terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A jornada cristã

 

Texto-bíblicos: Números 13: 25-33;  Números 14: 1-12  (A JORNADA CRISTÃ)

A vida do cristão certamente pode ser considerada uma jornada. A conhecida alegoria “O Peregrino” de John Bunyan traz a história muito bem ilustrada da jornada de Cristão, que sai da cidade da destruição e segue até a cidade celestial. Neste percurso, ele enfrenta duras provações e dilemas. Na feira das vaidades ele é confrontado com as ilusões do materialismo e da falsa segurança das riquezas, e no pântano do desânimo, outro personagem chamado Volúvel desiste de prosseguir naquela jornada. A alegoria de Bunyan apresenta-nos o fato de que todos nós somos convocados a fazer progresso na jornada que está diante de nós.

Na carta aos Filipenses encontramos duas jornadas a que todos nós, discípulos de Cristo, estamos submetidos, como as duas faces de uma moeda. São inseparáveis na vida de todo cristão. Paulo apresenta estas duas jornadas:

* Jornada externa. Diz respeito aos esforços do discípulo na dependência do Espírito de fazer conhecido o evangelho de Cristo Jesus. Filipenses 1:12à “Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as coisas que me aconteceram têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho.”

* Jornada interna.  Diz respeito ao crescimento do discípulo em semelhança com Cristo, um processo que nós chamamos de santificação. Este avanço em maturidade cristã é evidência de salvação genuína. Filipenses 1:25à “E, convencido disto, estou certo de que ficarei e permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da fé.”

Essas duas jornadas duram a vida toda, não devem ser separadas e têm um objetivo comum: o louvor da glória de Deus. É também um projeto traçado por Deus para todos os discípulos, que precisam cooperar para o avanço do Reino de Deus e viver de modo digno do evangelho, firmados em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica. Portnato, fica claro que não se empreende essa jornada no modo autônomo, sem depender de nada ou de ninguém.

No texto registrado em Números capítulos 13 e 14 observamos o povo de Deus numa etapa crucial da jornada até Canaã. O povo saiu do Egito perseguido por faraó e seus cavaleiros, mas Deus com forte mão os levou seguros pelo Mar Vermelho e guiou o povo com segurança. Neste percurso, o povo recebeu no monte Sinai as instruções da lei de Deus, os 10 mandamentos. E depois de aproximadamente dois anos de jornada pelo deserto, o povo chega a um local conhecido como Cades-Barnéia (Dt. 1:19), literalmente às portas de Canaã. Os doze espias são enviados e ao retornar depois de quarenta dias fazem um relatório do que encontraram naquela terra. Finalmente parecia que suas esperanças se realizariam. A terra tão sonhada estava diante dos olhos deles. Foi um momento singular de oportunidade, um divisor de águas na história daquele povo. Quantas expectativas foram criadas para aquele momento? Pais passavam para os seus filhos a história do patriarca Abraão e da promessa de uma terra para o povo habitar. A experiência da terrível escravidão no Egito tinha sido deixada para trás e agora a bênção tão aguardada estava logo ali diante dos olhos.

O que vemos aqui é uma desmobilização estabelecida. Enquanto dez espias interpretaram Deus à luz das circunstâncias, Calebe e Josué interpretaram as circunstâncias à luz de Deus. A visão míope prevaleceu e o desânimo tomou conta de todo o povo. Assim, não tinha como o povo avançar na jornada com os corações temerosos e alimentando atitudes que geraram desunião. Isto resultou num grande prejuízo para o povo, que ficou rodopiando no deserto por mais 38 anos, até que toda aquela geração morresse e os seus filhos pudessem entrar sob a liderança de Josué.

“Na jornada do povo de Deus há algumas atitudes desagregadoras que devemos evitar”

1) Superestimar a oposição ao propósito do Senhor  (Nm. 13: 28-29; 31-33)

Estes detalhes em primeira mão a respeito dos moradores da terra deram ao relatório dos espias um toque de autoridade, e sem dúvida ajudaram a convencer o povo da impossibilidade da sua conquista. Muito embora a terra manasse leite e mel (há muitas regiões de pasto para ovelhas, cabras e gado, bem como é abundante em árvores frutíferas); o problema é que os espias passam mais tempo falando sobre a expectativa de ter de enfrentar os habitantes atuais da terra. O povo está convencido, pelo discurso da maioria dos espias, da impossibilidade de subjugar os habitantes atuais da terra. Esta foi a conclusão do relatório trazido pelos espias, com exceção de Josué e Calebe. A forte oposição que o povo sofreria ao entrar na terra havia sido supervalorizada e propagandeada como fato incontestável, justamente porque os espias deram aos fatos a sua própria interpretação. É assim que nascem as “fake news”.

Notem que os espias chamam atenção para os obstáculos que havia no caminho da conquista: o povo é forte (28: cf. 18) e as cidades são grandes e fortificadas. Ainda relacionam alguns dos habitantes da terra, os filhos de Enaque (28; cf. 22), trazendo à tona a fragilidade diante daqueles gigantes. A síndrome de gafanhoto foi promovida pelos espias e o medo logo apoderou-se do povo.

A tentativa de Calebe de acalmar o povo e reacender a sua fé nas promessas (subamos, possuamos) é imediatamente repelida pelos outros espias, com uma representação falsa e ainda mais ultrajante (31-33). A alegação de que a terra devora os seus habitantes (32), significa que eles tendem a morrer devido ao seu ambiente hostil. Em outras palavras, não havia escapatória caso entrasse naquela terra.

Precisamos lembrar que o propósito de conquistar a terra fora estabelecido pelo Senhor, uma promessa ao patriarca Abraão (Gn. 12:7), e repassado geração após geração. Sendo assim, os meios e recursos para a conquista da terra certamente seriam providenciados pelo próprio DEUS. É tanto que observamos no livro de Josué atuações extraordinárias do poder de Deus para a conquista de Canaã (por exemplo, as muralhas de Jericó que ruíram por milagre a correnteza do Jordão que se interrompeu para todo o povo passar a pé).

A oposição que Martilho Lutero enfrentou após ter afixado e defendido as 95 teses foi bastante severa. Havia o perigo de que Lutero fosse condenado e acabasse na fogueira como John Huss cerca de cem anos antes. Na preparação para a assembleia, Lutero, autor de trinta e sete hinos, teria composto o conhecido hino “Castelo Forte”, baseado no Salmo 46 (Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. As nações se embraveceram; os reinos se moveram; Ele levantou a sua voz e a terra se derreteu). Havia uma forte oposição maligna ao propósito que Deus implantou no coração de Lutero, a alta cúpula da igreja católica que queria que ele negasse tudo aquilo. Ainda assim ele prosseguiu firme no propósito do Senhor, de defender a verdade mesmo que isso lhe custasse muito.

Sem dúvida, Satanás também é um forte opositor do discípulo na jornada neste mundo. Ele é astuto o suficiente para aproveitar nossas fragilidades. Mas a Bíblia nos diz que maior é aquele que está em nós do que aquele que está no mundo. Como na história de Jó, suas artimanhas só podem ir até onde Deus decreta, nem um milímetro a mais. O governo de Satanás é subordinado e temporário. Somos filhos amados do Pai e por isso podemos contar que seremos preservados. Em meio a todas as lutas próprias desta vida, os santos só perseveram porque o Grande Deus trabalha para preservá-los até o fim. Jamais nos esqueçamos que temos um vencedor fiel. Sim Jesus é o príncipe da paz, mas Ele é também o vencedor que derrotará todos os inimigos e estabelecerá o seu reino. A letra do Hino Castelo Forte nos encoraja assim: Com fúria pertinaz / Persegue Satanás / Com artimanhas tais / E astúcias tão cruéis/ Que iguais não há na terra / O grande acusador / Dos servos do Senhor / Já condenado está / Vencido cairá / Por uma só palavra.

