quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Um checkup espiritual

Texto: Marcos 14:17-21

Questionado por que tantas pessoas em idade jovem tem infarto, o médico que estava sendo entrevistado prontamente respondeu: “Muitos casos de infarto poderiam ser evitados com atividade física e consulta ao cardiologista regularmente”. Esta consulta e os exames de rotina que a acompanham ficou conhecida como check-up. O check-up é um procedimento importante para prevenção de doenças e manutenção da saúde do nosso organismo. Muitas doenças, quando são diagnosticadas no início, podem ser tratadas e possuem maior chance de cura. Por isso a importância de ser avaliado clinicamente por algum médico com certa regularidade.

A Bíblia é um livro que nos faz constantes exortações para realizarmos um check-up da nossa alma, do nosso estado espiritual. Ela é como um espelho que revela em nós o que não está correto e aquilo que precisa de ajustes. O pregador no livro de Provérbios disse: “Pondera a vereda dos teus pés” (Pv. 4:26, literalmente “pese em balança de precisão”), ou seja, avalie criteriosamente em que caminhos e como você tem caminhado. É importante um check-up regular de nossas vidas tendo como padrão a santa Palavra de Deus. Escrevendo à igreja de Corinto o apóstolo Paulo foi direto ao ponto: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Cor. 13:5). Portanto, o exame criterioso das nossas vidas é sempre enfatizado tanto no AT como no NT das Escrituras.

No ministério de Jesus, doze homens foram escolhidos para andar com Ele e partilhar do Seu ministério terreno. Dentre eles, havia Judas Iscariotes, que no final do ministério traiu Jesus entregando-o aos sacerdotes com um beijo no rosto por 30 moedas de prata. Neste texto em epígrafe, Jesus está celebrando a Páscoa (Pesach judaica) com os seus discípulos e todos os 12 estavam presentes no cenáculo. Neste encontro particular, Jesus reparte o pão com seus discípulos e compartilha o cálice, associando com Seu próprio corpo que seria moído e o Seu sangue que seria vertido para salvar pecadores. Aquele momento foi singularmente importante na vida de todos os presentes, um momento de profunda alegria, tensão e anseios espirituais. Jesus então utiliza-se da sua onisciência como Deus e faz uma revelação perturbadora. O relato bíblico é extremamente conciso, mas rico em ensinamentos para nossas vidas. Com base no que foi dito e lembrando da importância de uma averiguação precisa da condição da nossa alma, eu afirmo que:

“À luz deste texto bíblico, precisamos averiguar seriamente qual o nosso real estado espiritual”

Por meio de algumas perguntas:

· Palavra-Chave: PERGUNTAS (que perguntas?)

· S.I. Que perguntas este texto bíblico nos apresenta para que averiguemos seriamente qual o nosso real estado espiritual?

· S.T. O texto bíblico nos apresenta algumas perguntas para que averiguemos seriamente qual o nosso real estado espiritual.

O médico geralmente faz perguntas numa consulta a fim de dar o diagnóstico. De acordo com as respostas do paciente, o médico pode traçar a melhor forma de tratamento ou recomendar alguns exames para maior investigação. Permitamos que o texto bíblico nos faça algumas perguntas para sermos averiguados quanto ao nosso real estado espiritual.

1) A comunhão que demonstramos ter com Cristo é genuína?

Sentar à mesa e comer na cultura judaica é uma expressão de comunhão íntima, um momento extremamente precioso e que delineia laços de afinidade profunda. Packer e Merril, no livro Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos escrevem: “Partir o pão juntos, significava dizer: Somos amigos; partilhamos de um laço comum. Tais sentimentos são evidentes por toda a Bíblia. É como se o comer fosse mais do que mera ingestão de alimento; é participar em tudo quanto significa pertencer a uma família e partilhar essa mutualidade com os que nos cercam.” Durante a refeição da Páscoa, eram cantados pela família reunida os Salmos do Halel (SI. 113-118). Portanto, aquele era um momento de profunda afeição mútua entre os que estavam naquela celebração íntima na presença do unigênito Filho de Deus, mas o coração de Judas estava cheio de cobiça. Sua mente não estava compenetrada na singularidade daquele momento com Cristo, pois os seus propósitos eram egoístas e maliciosos. Judas conviveu por 3 anos com Jesus, tinha proximidade com aquele que é a Luz do mundo, com aquele que é o caminho, a verdade e a vida.

