perdão divino traz refrigério real para o crente, dando-lhe novo ânimo para prosseguir na caminhada com Cristo. O Salmo 32 é um claro exemplo de como a convicção do perdão recebido pelo salmista mudou a sua percepção da vida e nutriu ainda mais o seu relacionamento com o Senhor. Este Salmo 32, juntamente com o Salmo 51, faz parte da confissão de pecado de Davi após ter sido confrontado pelo profeta Natã. Davi havia desprezado a palavra do Senhor, fazendo o que era mau perante ele. Depois de ter cometido adultério, a Urias, o heteu, mandou assassinar à espada; e a Batseba tomou por mulher. Esta sequência de fatos foi uma verdadeira espiral descendente na vida de Davi, levando-o a um estado de penúria espiritual e de amargor, dias em que não experimentou alegria da comunhão com o Senhor. O Salmo 32 é um hino de louvor de Davi pela certeza do perdão divino que lhe foi outorgado.
A convicção do perdão divino deve ser a tônica da vida cristã, visto que ainda estamos do lado de cá da eternidade, ainda habitando num corpo que é corruptível pelo engano do pecado, como bem alertou o apóstolo João: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”. PORÉM: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1:8-9). Com base nisso, faço a seguinte afirmação:

“A certeza do perdão divino é imprescindível para nutrirmos a nossa comunhão com o Senhor”

A comunhão com Deus é alimentada e fortalecida por meio da confissão e arrependimento, e pela certeza do perdão divino outorgado. A confissão de Davi perante o profeta Natã: “Pequei contra o Senhor” foi respondida com a declaração: “Também o Senhor te perdoou o teu pecado” (2 Sm 12:13). A frase eu “eu pequei contra o Senhor” é uma frase cheia de esperança, abre-se uma janela de oportunidade de recomeço para realinharmos nossa vida com Deus, convictos de que o perdão do Senhor é real. “Davi disse: confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado” (Sl. 32:5b). É um gravíssimo pecado recusarmos descansar na graça de Deus, aceitar e desfrutar do Seu perdão. Que possamos confessar e descansar no perdão divino a fim de nutrirmos a comunhão com o Senhor hoje e sempre.
Por quais razões a certeza do perdão divino é imprescindível para nutrirmos a nossa comunhão com o Senhor?

1. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa inércia (vs. 3a)
Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.(Sl 32:3).
A conjunção enquantofaz parte da família das conjunções subordinativas temporais, que são usadas para introduzir uma oração que acrescenta uma circunstância de tempo ao fato expresso na oração principal. Poderia ser substituída sem perder o sentido original por: Desde que eu calei/ ou quando eu calei. Segundo as leis da física, a inércia é a tendência natural de um objeto em resistir a alterações em seu estado original de repouso ou movimento. No contexto trata-se de um estado de ausência total de movimento em direção à restauração por meio do perdão. O salmista permaneceu por um tempo imóvel, sem dar um passo sequer nas tratativas em relação ao pecado cometido diante do Senhor. Não podemos precisar exatamente por quanto tempo Davi manteve-se nesse silêncio perante o Senhor, no mínimo 9 meses que foi o tempo da gravidez de Batseba, quando o profeta Natã veio confrontar o rei, deu-lhe um veredito: “também o filho que te nasceu morrerá” (2 Sm. 12:14). Neste tempo de silêncio, Davi evitou tocar no assunto ou mesmo trazer à consciência o grave mal cometido perante os olhos da nação e principalmente contra o Senhor. O tempo passou, mas as chagas não foram curadas. A ferida na consciência de Davi continuou aberta e purulenta por um tempo considerável, e isso lhe trouxe consequências bastante difíceis.
“Quando Deus fala, permanecer apático e inerte é uma prova de ateísmo prático.” Uma das coisas que minha mãe sempre reprovava era quando ela dava uma ordem e eu respondia com “já vou”! Só que esse “já vou” se prolongava por muito tempo. “Já vou” se transformava numa estratégia para fazer outra coisa que não estava na agenda de minha mãe. Ela sempre reforçava: Já vou, não. Agora! Nas questões que envolvem nutrir a comunhão com o Senhor, “Já vou” nunca será uma resposta adequada para o cristão, pois neste intervalo buscaremos realizar outras coisas que não estão na agenda do Senhor. A obediência não pode ser adiada, senão ficará desconfigurada. Quando Abrãao recebeu a ordem para oferecer seu filho Isaque como holocausto no monte Moriá, a Bíblia diz que ainda de madrugada ele preparou o jumento, a lenha e foi para o lugar designado. Abraão não procurou um tempo para “amadurecer a ideia” ou tentar negociar uma alternativa.
Devemos lutar todos dias contra a tendência carnal de permanecer imóvel em um estado de inércia espiritual, quando pouco ou nada fazemos para acertar as contas diante do Senhor, mediante confissão e arrependimento genuínos. Deixamos o tempo passar confiando na vã ilusão de que as coisas se resolverão automaticamente. Confiamos que a passagem do tempo será um remédio para a restauração da comunhão com o Senhor. Isso não funciona, trata-se de um autoengano perigoso, que pode nos levar a um estado de dormência e letargia. Falar que queremos nutrir a comunhão com Deus é fácil, mas o que fizemos hoje de efetivo para este propósito? Falar que queremos servir a Deus é bonito, mas hoje quais as atitudes de serviço foram tomadas? O tema anual “Sê tu uma bênção” exige um rompimento com a postura inerte que temos adotado.
Hebreus 3:12-13 nos alerta a termos cuidado com o perverso coração de incredulidade que nos afaste do Deus vivo. Exortai-vos mutuamente durante o tempo que se chama Hoje! Precisamos recuperar o senso de urgência na manutenção da nossa comunhão com o Senhor. Não há espaço para a letargia quando o que está em xeque é a saúde a relação vertical com o nosso Deus. Não podemos presumir que a mera passagem do tempo trabalhará a nosso favor, em questão relacionada à manutenção da comunhão com o Senhor.  Isaías já alertava o povo de Israel: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-O enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55: 6-7). O dia de acertar os ponteiros e buscar aproximar-se do Senhor é hoje, o amanhã não nos é dado como uma garantia.  Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da inércia espiritual.

2. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa insensibilidade (vs. 4a)
Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio. (Sl 32:4).
Esse pesar da mão do Senhor deve ser entendido corretamente. Não é como aquele de um juiz que castiga um criminoso, com a imposição de uma pesada pena; nenhum ser humano conseguiria suportar o peso da mão do Senhor executando sua justiça deste modo; antes, é como a disciplina de um pai amoroso, que trata de seus filhos desobedientes a fim de conduzi-los ao arrependimento. Em outras palavras, é Deus nos reclamando pra Si. Mas podemos estar tão endurecidos pelo engano no pecado que ficamos insensíveis à ação restauradora de Deus, nos reclamando pra Si. Neste sentido, em nossa percepção distorcida, a mão do Senhor aparentará querer nos fazer mal e nos conduzir ao desfiladeiro da angústia por simples capricho. Não se trata disso. A mão do Senhor tem o peso da disciplina paternal necessária a uma mudança efetiva de rota. Entendido de forma correta, há bênção neste peso da mão do Senhor descrito pelo salmista. Mesmo passando por uma tremenda avalanche em seu estado espiritual, emocional e físico, Davi ainda deixou-se endurecer e não atentou para a voz de Deus que lhe falava à consciência (leb), nem identificou a mão do Senhor reclamando-o pra Si. Sua visão da realidade tornou-se embaçada e sua percepção espiritual ficou entorpecida, tudo isso como consequência de sua resistência diante do tratamento divino. Durante o tempo em que calou, Davi certamente percebeu o estado deplorável de sua alma, porém isso não foi suficiente para vencer a indiferença para com o seu pecado e a insensibilidade de sua consciência, cauterizada por desprezar a Palavra do Senhor.
Jesus já vinha tratando a consciência de Saulo: “Dura coisa é recalcitrares contra os aguilhões” (At. 26:14), mas ele permanecia insensível e oferecia resistência ao chamado divino. Mas o chamado irresistível do Mestre não pode ser vencido. Sua oferta de perdão por meio da cruz abriu os olhos de Paulo, que passou a enxergar a preciosidade da graça. Ele passou de perseguidor a perseguido, porque baixou as armas e rendeu-se totalmente. Isto só o perdão divino pode fazer.
Se permanecemos insensíveis diante da mão do Senhor nos reclamando pra Si, certamente amargaremos vidas infrutíferas e sem proximidade genuína com Ele. Quando a nossa consciência fica embotada pelo pecado, não temos condição de realizarmos uma análise correta do tratamento do Senhor dispensado a nós. Passamos a enxergar toda a realidade conspirando contra nós, e não percebemos o quanto o Senhor está trabalhando em nós para trazer-nos a um novo patamar no relacionamento com Ele. Por isso necessitamos sempre de arrependimento e confissão. Ai de nós quando a nossa consciência estiver tão insensível a ponto de não mais reconhecermos o tratamento divino! É sinal de profundo entorpecimento espiritual diante da disciplina divina. Precisamos de consciências sensíveis à voz de Deus que emana das Escrituras, somente assim teremos condições de seguirmos por caminhos retos. Consciências sensíveis para reconhecer que não somos supercrentes, que carecemos todos os dias do perdão divino e de sua graça ajudante.
Não devemos brincar com os alertas divinos ou com a disciplina da mão do Senhor. Quando a nossa consciência se torna endurecida, o pecado adormece o senso moral de certo ou errado e o pecador impenitente torna-se insensível aos avisos da consciência que Deus colocou dentro de cada um de nós para nos guiar (Romanos 2:15). Quando os sinais de alerta são ignorados e as medidas reparadoras não são adotada, o resultado é mais endurecimento de consciência.
Tal insensibilidade se revela de várias maneiras. Podemos ficar experts em ouvir sermões, admirando a oratória e hermenêutica aplicada ao texto bíblico, mas com consciências insensíveis os princípios bíblicos não serão postos em prática. Podemos até ser confrontados com um importante ensino das Escrituras sobre humildade, mas a insensibilidade diante da verdade não nos faz dobrar a cerviz e reconhecer que nada somos no reino de Deus, apenas servos inúteis. Deus trata conosco mediante os meios necessário até que a nossa ardente soberba, a qual sabemos ser indomável, seja humilhada (Calvino). Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da insensibilidade.