Alguém disse que nossos maiores inimigos não estão fora de nós, mas habitam dentro de nós. Certamente aquilo que nos causa pavor diante dos desafios pode se tornar um grande obstáculo para nosso progresso na fé. Cultivamos resistência e ficamos acomodados em uma certa zona de conforto que é extremamente danosa para nossa saúde espiritual. Deus não quer ativistas (o mero fazer por fazer), mas Deus requer servos atuantes que empreendem esforços com base nas grandes promessas e fidelidade do Senhor. Na jornada da fé, precisamos olhar mais para o nosso Deus do que para os temores que a oposição nos apresenta. A descrença sempre vê os obstáculos; a fé sempre vê as oportunidades de glorificar a Cristo.

Irmãos, em nossa jornada de fé, sempre haverá oposição àqueles que desejam realizar a obra determinada pelo Senhor. Por exemplo, Tobias e Sambalate, que se opuseram à obra de reconstrução dos muros de Jerusalém liderada por Neemias. Estes homens ridicularizaram a obra e faziam ameaças aos homens que estavam com Neemias, preparando inclusive uma forma de atacar e fazer cessar aquela obra. A Bíblia nos diz que a partir do momento que souberam disso “cada um dos construtores trazia na cintura uma espada enquanto trabalhava” (Neemias 4:18). No avanço do evangelho, haverá oposição. Na guerra contra o pecado, também há forte oposição dos três maiores inimigos: o mundo, a carne e o diabo. No entanto, esses inimigos existem não para serem superestimados. Eles devem ser vencidos por meio dos recursos da graça de Deus operando em nós. O mundo e suas falsas atrações é hostil ao crente e a tendência é piorar ainda mais, porém não devemos ficar reféns do mundo. Temos um Deus que nos satisfaz muito mais plenamente que os atrativos deste mundo; um Senhor que nos comprou com alto preço e orou por nós: “não peço que os tire do mundo, mas que os guarde do mal” (João 17:15). Diante das oposições e lutas não adotemos a síndrome do gafanhoto. O vitimismo mata e destrói a unidade em torno do propósito maior de avançar na jornada com Cristo.

Temos e teremos lutas e provas. Dias fáceis e outros quase insuportáveis. Mas lembre-se que nas lutas e nas provas a igreja, pela graça e força de Deus, segue sempre caminhando. A nossa história como Igreja é marcada por uma verdade insuperável: somos fortalecidos por Deus! Nossa fé em Cristo é fortalecida. A convicção na Palavra é fortalecida. A dependência do Senhor é fortalecida. A comunhão como igreja é fortalecida. A paz em Cristo é fortalecida. Somos um povo chamado por Deus para uma jornada de fé e, enquanto caminhamos, somos fortalecidos. (Ronaldo Lidório).

è O povo que confia no soberano propósito do Senhor ao longo da jornada permanece coeso e com vigor para prosseguir.

2) Expressar insatisfação com o direcionamento do Senhor (Nm. 14:1-4)

Neste ponto a rebelião alcança o seu auge. Amedrontado com a descrição da terra prometida feita pelos espias, o povo sucumbe completamente. Mas desta vez eles na verdade propuseram a volta ao Egito, rejeitando completamente, desta forma, todo o direcionamento divino para a redenção do seu povo. Quando atacam Moisés e Arão, indiretamente o povo está insultando a Deus, que os comissionou à missão de liderança do povo naquela jornada. Notem que, de Êxodo 1 até a missão dos espias, prevalece um só tema: como Israel foi tirado do Egito e trazido às fronteiras de Canaã. Agora, tendo o seu alvo diante dos olhos, eles sugerem que desistam de tudo. Não apenas isso: eles propõem que seja eleito um líder que substitua Moisés, o servo de direção e orientação nomeado por Deus. Há um desaforo gritante na sugestão proposta no verso 4: “Levantemos a um para nosso capitão, e voltemos para o Egito! ” Era como se todo o direcionamento do Senhor com sua mão poderosa, coluna de fogo à noite e coluna de nuvens durante o dia, guiando o Seu povo por meio de um deserto escaldante, não tivesse valido a pena. A conclusão: diante daquele quadro, era melhor voltar, abandonar a direção divina para entrar livres em Canaã e retornar à escravidão no Egito.

Precisamos tomar bastante cuidado em decisões quando estamos dominados pelo pavor. Ponderar com o coração cheio de ansiedade não é uma boa atitude, principalmente porque temos a tendência de abandonar o direcionamento do Senhor e adotar velhas práticas que não condizem com a nova natureza implantada em nós. Quantas vezes ficamos insatisfeitos com o direcionamento que emana da Palavra de Deus porque ela confronta nossos medos? E é natural de nossa natureza caída querer sempre achar um culpado para a nossa insatisfação com o que Deus diz.

É importante considerarmos que a jornada cristã necessita do contínuo direcionamento do Senhor, justamente porque em nós mesmos reside o desejo de seguir o nosso próprio entendimento. Quando alguém está tocando numa orquestra, a presença e o direcionamento do maestro é fundamental. Imagine como seria a bagunça se cada músico componente da orquestra resolver seguir um ritmo diferente, ou tocar numa tonalidade diferente da partitura, ignorando a regência só porque está insatisfeito com o andamento da música conduzida pelo maestro. Da mesma forma, Deus nos direciona por sua Palavra utilizando líderes que se mostram sensíveis à sua voz, para que o povo do Senhor prossiga em harmonia no propósito da Sua glória.

O direcionamento teocêntrico é contrário ao direcionamento antropocêntrico. Quando o homem é o centro de tudo, suas decisões e valores passam a ser governados por vaidades pessoais. Agora quando Deus é o centro da vida, as decisões e valores são consideradas à luz da Bíblia. Sendo assim, não é o que você ou eu achamos, é o que a Bíblia nos diz.

Conheço pessoas e você também deve conhecer que experimentam uma luta profunda em suas vidas porque não se satisfazem mais nas Escrituras corretamente interpretadas. Estão num círculo vicioso sem avanços efetivos na jornada. A história de Jonas ilustra bem isso: ele nunca ficou satisfeito com o direcionamento do Senhor para sua vida. Ele experimentou um naufrágio e esteve três dias no ventre do peixe, mas ainda assim a sua insatisfação persistiu, quando Deus resolveu poupar a cidade de Nínive. Sem a graciosa e atuante direção de Deus, que direção teria a nossa vontade? Não me refiro a uma espécie de direcionamento místico, baseado em sentimentos voláteis, mas à direção que vem da Bíblia: “lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho” (Salmo 119:105). A Palavra é eficaz para nos conduzir seguros em meio às adversidades externas e temores do nosso próprio coração.

Os homens sempre acham difícil confiar simplesmente na Palavra de Deus quando a experiência e a visão humana dizem o contrário. Por isso, grandes oportunidades de crescimento são desperdiçadas ao longo da vida. Preferimos seguir nossa intuição ou confiar que somos sábios o suficiente!

Rodeados por uma multidão de vozes convidativas e persuasivas, precisamos do sistema de filtragem que somente a sabedoria de Deus pode dar. Sejamos satisfeitos com o direcionamento do Senhor, e não deixemos que a precipitação nos traga sérios prejuízos. Como diz a letra de uma música: “Mesmo sem saber como Tu dirás / Dentro de mim reinará a Tua paz / Que me faz saber / Que esperar em Ti / É sempre caminhar. ” É bom olharmos para nossa história e percebermos como a sabedoria de Deus nos conduziu até aqui.

Mas se o nosso coração estiver cheio de insatisfação com o direcionamento do Senhor, criaremos rapidamente um ídolo, desejaremos rapidamente algo ou alguém que nos leve para algum lugar. O problema é que “a idolatria sempre decepciona. Todo ídolo se quebra porque o peso colocado no ombro dele é grande demais. ” Todos temos a tendência de nos curvarmos diante do ídolo da autossuficiência que nos leva a confiar em nosso próprio entendimento e tomar direções equivocadas. A Sabedoria personificada no livro de Provérbios já nos adverte: “Confia no Senhor de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas” (Pv. 3: 6-7).