Para ilustrar este ponto, quero destacar o ensino do apóstolo João: “Ora, a mensagem que, da parte dele, temos ouvido e vos anunciamos é esta: que Deus é luz, e não há nele treva nenhuma. Se dissermos que mantemos comunhão com Ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade.” (1 Jo. 1: 5-6). A prova cabal da comunhão com Deus é um viver na luz.

Ter comunhão com Jesus é algo sério. É partilhar dos seus interesses e propósitos para a nossa vida. É ter a Sua Palavra em alta consideração, é dobrar os nossos joelhos ante a Sua majestade, é trilhar o caminho da renúncia do “eu” para que o brilho de Cristo resplandeça cada vez mais. É vivenciar momentos agradáveis de restauração do nosso vigor para lutarmos bravamente contra o pecado que tenazmente nos assedia. É priorizar o reino de Deus e a Sua justiça, voltando os nossos olhos para o que é eterno. A comunhão bendita com o Senhor é um privilégio que necessariamente deve transformar as nossas vidas, nos tirando da zona de conforto em que estamos acostumados a viver. Quem goza desta comunhão produz os frutos do Espírito, como amor, alegria e paz. Ter comunhão com Jesus é desfrutar do alimento espiritual mais precioso que podemos experimentar. Nossas almas sofre de inanição quando não cultivamos a comunhão com Deus por intermédio de Cristo Jesus, sob o poder capacitador do Espírito Santo.

Portanto, não vamos pensar infantilmente que podemos ter uma caricatura de comunhão com Aquele que tudo sabe a nosso respeito. Podemos até passar uma imagem para os outros que somos pessoas de oração e relacionamento autêntico com Cristo, mas Deus conhece se temos sido verdadeiros. Não podemos mentir ao Espírito sobre a condição da nossa alma. A pergunta mais importante a ser respondida neste ponto é: “Eu desfruto de comunhão sincera e livre de embaraços com o meu Senhor e Salvador Cristo Jesus?” Quando me prostro em oração e louvor a Deus, sou de fato movido por sinceridade e inteireza de coração? Ou continuo abrigando interesses mesquinhos e propósitos egoístas?

Um teste eficaz para checar se temos comunhão genuína com Cristo é perceber qual a nossa reação imediata quando as nossas expectativas não são satisfeitas neste mundo. Expectativas não satisfeitas podem gerar frustração, desapontamento e até ira. Quando nossa comunhão com Cristo é autêntica estes sentimentos e pecados não encherão o nosso coração, pois confiamos que na soberana vontade do Senhor estamos na melhor situação que poderíamos estar.

C. H. Spurgeon certa vez afirmou: “Se formos fracos em nossa comunhão com Deus, seremos fracos em tudo.” Com a devida licença do príncipe dos pregadores eu afirmaria o seguinte: “Se formos falsos em nossa comunhão com Deus, seremos falsos em tudo”. De fato, nossa vida será repleta de máscaras quando negligenciamos a sinceridade no relacionamento com o Senhor. Os nossos relacionamentos interpessoais serão afetados com a hipocrisia, os nossos atos de serviço serão manchados pela mentira e os nossos valores se tornarão extremamente terrenos e carnais.

2) O pesar que sentimos quando somos confrontados por Cristo é genuíno?