3. A certeza do perdão divino é um poderoso antídoto contra a nossa dissimulação (vs. 5a)
Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. (Sl 32:5a).
O vocábulo (kasa) também é empregado no sentido mais genérico de esconder ou encobrir. A ideia básica é não expor à clara luz. A história registrada em 2 Samuel 11 nos mostra que Davi utilizou artifícios para ocultar a sua iniquidade. Por exemplo, mandando trazer o servo Urias da frente de batalha, para ficar em casa e dormir com a sua mulher. O plano de Davis era atribuir aquela gravidez de Batseba ao soldado Urias. Porém, a hombridade de Urias prevaleceu e ele não foi para sua casa. Não bastasse isso, Davi ainda planejou o assassinato de Urias, colocando-o na frente mais perigosa da batalha. Quando Joabe enviou o mensageiro para avisar ao rei, a resposta de Davi foi: “Não te pareça isto mal aos teus olhos; pois a espada tanto consome este como aquele; esforça a tua peleja contra a cidade, e a derrota; esforça-o tu assim” (2 Samuel 11:25). Davi apelou para que o comandante Joabe considerasse o fato da morte de Urias como algo natural, ocultando e dissimulando seu real propósito ao colocar Urias na frente da batalha.
“Então, disse Judá a seus irmãos: De que nos aproveita matar o nosso irmão e esconder-lhe o sangue?”  (Gn 37:26).  O plano para vender José aos mercadores midianitas que seguiam para o Egito foi aceito por todos os irmãos. Logo depois, eles mataram um bode, mergulharam no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai (Jacó) com este recado: “Achamos isto. Veja se é a túnica de teu filho”. Esta foi a saída para encobrir o que tinham feito com José. Essa versão dissimulada permaneceu por muitos anos; a verdade só veio à tona quando os irmãos de José tiveram que ir ao Egito em busca de comida. E o que dizer de Acã, que escondeu na sua tenda alguns despojos da cidade de Jericó? O pecado oculto de Acã custou a vida de 36 homens de Israel e uma derrota diante da pequena cidade de Ai. Quando há pecado escondido no arraial não adiante querer a bênção do Senhor. A dissimulação sempre acarretará em graves prejuízos.
Um tema de um acampamento do qual participei quando ainda era adolescente: E quando a máscara cair?” A pergunta-tema por si só nos deixa reflexivos: não é se a máscara cair, como se fosse apenas uma possibilidade. É quando: apenas questão de tempo e a realidade virá à tona. Será que temos a infantil pretensão que o nosso pecado passará despercebido diante do Senhor? “E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb. 4:13). Eugene Peterson afirmou em um dos seus livros sobre Davi: “Não queremos encarar nosso pecado porque não queremos perder a ilusão de que somos deuses.” A ilusão de que somos deuses gera a ilusão de que tudo está sob nosso controle e nada será descoberto. E assim vamos vivendo de ilusão em ilusão, dissimulando e inventando evasivas para não encarar a feiura da nossa transgressão contra os mandamentos do Senhor.
Adotar a dissimulação como natural em nossas vidas, fingido para si e para o outros que está tudo muito bem, é uma herança que recebemos de Adão. Fazer vestimentas de folhas de figueira foi uma tentativa infantil de esconder a vergonha e a culpa. O homem pós-queda teima em não reconhecer sua penúria de alma e sua condição vexatória, e ainda apresenta uma roupagem artificial de modo que não haja dúvidas sobre uma fé robusta. “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia” (Pv. 28:13). O pastor puritano Richard Sibbes afirmou que “a única maneira de cobrir nosso pecado é descobri-lo pela confissão.” A dissimulação pode demonstrar-se de várias formas: iludir a si mesmo negando a situação, minimizar a gravidade da situação, colocar a culpar em outra coisa ou pessoa, apresentar desculpas, redefinir o mal para fazê-lo parecer bom. Nossas vidas devem ser vividas em transparência, visto que o Senhor nos conhece perfeitamente. O pecado oculto não pode coexistir com a paz interior proveniente da comunhão com Deus. NÃO HÁ PAZ PARA OS REBELDES! Só quando expomos e reconhecemos nosso pecado é que Deus se dispõe a cobri-lo. Portanto, a certeza do perdão divino deve nos motivar a uma vida de comunhão com o Senhor, livres da dissimulação.