A insatisfação com o direcionamento pode se manifestar de modo bem sutil em nossas vidas. Passamos a duvidar da suficiência das Escrituras e pensar que existem alternativas melhores para nos orientar. Conselhos ímpios e vazios encontram espaço em seu coração? Em conversas com alguém, já ouviu a sugestão de abandonar a fé por conta de alguma decepção? Há diversas situações em que podemos ser questionados sobre a validade do conselho bíblico, mas que façamos como o salmista: “Bem-aventurado o que não anda segundo o conselho dos ímpios; antes, porém o seu prazer está na lei do Senhor.”

Outra aplicação importante: valorizemos também a liderança que Deus constitui sobre o seu povo, a liderança que está sensível ao direcionamento que emana das Escrituras. Deus requer que não sejamos desagregadores, mas submissos à liderança espiritual que está sobre nós. Isso é indispensável para lutarmos juntos pela fé evangélica e prosseguirmos em direção ao alvo da igreja do Senhor. Uma liderança saudável com foco na glória de Cristo e no Reino, que tem como objetivo a direção Senhor, precisa de apoio e cooperação. Sabemos que Deus concede sua visão de Reino a pessoas específicas que lideram o seu povo em direção ao cumprimento do seu plano. Devemos sempre interceder pelos líderes que manejam a Palavra da verdade com sinceridade e santo temor.

è O povo que se encontra satisfeito em ser direcionado pela Palavra do Senhor ao longo da jornada permanece coeso e com vigor para prosseguir.

3) Desprezar a rica provisão feita pelo Senhor (Nm. 14: 10-12)

Agora o cenário muda consideravelmente. Não é o povo que fala. É o próprio Deus quem dá o diagnóstico de modo preciso. O murmúrio chega a um ponto bastante crítico, a ponto de o povo querer apedrejar Josué e Calebe. Neste momento a glória (kavod) do Senhor apareceu na tenda, estabelecendo um cenário de resplendor, honra e temor reverente (como no monte Sinai na entrega das tabuas da Lei, Ex. 24:16). Este cenário da manifestação gloriosa do Senhor estabelece um clímax para um anúncio solene. Então Deus faz dois questionamentos: “Até quando me provocará este povo?” (o verbo ‘provocar’ significa tratar com desprezo e desdém) e “até quando não crerá em mim?” A versão da NVI traduziu assim: “até quando este povo me tratará com pouco caso, até quando se recusará a crer em mim?” Notem então que o desprezo à bondade de Deus está ligado diretamente à incredulidade. O desprezo à provisão divina era inconcebível considerando “todos os sinais que Deus tinha feito no meio do povo.”

A conclusão do Senhor em forma de pergunta a Moisés é um raio-X do coração daquele povo, cheio de incredulidade e menosprezo diante das maravilhadas operadas. Deus não teria o mesmo poder que fez o mar Vermelho se abrir ou chover maná do céu, para continuar sendo providente e cuidadoso com o Seu povo? Será que os israelitas tinham esquecido tudo que Deus fizera por eles nesses dois últimos anos? Será que a provisão de Deus tinha sido uma miragem naquele deserto? Uma multidão de hebreus, em torno de 3 milhões de pessoas, chegar até às portas de Canaã foi um milagre inquestionável. Impossível não perceber a boa mão de Deus atuando em prol do seu povo ao longo desta jornada. Em síntese, o povo de Israel, ao recusar-se a crer no poder do Senhor, sobretudo tendo em vista todas as maravilhas que tinham experimentado, tratava Deus com desprezo. Lembremos que a fidelidade de Deus é a Si mesmo, por isso Ele fará cumprir o que lhe agrada, e nós precisamos estar sensíveis e gratos pela Sua provisão nesta jornada.

Interessante notar que já tinha acontecido um episódio de questionamento do cuidado e provisão de Deus (em Êxodo 17). O povo de Deus chegou num lugar chamado Refidim e lá não havia água para beber. A contenda e murmuração foram intensas a ponto de Moisés temer ser apedrejado. Neste episódio, Deus ordenou que Moisés ferisse a rocha. E da rocha em Refidim saiu água boa para dessedentar o povo.” E chamou o nome daquele lugar Massá e Meribá, por causa da contenda dos filhos de Israel e porque tentaram ao Senhor, dizendo: Está o Senhor no meio de nós ou não?” (Êx 17:7). Vejam que o escritor registra a síntese da reclamação: o Senhor está ou não no meio de nós? Em outras palavras, somos ou não somos cuidados e mantidos pelo Senhor. A resposta é um sonoro SIM diante de tantas evidências do poder de Deus em tirar o povo com braço forte do Egito.

Ao desprezarmos a provisão de Deus estamos desprezando o próprio Deus. O desdém diante de tantas bênçãos que Deus já nos concedeu, em especial as espirituais nas regiões celestes, tem feito um grande estrago no meio da igreja do Senhor. Até porque um coração descontente não se encaixa em lugar nenhum. Quando não valorizamos o que já recebemos graciosamente é impossível cultivar um coração agradecido e vibrante na obra do Senhor. A murmuração será sempre constante em nossos lábios. E notem como a murmuração e a ingratidão juntas destroem os laços de união em qualquer contexto. Pessoas ingratas geralmente olham os outros com inveja, e não conseguem se alegrar com os que se alegram. Se fizermos uma retrospectiva honesta em nossa vida veremos que sobram motivos para agradecer, por maior que seja a nossa luta hoje. Na jornada do discípulo que entendeu a essência da graça, enxergar a provisão de Deus é um exercício diário. O apóstolo Paulo disse que passou por esse aprendizado, estando contente em toda e qualquer situação e disse que isso era possível porque era fortalecido pelo próprio Senhor.

A ingratidão e o descontentamento causam diversas rupturas em nossa vida. Por exemplo, quantos casamentos estão passando por turbulências porque os cônjuges não são gratos pela vida um do outro? Dificuldades diversas sobrevêm sobre a uma família quando cada membro toca a sua rotina sem se importar em encontrar deleite na provisão feita pelo Senhor. Podemos pensar em situações de total desafeto porque a cultura do contentamento não foi implantada: manifestações de ira, gritaria e descontrole emocional por conta de corações que desprezam a boa mão do Senhor em prover, sustentar e cuidar. A desagregação é notória quando prevalece o queixume e estamos cegos para enxergar o quanto Deus tem cuidado de nossa família em detalhes que nem sequer percebemos.

O problema de desprezar a provisão do Senhor ainda gera outros problemas como o receio de avançar em ações efetivas no reino de Deus. Quem não confia que Deus é providente certamente não dará maiores passos de fé na jornada cristã. Por isso o autor da carta aos Hebreus nos incentiva a nos desembaraçarmos de todo o peso do pecado que tenazmente nos assedia (isso inclui a incredulidade), para corrermos com perseverança a carreira que nos foi proposta. Portanto, precisamos tomar muito cuidado com a nossa alma quando sentimentos ditam as conclusões sobre Deus!

John Piper nos desafia a vivermos pela fé na graça futura citando o Salmo 73:26: “Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre.” Ele afirma: “Deus não é glorificado se o fundamento de nossa gratidão é o valor do dom em si e não a excelência do Doador.” Sem a generosidade e força que provém de Deus de que adiantaria todo o nosso esforço nesta vida? Seria impossível enumerar os benefícios do SENHOR através de irmãos, conselheiros, amigos que nos ajudaram nesta jornada com Cristo. Seria impossível contar as bênçãos espirituais de conforto e paz em meio a terríveis lutas que passamos. Viver o evangelho implica não tratar com desdém o que de graça no foi dado. Isso mantém o coração firme para enfrentarmos batalhas espirituais.