Quando Jesus proclama “em verdade vos digo”, ele traz um tom solene ao seu anúncio, uma garantia da veracidade com a qual sempre se dirigiu aos discípulos. O texto aponta que após Jesus anunciar que um dentre os doze havia de O trair, os discípulos “começaram a entristecer-se”. O texto paralelo narrado por Mateus diz que eles ficaram “muitíssimos contristados”. A palavra é bem forte, transmite a ideia de um pesar profundo, comparado ao pesar de uma pessoa em luto. O momento era de celebração da Páscoa, um momento de lembrar o grandioso livramento do povo judeu, que saiu do Egito sob a mão poderosa do Senhor. De repente, o Senhor faz um anúncio tão delicado: o assunto da traição é trazido à tona em meio à celebração de um festa entre amigos íntimos. Podemos afirmar que o clima ficou pesado, gerado pela revelação de um fato já conhecido por Cristo. O ar de tranquilidade e aceitação mútua que caracteriza o compartilhar uma refeição foi imediatamente rompido por essas palavras de Jesus. O fato de destaque é que Judas estava entre aqueles que ficaram extremamente tristes no cenáculo, mas esta tristeza foi apenas aparente, não trouxe mudanças reais na vida de Judas.

Você já ouviu falar da expressão “lágrimas de crocodilo”? A origem da expressão é biológica. Quando o crocodilo está engolindo um animal, a passagem deste pode pressionar com força o céu da boca do réptil, o que comprime suas glândulas lacrimais. Assim, enquanto ele devora a vítima, caem lágrimas de seus olhos. São lágrimas naturais mas obviamente não significam que o animal se emocione ou sinta pena da sua presa. Daí vem a expressão “lágrimas de crocodilo”, querendo dizer que, embora a pessoa chore, suas lágrimas não significam que ela esteja sofrendo, e muitas vezes são mesmo apenas um fingimento. Irmãos, muitas vezes, podemos estar dominados pelos sentimentos de pesar quando somos confrontados pela Palavra e até choramos, mas não há avanço em direção ao que deve ser implementado em nossas vidas.

Pesar espiritual, contrição e coração quebrantado são uma parte importante da verdadeira espiritualidade, de acordo com as Escrituras. “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt. 5:4). “Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito não o desprezarás, ó Deus” (Sl. 51:17). “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos”. (Is. 57:15). O abatimento de espírito e a contrição são legítimos quando entendemos a seriedade do nosso pecado diante de Deus. Mas de nada vale uma falsa contrição ou um pesar espiritual sem sinceridade. O pesar que Davi sentiu quando foi confrontado pela Palavra de Deus, por meio do profeta Natã foi profundo e genuíno, pois o levou a sair da zona de conforto e da inércia em que estava.]

Paulo escreveu que somente a tristeza segundo Deus gera arrependimento para a vida e salvação (2 Co. 7:10). O nosso pesar quando somos confrontados pela Palavra de Deus deve nos levar à mudanças efetivas. Ele só tem real valor se nos conduzir a uma nova postura diante do Senhor. Não adianta dizer: “a mensagem foi muito forte”, enquanto não usarmos a força que Deus supre para tratar o que está em desarmonia com as Escrituras. Não adianta dizer que “o sermão mexeu comigo”, enquanto não sairmos de fato do comodismo espiritual. Não adianta dizer: “a Palavra foi tremenda, foi impactante”, ou algo do gênero, se a prática dos ensinos é ignorada ou deixada em segundo plano. É imprescindível, portanto, que o pesar gerado pela confrontação do Senhor mediante a Sua Palavra nos mova em direção à santificação.

Só podemos afirmar que o nosso coração se entristece sinceramente quando confrontado pela Palavra de Deus, quando os resultados são visíveis. Por exemplo, se ficamos entristecidos porque não temos um coração perdoador com a Bíblia nos exorta, a autenticidade deste pesar só será comprovada quando evidenciamos a prática do perdão bíblico com o nosso irmão(ã).

3) O compromisso que assumimos diante de Cristo é genuíno?