Enumerar os milagres de Deus é impossível. Irmãos, precisamos reconsiderar o significado do que são milagres. À nossa volta milagres acontecem e nem percebemos, pois estamos insensíveis à atuação do Senhor. Mesmo num mundo caído e torto pelos efeitos do pecado, milagres da graça de Deus são constantes. Podemos ver milagres a todo o momento se nosso coração for grato e atento. Isso não é negação da realidade quando os ventos são contrários; é enxergar milagres mesmo no meio dos dilemas e lutas próprias desta vida. Que sejamos mais atentos aos milagres de Deus no cotidiano e nas coisas ordinárias.

è O povo que consegue perceber os milagres da provisão divina ao longo da jornada permanece coeso e com vigor para prosseguir.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Qual combustível você utiliza


"Se você pensa na identidade do seu coração como um motor, poderia dizer que existe uma espécie de combustível a alimentá-lo de modo limpo e eficiente e um outro tipo que não só polui como também destrói o motor. O sujo é o combustível do medo e da necessidade de provar quem se é. Ou da necessidade de ser necessário para alguém. Ou da necessidade de se expressar por inteiro e sem reservas. Diversos “combustíveis” nos motivam a viver por um tempo, mas só existe um combustível limpo e que não levará ao esgotamento e à decepção. Esse combustível é o amor de Deus por você. Qualquer outro combustível se tornará demoníaco. Ou o deixará obcecado ou, na melhor das hipóteses, apenas o desapontará. Sempre que alimenta sua vida com esses combustíveis, Satanás consegue levá-lo para onde bem entende. A única coisa que ele não quer é que as palavras de Deus “Você é meu filho amado” alimentem o motor de seu coração e de sua vida." 

Timothy Keller
Encontros com Jesus: Respostas inusitadas aos maiores questionamentos da vida 

domingo, 3 de maio de 2020

Sabedoria para vivermos


Sabedoria: Equilíbrio + Força + Discernimento 

Concernente ao equilíbrio: será que a sabedoria está protegendo-nos dos extremos? Em nossos dias de extremismos fanáticos, um sábio equilíbrio nos protegerá da margem da loucura. Quando colocamos a sabedoria para trabalhar, fica mais fácil para os outros conviverem conosco. Como Will Rogers afirma: “Precisamos nos sentar confortavelmente na sela”. A sabedoria ajuda isso acontecer e nos mantém balanceados.

Concernente à força: será que a sabedoria está mantendo-nos estáveis? Sob o ataque do criticismo, assim como das sutis armadilhas do orgulho, uma força interior é essencial. Quando colocamos a sabedoria para trabalhar, ganhamos um amortecedor para suavizar as duras pancadas da vida.

Concernente ao discernimento: será que a sabedoria está esclarecendo a nossa mente? Rodeados de uma multidão de vozes convidativas e persuasivas, precisamos do sistema de filtragem que somente a sabedoria pode dar. Quando colocamos a sabedoria para trabalhar, é incrível como isso aumenta o nosso nível de discernimento.

Sim, Deus tem o mundo todo em Suas mãos – o vento, as ondas, os bebezinhos, e até mesmo você e eu. As coisas não estão fora de controle. A questão da vida à beira do limite não é: será que a Sua sabedoria funciona? E sim: estamos colocando a Sua sabedoria para funcionar?

“A sabedoria é a capacidade dada por Deus de vermos a vida com rara objetividade e de lidarmos com a vida com rara estabilidade.”

Charles Swindoll, no livro Vivendo à beira do limite

sexta-feira, 27 de março de 2020

DEUS É SÁBIO


Em meio à crise da pandemia do coronavírus em escala global, muitos podem questionar a sabedoria de Deus no seu íntimo. Outros proclamam em alto som que o Deus revelado nas Escrituras é um engodo. No entanto, podemos afirmar com certeza que a crise global evidencia que os homens não podem perscrutar os caminhos de sabedoria do Onipotente Senhor de tudo e de todos.
Vamos considerar alguns pontos em que Deus é sábio.
– Deus é necessariamente sábio. A sabedoria não pode ser separada dEle. Ela é a Sua primeira operação vital.
– Ele é originalmente sábio. Todas as outras formas de sabedoria provêm dEle, mas Ele não as recebe de ninguém.
– Ele é perfeitamente sábio. Por outro lado, até mesmo a sabedoria dos anjos é limitada, e, portanto, imperfeita.
– Ele é universalmente sábio. Ele conhece tudo a respeito de todas as coisas, e faz uso perfeito deste conhecimento.
– Ele é perpetuamente sábio. Ao contrário dos homens, que adquirem sabedoria com o passar dos anos somente para envelhecer e perdê-la novamente.
– Ele é incompreensivelmente sábio. Seus juízos são insondáveis e seus caminhos inescrutáveis (Romanos 11: 33). Não há limites de como Ele possa demonstrar Sua sabedoria para nós.
– Ele é infalivelmente sábio. Não há enganos nEle. A trama mais sábia de um anjo contra Ele está fadada ao fracasso, e somente contribuirá para o cumprimento dos Seus propósitos. Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR (Provérbios 21: 30).

Stephen Charnock


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Buscar a santidade

A SANTIDADE DEVE SER BUSCADA ARDOROSAMENTE SEM, CONTUDO, PERDER-SE DE VISTA QUE A SALVAÇÃO É PELA FÉ, E NÃO PELA SANTIDADE

Augustus Nicodemus

Muitos cristãos tendem à introspecção e a buscar a certeza da salvação dentro de si próprios, analisando as evidências da obra da graça em si para certificar-se que são eleitos. Não estou dizendo que isso está errado. Embora a salvação seja pela fé, no meu entendimento, a certeza dela está ligada ao processo de santificação.

Contudo, os crentes correm o risco de confundir as duas coisas. Se a busca contínua pela santidade não for feita à luz da doutrina da justificação pela graça, mediante a fé, levará ao desespero, às trevas e à confusão. Quanto mais olhamos para dentro de nós, mais confusos ficaremos. “Enganoso é o coração, mais que todas as coisas; e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?” (Jeremias 17.9).

Não estou descartando o exame próprio e a análise interior de nossos motivos. Apenas estou insistindo que devemos fazer isso olhando para Cristo crucificado e morto pelos nossos pecados. Somente conscientes de que fomos justificados pela graça, mediante a fé, sem as obras da lei, é que podemos prosseguir no longo caminho da santificação.

O elo entre a justificação e a santificação


Muito se discute nos arraiais evangélicos sobre a necessidade da justificação mediada por Cristo a fim de sermos parte do reino de Deus. Certamente, há farto amparo bíblico para este assunto, afinal aos que Deus chamou, a estes justificou. A justificação é uma declaração judicial unilateral por parte de Deus de que já não há mais culpa que condene o homem redimido, visto que seus pecados foram totalmente pagos pela obra vicária de Cristo Jesus.

Mas não podemos ignorar a ampla gama de textos bíblicos que afirmam a necessidade de crescimento e amadurecimento na fé, afinal sem santidade ninguém verá o Senhor. Menoscabar a santificação como um processo inexorável na vida do cristão é fazer pouco caso da graça maravilhosa do Senhor. Neste aspecto, o progresso na piedade deve ser evidente e realizado sob a dependência da graça.

Portanto, há forte ligação entre a justificação e a santificação. Enquanto a justificação nos livra da culpa do pecado, a santificação nos livra do poder do pecado. Somente conscientes de que fomos justificados pela graça, mediante a fé, sem as obras da lei (Rm. 5.1; 3.28), é que podemos prosseguir confiantes no caminho da santificação. E assim vamos amadurecendo em glória, parecendo-nos mais e mais com a estatura de varão perfeito.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Raízes

por Charles R. Swindoll

Marcos 4:1-41; Efésios 3:1-21; Colossenses 2:1-23
Existe uma árvore no meu jardim que me dá um trabalho enorme, várias vezes ao ano. Ela tomba. Não, ela nunca quebra ou para de crescer… só tomba. Ela é bonita, muito verde, encorpada. Mas deixe que uma boa rajada de vento a encontre – e lá vai ela para o chão – rapidamente.
Isso aconteceu hoje. Estava muito bem, até que ventou. É uma vergonha que essa charmosa árvore não consiga se manter em pé. Retire as cordas que a sustentam e é somente uma questão de tempo… ela não é páreo na luta contra seu invisível amigo.
Por quê? Na linguagem dos jardineiros, ela é uma cabeça-pesada. Muitas folhas e pesados ramos acima do chão (que apreciamos e gostamos), mas abaixo do solo, fracas raízes. Poucas raízes aqui e ali, procurando por água e nutrientes… mas insuficientes para suportar tudo o que cresce acima. E a árvore não para de produzir novas folhas para esperar as raízes se fortalecerem.
Então, eu vou de manhã e a coloco em pé novamente. Converso com ela, dou vários conselhos e, com gestos, falo para se “endireitar”. Mas é só aparecer outro ventinho mais forte, que ela vai ser nocauteada.
Essa árvore passa uma lição que eu não posso mais ignorar: raízes fortes estabilizam o crescimento. Se isso é verdade para as árvores, com certeza é crucial para os cristãos. Raízes fortalecem e nos sustentam contra os fortes ventos da persuasão. Quando os ventos “tombadores-de-mentes” atacarem sem aviso, será o emaranhado de sólidas raízes que irá nos segurar e nos manter em pé. Bonitos ramos e rendadas folhas, não importando quão atrativos possam ser, falham em nos fortificar quando a velocidade cresce. São necessárias raízes resistentes, profundas, poderosas raízes para nos manter em pé.
Isso explica por que o Salvador disse aquilo sobre a planta que secou. Ela tinha um problema de raízes (Marcos 4:2) e não pôde aguentar os raios de sol. E por que a oração de Paulo pelos jovens e enérgicos crentes de Éfeso incluiu o pensamento de “… estando arraigados e alicerçados…” (Efésios 3:17). Raízes fortes estabilizam o crescimento. É por essa razão que elas são tão importantes. Sem elas nós tombamos e às vezes estalamos.
Mas antes que você fique empolgado querendo criar uma série de fortes raízes, deve se lembrar de algo importante: isso leva tempo. Não existe uma rota instantânea para a criação de raízes. E não é uma das coisas mais divertidas de se fazer. Envolve trabalho duro e dedicado. E também não é um processo facilmente perceptível. Ninguém gasta tempo cavando ao redor do caule de uma árvore, admirando: “Que raízes fortes você tem!”. Quanto mais fortes e profundas forem as raízes, menos visíveis elas se tornam. Menos aparecem.
Grave isso. O processo é lento. E também não haverá barulho ou fumaça no seu crescimento. O processo é silencioso. Mas no final do processo, o produto será insubstituível… de valor incalculável.
Se você está procurando um crescimento rápido, superficial, do tipo “levante daí rapidinho”, então eu tenho o ideal. Apareça qualquer dia aqui em casa e eu vou vender para você um espécime perfeito – com cordas e tudo!

sábado, 28 de dezembro de 2019

Potencial de dano


Texto: Mateus 18: 1-9
Tema: Potencial de Dano

Introdução 1:
Em uma segunda-feira, 6 de agosto de 1945, às 8 horas e 15 minutos da manhã, a bomba atômica "Little Boy" foi lançada sobre Hiroshima por um bombardeiro B-29 americano, o Enola Gay, matando instantaneamente por volta de 80 mil pessoas. A bomba lançada sobre a cidade de Hiroshima era uma bomba nuclear de urânio-235 com uma potência estimada de 16 quilotons (1 quiloton = 1000 toneladas de TNT). Ela explodiu a uma altura de aproximadamente 570 metros do chão e provocou uma nuvem de fumaça que alcançou 18 km de altura. Sua explosão gerou uma bola de fogo com uma temperatura de aproximadamente 300.000 °C, atingindo um raio de 2 km de destruição, além de espalhar uma nuvem radioativa. Estima-se que houve mais de 140 mil mortes em decorrência das queimaduras e dos ferimentos causados pela explosão e dos danos causados pela exposição à radiação. O potencial destrutivo da bomba atômica era de causar espanto, mas nem mesmo seus criadores esperavam tanto.
Música ROSA DE HIROSHIMA: Pensem nas crianças/ Mudas, Telepáticas/ Pensem nas meninas/Cegas, inexatas/ Pensem nas mulheres/ Rotas, Alteradas/ Pensem nas feridas/ Como rosas cálidas/ Mas oh! Não se esqueçam/Da rosa, da rosa/ Da rosa de Hiroshima/ A rosa hereditária/ A rosa radioativa/ Estúpida e inválida/A rosa com cirrose /A anti-rosa atômica/ Sem cor, sem perfume/ Sem rosa, sem nada. Essa música, em tom melancólico, expressa com poesia a força destrutiva da bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de rosa, por conta do formato de botão em flor, ou de cogumelo, da enorme nuvem de fumaça que se formou após a explosão. O ataque ao Japão não parou por aí, três dias depois outra bomba (de plutônio) foi jogada sobre a cidade de Nagasaki, os efeitos geraram milhares de mortes instantâneas e outras devido ao efeito radioativo. A bomba apelidada de Little boy, que significa "garotinho" em português, não tinha nada de diminutivo na sua capacidade devastadora.
Introdução 2: E por falar em potencial danoso, não podemos jamais esquecer que a Bíblia nos adverte que o pecado jaz à porta, mas cumpre a nós dominá-lo. Já em Gênesis o potencial de dano do pecado nos serve de alerta. O livro de Provérbio está repleto de princípios para evitarmos seguir pelo caminho da insensatez, conhecendo o potencial de danos que é próprio deste caminho. Os danos decorrentes de ações intempestivas são recorrentes na Bíblia, por exemplo quando Saul resolveu por conta própria ofertar bois e ovelhas ao Senhor em Gilgal (usurpando o papel exclusivo do sacerdote Samuel). O potencial danoso desta atitude de Saul custou-lhe a reprovação imediata do profeta (agiste nesciamente e não guardaste o mandamento que o Senhor) e ainda chancelou a perda do reino (agora, não subsistirá o teu reino).
No texto em epígrafe, temos mais uma advertência do Senhor Jesus aos discípulos que o seguiam. Esta dura advertência ressalta o potencial danoso que algumas atitudes trazem para dentro das relações humanas, e que acabam minando a vitalidade e o progresso dos redimidos. Jesus está sendo bastante direto, não deixando margem para interpretações ambíguas. Ele claramente alerta sobre o potencial de dano, sobre a insensatez que deve ser considerada nestas atitudes para não incorremos também nelas. Conhecendo as condutas que possuem um potencial danoso/lesivo, podemos fazer um diagnóstico se estamos incorrendo nelas. Buscar o arrependimento e clamar por perdão é o primeiro passo para não sermos veículos com tamanho potencial de causar danos. Em razão disso, afirmo o seguinte:

 “Neste texto, somos advertidos sobre inclinações cujo potencial de dano não deve ser ignorado”