Ao perguntar “porventura sou eu?”, cada discípulo queria deixar evidente que estava comprometido em não ser aquele que Jesus anunciou como “o traidor”. O texto diz que os discípulos, um após o outro, começaram a questionar o Senhor. A tônica da pergunta esconde um receio, mas também um desejo por não ser o traidor anunciado: “certamente não sou eu quem tamanho ultraje praticará”. O comentarista Warren Wiersbe escreve: As perguntas dos discípulos deixam implícita uma resposta negativa: “Não sou eu, certo?” No texto paralelo, em Mateus 26:25, lemos que o próprio Judas fez o questionamento: “Acaso sou eu, Senhor?” Jesus respondeu categoricamente: Tu o disseste! Judas não tinha compromisso com Cristo e isto ficou evidente o longo do ministério de Jesus. Ele ficava responsável pela coleta de ofertas, e embolsava sua parte. Judas era frio e calculista, um homem que agia com segundas intenções. Quando expressa interesse pelos pobres, sua motivação real era regida por uma materialista ambição.

E por falar em compromisso assumido diante de Cristo é impossível não lembrarmos do apóstolo Pedro. Ele era um líder nato, e, por assumir muitas vezes esta posição, acabava enfiando os pés pelas mãos. Sua precipitação com as palavras era notória. Quando Jesus afirmou que todos os discípulos se escandalizariam e O abandonariam, Pedro imediatamente falou: “AINDA QUE TODOS TE ABANDONEM, EU, JAMAIS!” (Mc. 14: 27-31). Neste momento Pedro recebeu a famosa advertência que antes que o galo cantasse, ele negaria a Jesus três vezes. Pedro ainda insistiu com veemência: “Ainda que me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei.”

Muitas vezes o nosso compromisso é como fogo de palha (de pouca duração, passageiro), pois é movido por picos de entusiasmo e pouco discernimento. O compromisso que assumimos com o Senhor deve ser perseverante, um compromisso que autentica a nossa fé é estável e constante. Não perfeito; mas um compromisso assumido com fidelidade. Podemos falar de compromisso em várias áreas: compromisso com o testemunho cristão, com a santificação, com a Palavra, com a alegria, com a família, oração, adoração, evangelismo, missões, etc. Mas em primeiro lugar está o compromisso que assumimos com Cristo, sem este compromisso firmado todos os demais desembocam em ativismo ou legalismo.

Não apenas Judas pode ser apontado como um discípulo sem compromisso genuíno. Os discípulos que ficaram dormindo ao invés de orarem (Mc. 14: 37 e 40); os demais que também desertaram e fugiram apavorados quando Cristo foi preso (Mc. 14:56); e Pedro que negou abertamente a Cristo por três vezes naquela noite. A pergunta é: quanto custa o seu compromisso com Jesus? Usando um pergunta contextualizada do nosso tempo: qual é o seu preço? Quando o que está em jogo é firmar o compromisso com Cristo e amargar as consequências, ou abrir mão deste compromisso e sair bem na fita deste mundo, qual é a nossa decisão? A nossa postura como cristãos deve declarar em alto e bom som que o nosso compromisso com Cristo vai até as últimas consequências.

Deus requer de seus servos autenticidade no compromisso assumido. Não podemos ficar em cima do muro, sem decidir de que lado vamos ficar. Para evidenciarmos este compromisso no contexto em que vivemos é necessário começar com duas virtudes: CORAGEM e RENÚNCIA. Coragem para dizer não, quando todos a nossa volta dizem sim; coragem para defender princípios que são considerados ultrapassados ou fora de moda; coragem para ficar do lado certo, mesmo sendo injuriados e criticados; coragem para ser um perseguido por causa da justiça; coragem para falar ousadamente a verdade do Evangelho num mundo pluralista e relativista. E muita renúncia para destronar o eu, e fazer a vontade de Cristo nas decisões que tomamos; renúncia para priorizarmos o reino de Deus, e não o nosso; renúncia para desistir das ambições egoístas que este mundo quer nos vender; renúncia para dar as costas para o pecado e viver segundo a reta Palavra de Deus.

 

Sermão pregado dia 05/01/14, IBR Jardim Amazonas.
Petrolina-PE

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