1) Fomentar um conceito elevado de si próprio (Vs. 1-5)
EXPLANAÇÃO: O motivo do Senhor ter feito essa pergunta retórica acerca de quem era o maior do reino de Deus foi a constante disputa dos discípulos entre si para determinarem quem era o maior deles. É bem possível que os últimos acontecimentos tenham agravado esse problema, especialmente com referência a Pedro que andara sobre as águas com o Senhor e tenha sido aquele que representou o Senhor ao pagar o imposto do templo através de um milagre. O fato de Jesus ter compartilhado com eles acerca do seu futuro sofrimento e morte na transfiguração, não causou o devido impacto na vida deles, pois continuavam pensando em si mesmos e no cargo que ocupariam no reino de Deus. Eles estavam tão obcecados pela questão que chegaram mesmo a discutirem entre si (Lc.29.46). A condição de servos causava entre os discípulos muito mal-estar.
Os discípulos estavam pensando acerca do reino de Jesus em termos de um reino terreno e em si mesmos como os principais ministros de Estado. Essa distorção teológica dos discípulos perdurou até mesmo depois da ressurreição de Jesus (At 1.6). Percebamos que na pergunta "quem é o maior", que diz respeito a posição/relevância, está implícita outra pergunta: "quem é o melhor", que diz respeito a quem é o mais excelente para ocupar tal posição. Esta ladainha entre os discípulos não aconteceu apenas uma vez, e sempre que aconteceu recebeu a reprimenda de Jesus.
Quando Jesus fez essa pergunta, certamente eles ficaram aguardando com ansiedade que o Senhor dissesse quem era o maior, mas Jesus ignorando-os completamente chamou uma criança para junto de si, como a dizer, eis o exemplo da verdadeira grandeza. A criança é levantada como um ideal não de inocência, pureza ou fé, mas de humildade e de despreocupação por posição social. Jesus advoga a humildade de mente (v. 4), não a infantilidade de pensamento (cf. 10.16). A humildade de uma criança consiste principalmente em um estado de confiança e dependência. Notem o contraste que Jesus apresenta: por um lado havia um grupo de pretensos homens, que disputavam entre si para saber quem era o maior e do outro uma criança sem a menor preocupação com esse assunto. Essa é a atitude que Deus deseja que seus filhos adotem em relação a Ele. O estado de espírito moderno que prevalece atualmente, de autossuficiência e de sabedoria mundana e sofisticada, é inimigo de uma autêntica espiritualidade.
ILUSTRAÇÃO: Quem não se lembra da história de Hamã, aquele homem orgulhoso, descrito no livro de Ester. Ele tinha um conceito tão elevado de si mesmo que ao ser perguntado pelo rei sobre o que se deveria fazer a um homem a quem o rei quisesse honrar, pensando que se tratava dele (Hamã) disse: “Que seja vestido de trajes reais, e que desfile pelas ruas montado no cavalo do rei, sendo dito sobre ele: Esse é o homem a quem o rei deseja honrar.” A sugestão agradou ao Rei Assuero que mandou imediatamente que se fizesse o sugerido com o judeu Mordecai a quem Hamã odiava, além disso ele é quem conduziria o cavalo do rei anunciando Mordecai como o homem a quem o rei queria honrar.  Esse só foi o primeiro degrau na queda do orgulhoso Hamã, que terminou por morrer numa forca que ele preparara para Mordecai.
Vivemos num mundo onde a autoafirmação tem se tornado uma regra. As pessoas não se preocupam tanto em ser, mas em ser reconhecidos como tal. São pessoas que possuem uma necessidade íntima muito forte de impor-se à aceitação dos outros. Precisam estar sempre em destaque, como o centro das atenções, recebendo, é claro, constante aprovação dos que as cercam. A necessidade de autoafirmação, de estar sempre sendo reconhecido e elogiado pelos outros, faz com que a pessoa deixe de olhar verdadeiramente para dentro de si, o que a levaria a ter uma percepção equilibrada e realista de si mesmo. Vivendo na busca da autoafirmação, de reconhecimento externo, não sobra tempo para se trabalhar para ser. O caminho é o de se tornar um sepulcro caiado, tal como os fariseus. É obvio que essa conduta é um barril de pólvora e tem enorme potencial lesivo no Corpo de Cristo. Estamos errados ao badalar o sino a respeito de nossas qualificações, com o desejo de sermos reconhecidos. Quem tem habilidades não toca trombeta sobre si, mas simplesmente usa os seus dons como meios para a glória de Deus.
Por causa da queda, somos atraídos por visões enfatuadas, deturpadas e grandiosas de nós mesmos. Pessoas que fazem muita referência a si próprias (autoelogios) são danosas para o equilíbrio no Corpo de Cristo. O sábio Salomão já advertiu: “Seja outro o que te louve, e não a tua boca; o estranho, e não os teus lábios” (Pv. 27:2). Fazer comparações ministeriais sempre em proveito próprio indica um coração autocentralizado, que precisa da graça de Deus. Usando as palavras de Paulo, “não pense de si mesmo além do que convém" (Rm. 12:3). Paul Tripp escreveu: “A aclamação pública frequentemente é o viveiro para o crescimento da semente do orgulho espiritual.”
É impossível alguém se humilhar diante do Senhor se, ao mesmo tempo, estiver procurando se exaltar em relação aos outros. Tudo em nosso viver deve ser projetado para produzir maior humildade em nós. Devemos enxergar os irmãos não como oportunidades para trazer glória a nós mesmo, mas como pessoas a que podemos servir para trazer glória a Cristo. João Batista, a respeito de Cristo, proferiu um dos desafios mais importantes para todos nós: “Convém que Ele cresça e que eu diminua”. Até porque ao pé da cruz o terreno é plano, portanto, não deve existir espaço para autopromoção que cria divisões dentro da igreja. Somos servos, não soberanos. Somos ovelhas, não pavões. E diante do exemplo supremo de Cristo nenhum de nós pode jamais dizer que está se humilhando demais. Nenhum de nós pode dizer: “Chega! Eu mereço algo melhor, agora é a vez de ser servido e aclamado.”
O sentimento de superioridade, seja ele consciente ou não, sempre começará a eliminá-lo do ministério protetor e santificador essencial do corpo de Cristo. Você começa a se enxergar como alguém que não precisa dos demais, que é bastante a si mesmo, quase uma igreja ambulante com todos os dons necessários. Precisamos lutar continuamente contra o perigo da síndrome de celebridade. Somos rodeados por espelhos curvos que têm o poder de dar uma visão distorcida de nós mesmos. Por isso somos carentes da graça todos os dias, para que o evangelho de Cristo nos humilhe e nos revele de fato quão pequenos e fracos nós somos. Olhar para o exemplo de Cristo (kenosys=autoesvaziamento) deve nos constranger diariamente. Em mais um paradoxo da fé, a verdadeira grandeza pertence ou faz parte da disposição de ser o último e servo de todos.
A luta do discípulo em busca de poder ou primazia entre os seus pares denota a confusão que está se fazendo do reino dos céus como um tipo de reino terreno, político, que propicia posições de poder. Quantas vezes as disputas por primazia na igreja do Senhor fazem o povo de Deus enfermar? É terrível o potencial de dano trazido pela prática da autoexaltação e egocentrismo que gera disputas e divisões no corpo de Cristo, assim como aconteceu em Corinto. De Deus somos todos cooperadores; a lavoura é de Deus e o crescimento vem dEle somente. Portanto não sobra espaço para vanglória, pois "nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento” (1 Cor. 3:7). Quando vamos abandonar as práticas infelizes de buscar posição como se estivéssemos concorrendo entre nós quem é o melhor? De fato, já passou da hora de nos portarmos como servos, não como senhores na obra do Mestre, tais como crianças despretensiosas.


2) Causar algum estorvo espiritual a outrem (Vs. 6,7)
EXPLANAÇÃO: Os versículos de 6 a 9 estão unidos pela palavra grega eskandalon (pedra de tropeço) e seu respectivo verbo eskandalizo (tropeçar). O Senhor inicia a fala registrada no versículo 6 com o pronome “qualquer” seguido que fizer tropeçar... Isso significava que nenhum dos discípulos estava isento da possibilidade de fazer alguém tropeçar. No entanto fazer alguém tropeçar é uma ação insensata por sua falta de amor e misericórdia e pelo juízo que tal ação evoca. Para descrever o peso do juízo que virá sobre aquele que faz o outro tropeçar, Jesus diz que seria preferível que se pendurasse ao pescoço dessa pessoa uma grande pedra de moinho e que fosse afogada na profundeza do mar. Geralmente as pedras no pescoço eram adereços, aqui por mais que ilustra um duro juízo terreno não se compara com o celestial. O mundo é um lugar de pecado (jaz no maligno) e consequentemente é até compreensível que seja também um lugar de escândalos, no entanto ai do mundo por causa disso e ai daqueles que patrocinam esses escândalos. A questão dos escândalos apresentada neste texto por Mateus é diferente da abordagem apresentada por Paulo em 1 Coríntios. Na questão da carne sacrificada aos ídolos prevalece a questão de sermos cautelosos em não prejudicar a fé de alguém com consciência fraca, isto é, uma consciência ainda não treinada e fortalecida nos princípios doutrinários. Já aqui em Mateus o que está em voga são as atitudes deliberadas de causar tropeços na vida de alguém, seja por mau testemunho ou por alguma palavra que gere prejuízos à carreira cristã de outro irmão. Armar ciladas e induzir ao erro é uma praxe no mundo, mas não deveria ser entre o povo de Deus.
ILUSTRAÇÃO: A imagem do ex-maratonista Vanderlei Cordeiro de Lima sendo agarrado por um ex-padre irlandês nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, ficou mundialmente conhecida. Na ocasião, Vanderlei liderava a prova com uma diferença de 150 metros do italiano Stefano Baldini, mas perdeu metade do seu tempo de vantagem quando foi empurrado por Neil Horan, ex-pároco da igreja católica da Irlanda.  Desconcentrado pelo susto, o brasileiro foi ultrapassado e ao final da prova subiu ao pódio para receber o bronze.
O escândalo é uma pedra de tropeço para as pessoas. É uma conspiração contra o bom testemunho. É negar a fé não com palavras, mas com atitudes. A vida do cristão é sua mensagem mais eloquente. Portanto, falar contra o pecado em público e praticá-lo em secreto é uma abominação diante de Deus e uma pedra de tropeço diante dos homens.  Acautelemo-nos, pois o pecado mais escondido na terra é um aberto escândalo no céu. (Hernandes Dias Lopes). Quando aqueles que conhecem a Deus desviam-se da verdade, caem na iniquidade, e praticam os mesmos pecados daqueles que não o conhecem, tornam-se pedra de tropeço, como está ilustrado nos Salmos e nos profetas: “Teimam no mau propósito; falam em secretamente armar ciladas; dizem: Quem nos verá? Projetam iniquidade, inquirem tudo o que se pode imaginar; é um abismo o pensamento e o coração de cada um deles.” (Salmo 64: 5-6) “Flecha mortífera é a língua deles; falam engano; com a boca fala cada um de paz com o seu companheiro, mas no seu interior lhe arma ciladas.” (Jr. 9:8)
E difícil conceber como Jesus poderia ter dado um aviso mais solene sobre o horror de levar outro cristão que está se desenvolvendo a errar e ser seduzido pelo pecado por causa da influência de alguém. A necessidade de uma vida consistentemente santa deve despertar a nossa atenção como as luzes que piscam no cruzamento de uma estrada de ferro. Faremos bem em dar atenção a esse aviso. Quando formos tomar alguma atitude devemos refletir com cautela, averiguando se aquela atitude pode se constituir causa de tropeço para alguém. E não se trata de viver pisando em casca de ovo, num ambiente cheio de pessoas hipersensíveis. O alerta que Jesus faz é sobre causar deliberadamente um tropeço, uma situação que traga prejuízo ao próximo, de modo a envergonhar a causa de Cristo e o progresso da fé de alguém. Com base em outros textos do Novo Testamento, o alerta envolve cautela redobrada por parte daqueles que estão em posição de liderança ou de ensino na igreja. Sabemos que o exemplo é um fator de influência bastante significativo para os irmãos na fé, por isso cultivar a prudência é sempre necessário e salutar para o bem do equilíbrio no corpo de Cristo.
As causas de tropeço podem ser várias, mas a que por inferência é mencionada aqui é a ambição orgulhosa, como a que acabara de ser manifestada pelos discípulos. No texto paralelo do evangelho de Marcos traz à baila também os efeitos perniciosos do preconceito (Mc. 9:38-41). A Bíblia nos mostra, em especial em Provérbios e na epístola de Tiago, que um enorme potencial de dano está na questão do falar.Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça (ou não causa tropeços) no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (Tg. 3:2). Com a língua podemos causar grandes incêndios e trazer prejuízos incalculáveis para outros irmãos. Podemos levar pessoas a terem uma visão pequena de Deus se nossas palavras forem uma deturpação do Evangelho. Podemos influenciar pessoas a romperem amizades se o nosso falar estiver corrompido com preconceitos e maldade. Podemos destruir um casamento alicerçado por tantos anos, por meio de uma mentira calculada ou um falso testemunho. Podemos inviabilizar a coexistência pacífica dentro da igreja. Podemos menosprezar pessoas feitas à imagem de Deus, atacando a dignidade inerente à condição de criatura. Sendo assim, todo cuidado é pouco com a questão da língua. O salmista Davi faz uma pergunta e ele mesmo responde: “Quem é o homem que ama a vida e quer longevidade para ver o bem? Refreia a língua do mal e os lábios de falarem dolosamente” (Salmo 34: 12-13). O médico diz:  "Você é o que come".  O psicólogo diz:  "Você é o que sente". O educador físico diz: "Você é o que transpira". O filósofo diz: "Você é o que pensa". O professor diz: "Você é o que estuda". E Tiago, na sua epístola no NT, diz: "Você é o que fala". Conhecemos, de fato, o tremendo potencial de causar tropeços da nossa língua?
Por outro lado, também podemos ser causa de tropeço quando somos omissos. A vida do cristão não deve ser causa de tropeço nem por ação e nem por omissão. A omissão é claramente reprovada em Tiago 4:17:  “Aquele, pois, que sabe que deve fazer o bem e não o faz comete pecado.” Omissão é não assumir a responsabilidade ou não adotar a postura adequada diante de alguma requisição da parte do Senhor. E assim, podemos levar outros a tropeçar por conta de uma situação que exige um posicionamento correto e embasado nas Escrituras e deixamos de agir. Martinho Lutero, quando estava sendo confrontado pelas hostes do papa Leão 10, disse: “Você não é responsável apenas pelo que diz, mas pelo que não diz também.”  Toda a vida do crente deve ser mantida e nutrida com responsabilidade, ciente do bom propósito de glorificar a Cristo somente.
De fato, a responsabilidade pelo pecado é pessoal e intransferível. Cada um que cair dará contas de si mesmo ao Senhor. Mas não podemos utilizar deste argumento de defesa quando agimos erroneamente e, por causa disso, outros venham a tropeçar na carreira cristã. Como membros do Corpo de Cristo somos interdependentes e, portanto, responsáveis também pela saúde e progresso espiritual de irmãos na fé. Criar tropeços, ciladas ou induzir maliciosamente obras malignas não é próprio do cidadão celestial, que está rumando para encontrar-se com Cristo na glória. Levar outra pessoa a fracassar, seja por mau exemplo, orgulhosa ambição, por indiferença, ou outra coisa qualquer, tem um potencial de dano enorme para a igreja do Senhor. Precisamos cuidar uns dos outros, e este cuidado protetor envolve nutrir relacionamentos que sejam sólidos o suficiente para não levarmos ninguém a tropeçar na fé. Cuidemos com redobrada atenção de nossas palavras e de nossas ações, para não servimos ao príncipe das trevas induzindo outros ao erro.


3) Poupar a si próprio de sacrifícios espirituais (Vs. 8,9)
EXPLANAÇÃO: Usar as mãos, os pés e os olhos para pecar é uma loucura consumada. As mãos que agem, os pés que andam e os olhos que veem dever estar a serviço do bem, e não do mal; da santidade, não da iniquidade. O que fazemos, aonde vamos e o que vemos pode constituir-se armadilha para a nossa alma. Jesus não ensina a amputação física, mas o radical enfrentamento do pecado. A pé, mão e olhos representam a própria pessoa em suas várias formas de expressão. Toda vez que os pés se desviam do caminho, isso acontece porque o coração também se desviou. Se não houvesse pecado no coração, o pé, a mão e os olhos não se tornariam, tão facilmente, instrumentos do pecado. Uma personalidade santa terá pés, mãos e olhos santos. Portanto, Jesus está insistindo para que a resistência seja vencida a fim de que nos tornemos santificados através do sacrifício daquilo que atrapalha o progresso na fé. Se alguma coisa no caminho nos impede de seguir a Jesus, precisamos nos livrar disso.
Renunciar àquilo que parece ser o nosso direito natural, seja representado pelo pé, mão, ou pelos olhos, não é tarefa fácil e feita de bom grado. Mas, é melhor salvar um homem deformado do que perder um homem “completo”. Jesus reforça que devemos ser radicais na remoção de qualquer obstáculo que se interponha entre nós e Deus, por meio de renúncia e autossacrifício. Na luta contra a natureza de Adão que ainda reside em nós não podemos ser indolentes ou letárgicos. Sem dúvida, o sacrifício literal de mão, pé ou olho não resolverá os problemas da tentação e do pecado, mas a ilustração é clara. Da mesma forma como se sacrifica um órgão do corpo para salvar a vida física, também qualquer disciplina, por severa que seja, não é preço muito grande a ser pago pela vitória sobre os tropeços. O inferno está reservado para aqueles que nunca fizeram sacrifícios espirituais, porque de fato os tais nunca nasceram de novo pelo poder do Espírito de Deus. Só quem é capacitado pelo Espírito pode produzir frutos e realizar sacrifícios que glorifiquem ao Pai, através da mediação do Filho.

ILUSTRAÇÃO: Conta-se que na Primeira Guerra Mundial um jovem soldado francês foi seriamente ferido. Seu braço havia sido quebrado em várias partes e teve que ser amputado. Ele era considerado um soldado de grande coragem e o cirurgião lamentou profundamente o fato de, ainda muito jovem, ter o corpo mutilado. Ele aguardou ao lado da cama do soldado para lhe dar as más notícias quando recuperasse a consciência. Quando o rapaz abriu os olhos, o cirurgião lhe falou: “Eu sinto muito lhe dizer, mas você perdeu o seu braço.” “Senhor,” falou o rapaz, “eu não perdi o meu braço, eu o dei – pelo meu país, a gloriosa França.” Sacrifícios, será que somos capazes?  Frank Farley, um antigo político cristão norte americano disse: “Grande parte de nosso cristianismo atual está encharcado de sentimentos, mas desprovido de sacrifícios.”  O estudioso britânico do Novo Testamento Ralph Philip Martin disse:  “O sinal do amor que professamos pelo evangelho é a medida do sacrifício que estamos dispostos a fazer para ajudar o seu avanço.” John MacArthur vem reforçar essa mesma concepção: “O verdadeiro evangelho é um chamado para o autossacrifício e não para a autorrealização”.
Algo só pode ser considerado sacrifício se nos custa alguma coisa. Não vale dizer que somos cristãos sacrificiais, se na hora “H” nos deixamos levar pela autoproteção desenfreada. Para seguir o caminho do sacrifício das próprias vontades o discípulo tem que compreender que é um doulos (escravo, no grego). Nas Escrituras, a descrição que prevalece sobre o relacionamento dos cristãos com Jesus Cristo é a relação escravo/mestre. Ser escravo de alguém, significava ser sua possessão, sujeito a obedecer suas vontades, sem hesitação ou questionamentos. Os primeiros cristãos se contentavam em considerar a si mesmos como absoluta propriedade de Cristo, comprados por Ele, possuídos por Ele, e estando totalmente ao seu dispor.  Somos seus escravos, chamados a obedecê-Lo e honrá-Lo, com humildade e de todo o coração. Somente assim, entenderemos que os sacrifícios espirituais são importantes para sermos agradáveis ao nosso Mestre.
         O potencial de dano de não realizarmos sacrifícios espirituais em nossa vida é evidente. Quanto mais alimentamos vontades carnais e centradas no “eu”, mais cresce a nossa autonomia. Quanto mais alimentamos caprichos pessoais, mais tropeçamos e levamos outros a tropeçar. Passamos a viver sem a devida consideração para com o Senhor que nos comprou com seu precioso sangue. Começamos a enxergar o milagre da salvação com desdém, sem dar o valor devido ao que Cristo fez. Depois de descrever com detalhes o plano eterno de salvação na carta ao Romanos (capítulos 1 a 11), o apóstolo Paulo faz um clamor retumbante: “ROGO-VOS, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm. 12:1). Só alguém que entendeu o plano perfeito de redenção do pecador e que se rendeu ao senhorio de Cristo, é capacitado pelo Espírito a realizar sacrifícios espirituais que mortificam os desejos da carne e dos pensamentos mundanos.
O verdadeiro Cristianismo não se trata de acrescentar Jesus à minha vida. Em vez disto, trata-se de devotar-me completamente a Ele, submetendo-me inteiramente à sua vontade e procurando agradá-Lo, acima de todas as coisas. Isto demanda morrer para mim mesmo e seguir ao Mestre, não importando o custo. Em outras palavras, ser um cristão é ser um escravo de Cristo. E ser um escravo implica sacrifício de caprichos pessoais e da autonomia da vontade. Há muitas canções gospel que falam sobre rendição a Cristo: “Eu me rendo; rendo a ti minhas vontades”. Mas biblicamente o que significa rendição? Rendição a Cristo implica desistir de lutar contra a Sua autoridade e não mais oferecer resistência diante da urgência em dar um basta nos hábitos escravizadores que precisam ser extirpados da nossa vida.
Não nos enganemos. A falta de sacrifícios espirituais não traz prejuízos somente para o indivíduo, mas também para a coletividade na qual está inserido. É fácil constatar que igrejas não amadurecem porque seus membros não estão fazendo os ajustes necessários: onde estão os que se sacrificam pela causa de Cristo? Onde estão aqueles que saem do comodismo para agir cortando na própria carne? Irmãos, não precisamos de heróis ou salvadores da pátria. Necessitamos de crentes que se sacrificam para uma vida de santidade e utilidade. Santidade é essencial, mas é impossível caminhar nesta direção sem sacrifícios espirituais.
Até que ponto nós estamos dispostos a sofrer as dores da santificação? A santificação dói porque envolve sacrifícios. As dores da santificação dão testemunho de que somos filhos de Deus. Não existe santificação sem direção, e direção requer disciplina no sacrifício de nosso orgulho e paixões centradas em nossos pretensos direitos. Muitas vezes somos ligeiros em identificar os sacrifícios espirituais que outras pessoas devem fazer, na nossa avaliação. Ignoramos que não é possível enxergar adequadamente com uma enorme trave em nossos olhos. Sacrifícios são necessários para o equilíbrio no Corpo de Cristo, e quando não há o potencial de dano torna-se evidente.
Uma forte evidência de sacrifício espiritual é quando não reivindicamos direitos diante de Deus e passamos a trilhar o caminho do arrependimento. O salmista proclamou: "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Salmos 51:17). A essência da vida cristã passa necessariamente pelo arrependimento e não é possível arrependimento genuíno sem o sacrifício do nosso orgulho. É inviável queremos avançar em contrição sem que antes sacrifiquemos o que temos de mais precioso: os nossos direitos. Esta rebelde inclinação é uma afronta à cruz de Cristo, que nos mostra o preço que foi pago para que não vivamos mais para nós mesmos.